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Regimes de escoamento e transições

3 O FENÔMENO DE EMISSÃO E DESPRENDIMENTO DE VÓRTICES

3.1 C ARACTERÍSTICAS GERAIS DO ESCOAMENTO AO REDOR DE UM CILINDRO

3.1.2 Regimes de escoamento e transições

O parâmetro governante do escoamento incompressível ao redor de um corpo cilíndrico é o número de Reynolds, Re, definido pela razão:

Re ρU D

μ∞

=

onde ρ é a densidade do fluido, U∞ é a velocidade do escoamento incidente ao longe,

D é o diâmetro do cilindro e μ é a viscosidade dinâmica do fluido. Com o aumento de Re, o escoamento passa por sucessivas transições em diferentes regiões do escoamento perturbado. A Figura 3.2 mostra esquematicamente as transições que ocorrem em três regiões: esteira (TrW), camadas cisalhantes (TrSL) e camadas limite (TrBL).

Cada transição é sensível a pequenas perturbações de várias espécies. Estas perturbações podem fazer com que as transições se iniciem em um Re menor e muitas vezes podem modificar significativamente as estruturas resultantes. Isto significa que Re é o único parâmetro governante apenas se as perturbações forem inexistentes ou realmente desprezíveis.

A primeira transição TrW esboçada na Figura 3.2 (a) ocorre na esteira para Re2.10². A turbulência gradualmente se desenvolve na região próxima ao cilindro e se espalha ao longo da esteira, mas as camadas cisalhantes que limitam a região de esteira próxima permanecem laminares.

A segunda transição TrSL na Figura 3.2 (b) acontece nas camadas cisalhantes. O foco de transição se move ao longo dessas camadas na direção do ponto de separação, afetando o comprimento e a largura da esteira próxima.

Figura 3.2 – Transições nas regiões perturbadas: (a) TrW, (b) TrSL, (c) TrBL (BL = camada limite, L = laminar, T = turbulento, Tr = Transição, S = separação). Extraído de Zdravkovich

(1997).

A terceira transição atinge as camadas limite no ponto de separação, como ilustrado na Figura 3.2 (c). É esta a transição responsável pela crise do arrasto, que é uma diminuição súbita do arrasto que acontece no escoamento ao redor de cilindros com Re105. A transição prossegue até que a camada limite seja completamente

turbulenta antes do ponto de separação.

Os focos de transição nas camadas limite continuam a se mover em direção ao ponto de estagnação com o aumento de Re, conforme esquematizado na Figura 3.2 (d). No limite superior da TrBL, a transição atingiria a região retardada e este é o final da terceira e última transição, dado que todas as regiões do escoamento são completamente turbulentas.

Discorrer-se-á agora sobre os regimes de escoamento delimitados pelas transições acima mencionadas. Tendo em mente que é impossível isolar totalmente um experimento de perturbações, ao se verificar os Re críticos reportados na literatura encontra-se uma variação significativa, pois os experimentos realizados são diferentes em cada caso. Assim, as fronteiras de cada regime serão dadas em faixas de Re.

O estado do escoamento pode ser completamente laminar L, qualquer uma das três transições TrW, TrSL, e TrBL, ou completamente turbulento T. E cada estado deste pode ser novamente dividido em subclasses de acordo com variações na estrutura do escoamento. Cada um desses estados será analisado agora:

Este regime pode ser subdividido em outros três estados:

L1: escoamento altamente viscoso sem separação (creeping flow): 0 < Re < 4 a 5

L2: separação com recirculação estacionária: 4 a 5 < Re < 30 a 48 L3: regime laminar periódico: 30 a 48 < Re < 180 a 200

No escoamento altamente viscoso as camadas limite não se separam da superfície do cilindro em nenhum ponto, como pode-se observar na Figura 3.3. O regime é estacionário e não há a formação de uma esteira visível.

Figura 3.3 – Escoamento ao redor de cilindro sem separação. Extraído de van Dyke (1982).

A separação se inicia em Re = 4 a 5, quando bolhas de recirculação estacionárias e simétricas são formadas, como se pode observar na Figura 3.4. As camadas cisalhantes livres se encontram na extremidade jusante desta bolha, no chamado ponto de confluência. A velocidade reversa ao longo do eixo de simetria é usualmente uma ordem de magnitude menor do que a velocidade ao longe U∞.

As bolhas de recirculação se alongam com o aumento de Re e a esteira acaba por ficar instável para Re=30 a 48. A partir daí, uma oscilação harmônica pode ser observada ao longe, conforme observado na Figura 3.5 (a). A amplitude dessa oscilação aumenta com Re e para valores maiores que 45-65 as camadas cisalhantes se enrolam formando cristas e vales como visto na Figura 3.5 (b). Ao final deste

estado, uma carreira de vórtices laminares pode ser observada (Figura 3.5 (c)). Esta esteira de vórtices é chamada esteira de von Kármán ou esteira de Kármán-Bénard.

Figura 3.4 – Escoamento ao redor de um cilindro, Re=26. Extraída de van Dyke (1982).

