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3 O FENÔMENO DE EMISSÃO E DESPRENDIMENTO DE VÓRTICES

3.2 A ESTEIRA BIDIMENSIONAL LAMINAR

Como já descrito na seção anterior, o escoamento incompressível ao redor de um cilindro é simétrico e atinge um regime estacionário até Re49 (regimes L1 e L2). Após esse limiar, a região de recirculação experimenta uma instabilidade e em seguida nota-se que vórtices passam a serem emitidos da esteira próxima do corpo. Estes vórtices são originados nas camadas cisalhantes superior e inferior do cilindro e são emitidos de forma alternada. Passado um dado espaço de tempo, observa-se uma esteira de vórtices alternados, chamada de esteira de von Kármán. Após esta instabilidade o sistema não atinge mais um regime estacionário. Um exemplo de esteira de von Kármán para Re=100 está mostrado na Figura 3.11.

Figura 3.11 – Esteira laminar, Re=100. Extraído e adaptado de van Dyke (1982).

Podem-se observar três características marcantes:

a) Os vórtices não são emitidos do cilindro, mas se iniciam no final na esteira próxima;

Esta característica pode ser observada na Figura 3.11 e ainda mais claramente na Figura 3.12. A região de esteira próxima é também chamada de região de formação e a distância entre o centro do cilindro e o final desta região é denominada comprimento de formação. O fim da região de formação é onde fluido vindo de fora da esteira cruza o eixo da mesma e pode ser identificado por um máximo no valor RMS da velocidade na direção x, quando essas velocidades em diversos pontos ao longo da linha central da esteira são aferidas.

Figura 3.12 – Esteira laminar, Re=105. Extraído e adaptado de van Dyke (1982).

Um modelo bastante aceito para explicar o mecanismo conforme o qual os vórtices são emitidos é o proposto por Gerrard (1966). Segundo ele, fluido vindo de um dos lados da esteira cruza seu eixo pela ação da velocidade induzida pelo vórtice em crescimento do outro lado da esteira. A Figura 3.13 ilustra esquematicamente este mecanismo através da representação das camadas cisalhantes e dos caminhos possíveis para o fluido vindo da parte inferior da esteira. Um vórtice cresce devido à circulação fornecida pela camada cisalhante à qual ele está conectado. Em certo instante, o vórtice que está crescendo torna-se suficientemente intenso para atrair a

camada cisalhante oposta. Parte do fluido vinda dessa camada se junta ao vórtice em crescimento (a), outra parte se dirige à camada cisalhante (b) e uma última porção adentra novamente na região de formação (c).

Figura 3.13 – Modelo do mecanismo de formação da esteira de vórtices, segundo Gerrard (1966). Extraído de Meneghini (2002).

A parcela do escoamento que segue o caminho a possui vorticidade de sinal contrário àquela do vórtice em crescimento, colaborando assim para a diminuição da circulação deste último. A parcela que segue o caminho b atinge a camada cisalhante oposta, que também tem circulação contrária, rompendo-a e desprendendo o vórtice. Por fim, a porção de fluido que segue a trajetória c contribui para a formação do vórtice seguinte.

Seguindo o modelo apresentado, conclui-se que o comprimento de formação é determinado pelo balanço entre as porções de fluido que seguem os caminhos b e c. O escoamento no caminho b é governado principalmente pela energia cinética da camada cisalhante. Com o aumento de Re, aumenta a energia e a circulação carregada pelo escoamento b que, dessa forma, rompe mais facilmente a camada cisalhante oposta. Com essa ruptura acontecendo mais rapidamente, a circulação total carregada pelo escoamento c num ciclo diminui e como resultado final, a região de formação é reduzida na medida em que se aumenta o Re.

