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3 O FENÔMENO DE EMISSÃO E DESPRENDIMENTO DE VÓRTICES

3.3 A TRANSIÇÃO NA ESTEIRA

A transição na esteira está associada com duas descontinuidades no processo de geração e emissão dos vórtices à medida que Re é aumentado. Estas descontinuidades manifestam-se nas curvas St × Re (Figura 3.19) e na curva Cpb × Re (Figura 3.20).

Figura 3.19 – Curva St × Re para os regimes laminares e faixa de transição na esteira.

Figura 3.20 – Curva Cpb× Re para os regimes laminares e faixa de transição na esteira.

Reproduzido e adaptado de Williamson (1996a).

Após a primeira descontinuidade, que acontece para Re=180 a 194, dependendo das condições experimentais, percebe-se que os tubos de vórtices primários se deformam formando laços, levando à formação de pares de vórtices com vorticidade no plano x-y, na direção do escoamento principal. Esses pares de vórtices podem ser observados na Figura 3.21, e tem comprimento de periodicidade na direção do eixo entre 3 e 4 diâmetros. O processo de geração desses laços é auto- sustentável, devido à indução do tipo Biot-Savart de um laço para o próximo, e ocasiona uma seqüência de laços numa mesma altura em relação ao eixo do cilindro (Williamson, 1996c). Esta primeira descontinuidade apresenta histerese o modo de emissão resultante é conhecido na literatura como modo A (Williamson, 1988b). O comportamento histerético pode ser observado na Figura 3.22, onde dois espectros de velocidade são possíveis de serem obtidos, dependendo se o Re em questão é alcançado aumentando-se ou diminuindo-se a velocidade. Tanto este comportamento histerético quanto o fato da curva St × Re passar para um nível mais baixo não se devem puramente à mudança de regime de escoamento para o modo A, mas sim para a coexistência desse modo de emissão com os deslocamentos de vórtices. Esta

afirmação será detalhada mais adiante, nesta mesma seção, após uma explanação do que vêm a ser deslocamentos de vórtices.

O modo A se origina de uma instabilidade elíptica nos núcleos dos vórtices primários da esteira próxima. O crescimento não-linear subseqüente de um laço de vórtice acontece por ação do laço anterior, envolvendo portanto uma deformação periódica na direção do eixo do tubo de vorticidade principal. Essa interação entre um laço e outro pode ser observada na Figura 3.23.

Figura 3.21 – Visualizações do escoamento, modos A (esquerda) e B (direita). Reproduzido de Williamson (1996a).

Figura 3.22 – Espectro de velocidade para Re=172,8, mostrando o comportamento histerético do modo A. Reproduzido de Williamson (1996a).

Figura 3.23 – Visualização do processo de formação dos laços de vórtices característicos do modo A. As fotografias são seqüenciais e o laço marcado com o círculo preto é observado em

diversos instantes de tempo. Reproduzido de Williamson (1996c).

Por sua vez, o regime posterior à segunda descontinuidade na curva St × Re denota a transferência gradual de energia do modo A para o chamado modo B, na faixa de Re que vai de 230 a 250. Esta transferência pode ser notada na Figura 3.24, onde aparecem espectros com dois picos. O pico de freqüência menor corresponde ao modo A e gradualmente diminui de intensidade, dando lugar a um pico de freqüência mais alta, correspondente ao modo B, à medida que Re aumenta. A existência desses dois picos é devido a um revezamento intermitente entre os dois modos, e não à existência simultânea deles (Williamson, 1996c). O modo B consiste em pares de vórtices de menor escala alinhados com a corrente, com comprimento periódico na direção do eixo igual a aproximadamente 1 diâmetro e notavelmente mais uniformes ao longo do eixo do que as estruturas características do modo A. Uma visualização do escoamento neste modo pode ser encontrada na Figura 3.21. Esta segunda

descontinuidade não apresenta histerese. O modo B tem sua origem nas camadas cisalhantes livres e é uma manifestação de instabilidade em uma região de escoamento hiperbólico.

Figura 3.24 – Espectros de velocidade na faixa de transição entre os modos A e B. Reproduzido de Williamson (1996a).

Estudos da estabilidade do escoamento ao redor de um cilindro (Henderson, 1997 e Barkley; Henderson, 1996) mostram que as transições para os modos A e B podem ser entendidos como bifurcações subcrítica e supercrítica respectivamente. A Figura 3.25 traz as curvas de estabilidade neutra produzidas por estes estudos, relacionando o número de Reynolds com o comprimento de onda das instabilidades calculado (λ). Esses trabalhos também resultaram no cálculo dos Re críticos para a transição de ambos os modos, com o respectivo comprimento de onda da instabilidade inicial. Para o modo A, a transição ocorre para Re=188,5±1,0 e o comprimento de onda relacionado λ é de 3,96±0,02D. Já para o modo B, esses valores são Re=259 e λ=0,822. As curvas de estabilidade neutra podem ser utilizadas em simulações numéricas para a escolha de um comprimento para o cilindro

simulado. Conjugadas com condições de contorno periódicas, os cálculos computacionais feitos com os comprimentos dados pelas curvas isolam a instabilidade de interesse, viabilizando um estudo mais focado do fenômeno físico.

Figura 3.25 – Curvas de estabilidade neutra dos modos A e B. Reproduzido de Henderson (1997).