Figura 3.5 – Regime laminar periódico – (a) Re=54 (b) Re=65 (c) Re=102. Extraído e adaptado de Zdravkovich (1997).

b) Transição na esteira TrW

Elevando-se Re até aproximadamente 180, a esteira deixa de ser bidimensional e começa a apresentar sinais de turbulência. Este é o regime mais profundamente investigado neste trabalho. Fenômenos como deslocamentos de vórtices e as transições para os chamados modos tridimensionais A e B acontecem,

afetando também a organização da esteira bidimensional. Esses fenômenos e transições, responsáveis por uma descontinuidade observada na curva St × Re, são detalhados na seção 3.3. Na Figura 3.6, podem ser observadas imagens de esteiras transicionais. Note que para Re mais baixos a posição onde ocorre a transição está localizada mais a jusante e com o aumento de Re este ponto se aproxima do cilindro.

Figura 3.6 – Transição na esteira. (a) Re=190 (b) Re=340. Extraído e adaptado de Zdravkovich (1997).

c) Transição nas camadas cisalhantes TrSL

A segunda transição acontece ao longo das camadas cisalhantes livres enquanto as camadas limite permanecem totalmente laminares. Este regime é freqüentemente chamado na literatura de regime subcrítico, sendo o regime mais comumente investigado em trabalhos experimentais. Esta transição pode ser dividida em três fases:

TrSL1: desenvolvimento de ondas de transição: 350-400 < Re < 10³-2.10³ TrSL2: formação de turbilhões de transição: 10³-2.10³ < Re < 2.104-4.104 TrSL3: mudança rápida para turbulência: 2.104-4.104 < Re < 1.105-2.105

As ondas de turbulência aparecem como flutuações das camadas cisalhantes na Figura 3.7 (a). Com o aumento de Re essas ondas se enrolam em turbilhões, como observado na Figura 3.7 (b). Finalmente uma mudança repentina para a turbulência ocorre nas camadas cisalhantes próximo à superfície do cilindro e a formação dos turbilhões acaba por acontecer perto da face jusante do cilindro, Figura 3.7 (c).

Figura 3.7 – Transição nas camadas cisalhantes (a) Re=2000 (b) Re=8000 (c) Re=1,1x105.

Extraído e adaptado de Zdravkovich (1997).

d) Transição nas camadas limite TrBL

Esta transição já foi objeto de investigação de muitos estudos, principalmente porque é nela que ocorre uma repentina redução do arrasto, conhecida por crise do arrasto. A TrBL pode ser dividida em cinco fases:

TrBL0: regime pré-crítico: 1.105-2.105 < Re < 3.105-3,4.105

TrBL1: regime de uma bolha: 3.105-3,4.105 < Re < 3,8.105-4.105 TrBL2: regime de duas bolhas: 3,8.105-4.105 < Re < 5.105-1.106 TrBL3: regime supercrítico: 5.105-1.106 < Re < 3,5.106-6.106 TrBL4: regime pós-crítico: 3,5.106-6.106 < Re < não conhecido

O regime pré-crítico é caracterizado por focos de turbulência nas linhas de separação, advindos das camadas cisalhantes. A tridimensionalidade inerente do início da transição perturba fortemente a esteira próxima e faz com que os vórtices se formem numa região mais distante do cilindro. Isto resulta numa diminuição inicial do arrasto, enquanto que a emissão de vórtices continua clara.

O regime TrBL0 termina abruptamente em um certo Re com uma queda descontínua do arrasto e um salto no número de Strouhal (para a definição de número

de Strouhal ver seção 3.1.4). Neste estado, se observa uma distribuição assimétrica de pressão na superfície do cilindro, pois a camada cisalhante de um lado do cilindro tem energia cinética turbulenta suficiente para aderir novamente na superfície do corpo. Esta fina e fechada região separada é chamada de bolha. A separação turbulenta é consideravelmente adiada, tornando a esteira mais fina.

O regime assimétrico de uma bolha, TrBL1, se encerra em um Re maior, quando uma outra queda descontínua no arrasto e um outro salto em St são observados, devido à formação de uma outra bolha, no outro lado do cilindro. O regime simétrico de duas bolhas, TrBL2, representa uma combinação intrincada de separação laminar, transição, re-aderência e separação turbulenta das camadas limite em ambos os lados do cilindro. Os regimes TrBL1 e TrBL2 são bastante sensíveis a perturbações e podem ser eliminados por rugosidade e/ou turbulência na corrente livre suficientemente elevados.

Um aumento subseqüente de Re causa a transição na linha de separação laminar primária de uma maneira irregular. Desse modo, as bolhas ficam fragmentadas ao longo do eixo do cilindro e a emissão periódica de vórtices desaparece. É o chamado regime supercrítico.

Os vórtices periódicos reaparecem para um Re ainda mais alto, quando as camadas limite são turbulentas antes da separação. Este regime é chamado de pós- crítico (ou transcrítico) e é caracterizado pelo fato da transição nas camadas limite estar localizada em algum ponto entre as linhas de estagnação e separação. Com o aumento de Re, este ponto avança assintoticamente em direção à linha de estagnação e por isso o limite superior de TrBL4 é difícil de definir.

e) Escoamento completamente turbulento T

Este estado é atingido quanto todas as regiões de escoamento perturbado são turbulentas. O Re de início deste regime não é conhecido e o seu final teórico é Re → ∞, sendo este regime o último estado de escoamento. Espera-se que, com o escoamento no regime T, o arrasto e o número de Strouhal associados sejam invariantes, dado que os parâmetros de influência sejam mantidos suficientemente pequenos. No entanto, isto é difícil de se conseguir, porque efeitos de

compressibilidade no ar e cavitação na água passam a serem importantes num escoamento de Re tão alto.