De acordo com o mecanismo de formação e desprendimento dos vórtices descrito, podem ser identificados dois fatores determinantes da freqüência de emissão. O primeiro deles diz respeito à proximidade das camadas cisalhantes com circulações opostas. Quanto mais próximas, mais fácil a interação e, portanto, o período de emissão é encurtado. O segundo é a intensidade da circulação na camada

cisalhante quando se dá esta interação. Quanto maior a circulação, mais facilmente a camada oposta será rompida, resultando numa maior freqüência de St.

b) Os vórtices sofrem difusão à medida que são convectados para jusante;

Em visualizações do escoamento, costuma-se verificar que, depois de desprendidos, os vórtices continuam a se enrolar até atingirem um certo padrão que permanece congelado. Esta observação pode levar a uma conclusão errada, de que não há difusão da vorticidade ao longo da esteira. Esse fenômeno foi analisado em detalhe por Cimbala; Nagib; Roshko (1988), onde se conclui que a fumaça representa um padrão integrado ao longo do caminho percorrido, pois a difusão da fumaça é muito menor do que a difusão de vorticidade. Este argumento é suportado por medições com anemômetros de fio quente e por visualizações com o emissor de fumaça colocado em diferentes posições da esteira, como ilustrado na Figura 3.14. A Figura 3.15 traz o comprimento do centro do até o ponto onde a presença da esteira pode ser percebida, em função de Re.

Figura 3.14 – Visualização da esteira com colocação do emissor de fumaça em várias posições da esteira, Re=90. Reproduzido de Cimbala; Nagib; Roshko (1988).

Figura 3.15 - Comprimento da esteira em função de Reynolds. Reproduzido de Honji (1986).

c) O alargamento da esteira acontece pela entrada de fluido pelas laterais, onde o escoamento é irrotacional.

Este fluxo pode ser observado na Figura 3.16. Nela, vê-se uma linha de emissão fumaça deslocada lateralmente do cilindro. Observa-se que parte do fluido encontrado nessa região adentra a esteira, devido à baixa pressão induzida pelos vórtices.

Figura 3.16 – Entrada de fluido pela lateral da esteira laminar, Re=100. Extraído e adaptado de van Dyke (1982).

O escoamento no regime L3 para um cilindro de comprimento infinito é fundamentalmente laminar e bidimensional. Entretanto, de acordo com as condições nas extremidades de um cilindro finito, acontece a emissão oblíqua de vórtices, onde se observa uma inclinação do tubo de vórtices emitido em relação ao eixo do cilindro. A emissão paralela é conseguida através de diversos métodos, como o uso de placas inclinadas nas extremidades (Williamson, 1989), uso de cilindros com diâmetro maior nas extremidades (Eisenlohr; Eckelmann, 1989), uso de cilindros colocados transversalmente próximos à extremidade (Hammache; Gharib, 1989) ou introdução de sucção (Miller; Williamson, 1994). Na Figura 3.17, observa-se a

comparação entre casos de emissão paralela e oblíqua, para o mesmo Re. O escoamento é de baixo para cima e o eixo do cilindro é paralelo ao plano da imagem. Note a presença de placas planas inclinadas na extremidade do cilindro no caso de emissão paralela.

Figura 3.17 – Vista das estruturas tridimensionais do escoamento laminar (a) Emissão oblíqua, do tipo “chevron”, Re=85; (b) Emissão paralela, Re=110. Reproduzido de Williamson (1989).

Um outro fenômeno interessante que acontece no regime L3 é a formação de uma esteira secundária numa região distante do cilindro. Ela aparece somente quando a emissão de vórtices é do tipo oblíqua, surgindo numa região onde a esteira primária já está praticamente inteiramente difundida e dando origem a uma curiosa estrutura tridimensional, como observado na Figura 3.18. A causa do aparecimento desta estrutura é uma instabilidade hidrodinâmica, resultante da interação entre as ondas de emissão oblíquas vindas de montante e ondas bidimensionais de grande escala na esteira distante (Williamson; Prasad, 1993a). Estas ondas bidimensionais são disparadas por perturbações da corrente livre (Williamson; Prasad, 1993b,c).

Figura 3.18 – Visualização da esteira secundária no plano xy (parte superior) e no plano yz (parte inferior), Re=140. A graduação presente no gráfico se refere à posição x/D. Extraído e

adaptado de Cimbala; Nagib; Roshko (1988).