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Capítulo II Percursos de leitura da poesia de Sophia de Mello Breyner

4. Os manuais escolares

4.1. Estatuto e funções

A acção pedagógico-didáctica exerce-se sempre com o recurso a instrumentos propiciadores da aquisição de novos conhecimentos. Estes recursos, em suportes de natureza variada (impressos, em registo áudio, vídeo ou multimédia), englobam os que são produzidos especificamente para uso em contexto escolar e os que, não tendo essa vocação inicial, são convocados pelo professor e sujeitos a uma recontextualizalção pedagógica. A sensata conjugação destes meios é a condição necessária para a optimização do processo de ensino-aprendizagem. Porém, dado os parcos recursos materiais postos à disposição de professores e alunos pela generalidade das escolas109, o sistema de funcionamento das bibliotecas escolares e dos seus centros de recursos pouco conciliáveis com o horário de funcionamento das disciplinas, a focalização nos conteúdos a apreender e a ainda fraca valorização da aquisição de competências de aprendizagem com progressiva autonomia pela prática da pesquisa regular em fontes variadas, tem-se perpetuado a hegemonia do manual escolar sobre os restantes recursos. Este relevância foi desde logo alimentada por normativos reguladores do sistema educativo. A Lei de Bases do Sistema Educativo contempla-os e, por decreto-lei110, os manuais escolares são de prescrição obrigatória pelo Conselho Pedagógico de cada escola, sob proposta dos conselhos de disciplina. Aí, o Artigo 2.º define manual escolar como:

109 Cf. Documento: “Critérios para a selecção de manuais escolares”, em anexo à Circular n.º 14/97 de 23

de Abril. de 1997. 110

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O instrumento de trabalho, impresso, estruturado e dirigido ao aluno, que visa contribuir para o desenvolvimento de capacidades, para a mudança de atitudes e para a aquisição dos conhecimentos propostos nos programas em vigor, apresentando a informação básica correspondente às rubricas programáticas, podendo ainda conter elementos para o desenvolvimento de actividades de aplicação e avaliação da aprendizagem efectuada.

Assim, por estarem dependentes de uma primeira instância reguladora (os Programas), os manuais escolares são textos regulados que apresentam uma interpretação e uma concretização dessas orientações. Por sua vez, ao se instituírem no espaço pedagógico, passam a exercer a função de textos reguladores (Castro, 1995: 69). A sua estruturação, o corpus textual (seleccionado – textos literários compilados e outros que os acompanham, e produzido – textos expositivo-explicativos e textos de instruções de tarefas da iniciativa dos autores dos manuais), as metodologias de trabalho propostas e as estratégias de construção de conhecimentos a activar, pré-configuram os utilizadores a que se destinam. Se, por um lado, o manual escolar é um meio de democratizar o saber, tornando-o acessível à generalidade dos jovens em formação, por outro, é um meio de aculturação de um saber particular autorizado e sancionado pela política educativa dominante. Daí o afirmar-se que ele detém uma função social única: representar para a comunidade o conhecimento e a cultura que em determinado momento histórico é valorado111. Deste modo, a acção do manual escolar não se restringe à sala de aula, alargando a sua influência a momentos e espaços exteriores: é utilizado pelo professor para programar e planificar a sua actividade lectiva ; é utilizado pelo aluno para a realização das tarefas prescritas para trabalho domiciliário (quer no âmbito da aquisição, da sistematização ou da aplicação de conhecimentos)112 ; e é um

111 Maria de Lourdes Dionísio (2000: 80) chama a atenção para o facto de a função social dos manuais

escolares não se restringir à geração em formação mas também “a cada geração de educadores (pais e professores) bem como a todos os membros de uma comunidade que, de uma forma ou de outra, se relacionem com a escola”.

112 Esta utilização por professores e alunos tem sido confirmada por diversos estudos, nomeadamente um

62 meio de referência de que os encarregados de educação ou outros dispõem para conhecer o que se ensina na escola.

Pelo corpus literário compilado, os manuais escolares para a disciplina de Português exercem a função de “loci de conformação do cânone” (Dionísio, 2000: 86), para cuja preservação detêm um papel relevante (Lopes, 1994: 415). Por meio destes e dos restantes textos que os acompanham, exibem um universo de referência linguístico- -cultural e, por meio das formas como levam o aluno a dele se apropriar, normativizam a forma do seu saber (os conhecimentos sobre o mundo), do seu ser (as atitudes e valores) e do seu saber-fazer (as competências).

Conhecer tanto as características do universo de referência aí propagado, como as formas como o conhecimento e as competências são operacionalizadas e a sua aquisição verificada, é estar na posse de informações que poderão ser aplicadas na optimização e eficácia do “principal suporte de transmissão e aquisição no contexto escolar” (Castro, 1995: 63). Porém, o manual escolar nunca deveria ser redutor ou ter pretensões “totalizadoras113”, mas sim um guia orientador e um instigador para a frequência pelo aluno de outras fontes em suportes de natureza variada. Esta função, para a qual propomos a denominação de função “incitadora114” de outras fontes, tem sido menosprezada, procurando o mercado editorial oferecer cada vez mais manuais do tipo “tudo-o-que-você-precisa-de-saber” para ter sucesso escolar, ou seja, são os manuais ditos “compósitos”/ “integrados”/ “enciclopédicos”. Mesmo Choppin (1999) parece neglicenciar essa função “incitadora” na sua enumeração das funções variadas que o manual deve desempenhar:

113 Cf. Mendes, 1997: 159.

114 Propomos esta designação por considerarmos que não basta indicar uma lista de fontes a consultar,

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Aujourd´hui, le manuel doit assumer des fonctions multiples. Il est devenu un outil «polyphonique» : il doit permettre d’évaluer l´acquisition des savoirs ; il doit livrer une documentation composite, empruntée à des supports variés ; il doit faciliter l’appropriation par les élèves d’un certain nombre de méthodes transférables à d ‘autres situations, à d’autres environnements. Compte tenu de l´hétérogénéité croissante des publics scolaires, il doit autoriser des lectures plurielles.

(p. 8)

Cabe também ao manual, quanto a nós, a função de fomento da prática de pesquisa em fontes variadas, pelo que há que despertar a curiosidade do aluno por outros suportes de informação, à luz do princípio da abertura do conhecimento.

4.2. A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen nos manuais escolares do 12.º