São observados tipos de simetrias distintas para os modos A e B. Dada uma certa seção perpendicular ao eixo do cilindro, no modo A as camadas cisalhantes opostas têm vorticidades na direção do escoamento com sinais opostos. Já no modo B, as camadas cisalhantes opostas têm vorticidades na direção do escoamento com sinais iguais. A disposição dos vórtices em cada modo pode ser observada na Figura 3.26.

Figura 3.26 – Diferentes simetrias dos modos A e B. Reproduzido e adaptado de Williamson (1996c).

Além desses dois modos de emissão, durante a transição na esteira são observadas grandes flutuações nos sinais de velocidade, intermitentes e de baixa freqüência. Essas flutuações acontecem devido à presença do que se costuma chamar na literatura de deslocamentos de vórtices (Williamson, 1992), os quais são elementos fundamentais na transição natural de uma esteira num escoamento com separação. Esses deslocamentos são formados entre células vizinhas na direção do eixo, de freqüências distintas, quando os vórtices primários movem-se com uma diferença de fase relativa. Essa diferença é causada por defeitos locais que aparecem naturalmente de forma intermitente em determinados tubos de vórtices. Esses defeitos também podem ser induzidos, utilizando-se, por exemplo, anéis no meio do cilindro. Naturalmente, os deslocamentos são gerados em alguns sítios de formação de laços de vórtices, típicos do modo A. Esses pequenos defeitos são amplificados, levando à formação de grandes estruturas na esteira que são convectadas para jusante, gerando grandes distorções nas visualizações da esteira distante e contribuindo para o aparecimento de focos de turbulência nessa região. A Figura 3.27 traz visualizações de escoamentos onde ocorrem deslocamentos forçados e naturais. Nela podem ser observadas características importantes deste fenômeno, tais como escala e evolução a jusante. Os deslocamentos de vórtices também podem ser identificados através de séries temporais de velocidade num dado ponto da esteira. A passagem dessas estruturas faz com que apareçam falhas no sinal harmônico normalmente observado, como ilustra a Figura 3.28.

Figura 3.27 – Deslocamentos de vórtices: forçado (esquerda) e natural (direita). Reproduzido de Williamson (1992).

Figura 3.28 – Visualização e medição de velocidade com anemômetro de fio quente simultâneas do escoamento ao redor de um cilindro com deslocamento de vórtices. Reproduzido e adaptado

de Williamson (1992).

Os modos de pequena escala e os deslocamentos de grande escala são mostrados juntos no diagrama esquemático da Figura 3.29, que mostra as instabilidades envolvidas na rota para a turbulência na esteira. As tendências de St e Cpb em relação ao aumento de Re continuam a ser crescentes, mas seguem curvas num nível mais baixo do que se fossem extrapoladas das curvas do regime de emissão laminar, como se pode notar na Figura 3.19 e na Figura 3.20.

Estando comentados os modos de pequena escala e os deslocamentos, falta elucidar melhor a questão da seqüência de modos seguida na transição da esteira. De acordo com o exposto na Figura 3.30, vê-se que existem modos instáveis ou transientes, representados pelas linhas tracejadas. Esses estados podem ocorrer no início de simulações ou experimentos, mas tendem a evoluir com um tempo para estados mais estáveis, representados por linhas cheias. Quando o número de Reynolds ultrapassa o primeiro ponto crítico para tridimensionalidades, o escoamento pode seguir uma transição suave, que corresponde ao aparecimento do modo A somente, sem a presença de deslocamentos. Após certo tempo, com o desenvolvimento dos deslocamentos em alguns sítios de enlaçamento de vórtices intrínsecos do modo A, o escoamento reverte para o estado chamado de A*, que

corresponde a uma combinação de estruturas do modo A e deslocamentos de vórtices. Por volta de Re=230-250, há períodos intermitentes onde estruturas características do modo B predominam ao longo do eixo, fazendo com que a curva de St se desloque para um patamar mais alto (B), e períodos onde predominam estruturas do modo A com deslocamentos, levando o St a valores mais baixos (A*). Acima de Re=250, o escoamento permanece no modo B, sem deslocamentos, a não ser que estes sejam artificialmente introduzidos (Prasad; Williamson, 1997a), caso este em que a curva encontrada para St é aquela chamada B*. Esta curva é uma extensão contínua da curva A*.

Figura 3.30 – Estados instáveis e estáveis na transição da esteira no escoamento ao redor de um cilindro. Reproduzido de Williamson (1996c).

Em suma, há duas curvas distintas de St em função de Re na Figura 3.30: a superior corresponde à presença de instabilidades de pequena escala exclusivamente e a inferior corresponde à combinação dessas instabilidades de pequena escala com deslocamentos de vórtices. O caminho natural para a transição na esteira de um cilindro infinito passa de um estado para outro, na seqüência 2D→A→A*→B. Este caminho pode ser reproduzido em experimentos com cilindros finitos se métodos não mecânicos forem utilizados para induzir emissão paralela de vórtices, como por exemplo o descrito em Miller; Williamson (1994). Os métodos mecânicos, como por exemplo o uso de placas inclinadas, criam por si só deslocamentos de vórtices e dessa forma o escoamento não se estabiliza no modo A puro, mudando diretamente para o modo A*.

3.4 O escoamento ao redor de pares de cilindros