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Os estereótipos de gênero exercem muitas influências na vida das pessoas, muito mais

do que se possa imaginar. No caso da escolha profissional, normalmente se espera que as mulheres optem por áreas ligadas à atividade social, educacional e cultural, enquanto que os homens devem direcionar-se para áreas tecnológicas ou relacionadas com as ciências exatas.

Alguns estudiosos (SUPER, 1976; NEGRI, 1998) chegaram a supor que estudantes universitários homens e mulheres que optassem por cursos de graduação sexo-tipificados como masculinos apresentariam um grau de masculinidade superior; enquanto que mulheres e homens que escolhessem cursos sexo-tipificados como femininos apresentariam um grau de feminilidade significativamente maior que o restante dos estudantes. Esta hipótese não se confirmou, por exemplo, na realização de uma pesquisa feita por Negri (1998) com estudantes universitários do Rio de Janeiro.

Para operacionalizar a sexo-tipificação dos cursos de graduação, a autora distribuiu, a estudantes universitários, uma lista contendo os nomes de muitos cursos, sendo-lhes solicitado que classificassem cada curso em "masculino", "feminino" ou "neutro". Após este levantamento, ela pesquisou 224 alunos no total de três cursos considerados como mais femininos (Letras, Pedagogia e Serviço Social) e de três cursos considerados como mais masculinos (Engenharia Civil, Engenharia Elétrica e Física). A idade dos participantes variou entre 18 a 52 anos (média de 24,72), sendo 161 mulheres e 63 homens. Após a aplicação do Questionário de Atributos Pessoais (PAQ) de Spence, Helmreich e Stapp, a autora constatou

que os indivíduos que haviam optado por profissões sexo-tipificadas como masculinas apresentaram um grau de masculinidade significativamente maior que aqueles que optaram por profissões sexo-tipificadas como femininas. Por outro lado, ela não encontrou diferenças significativas nos resultados de feminilidade dos sujeitos que optaram por cursos sexo- tipificados como femininos. Negri (1998) concluiu que as características de personalidade femininas não parecem estar muito associadas aos estereótipos ocupacionais que definem culturalmente as "profissões de mulher", reconhecendo que é necessário haver novos estudos na área para se afirmar com maior convicção esta posição.

Nesse sentido, Strey (2004) postula que homens e mulheres não diferem apenas no trabalho que fazem ou na quantidade de poder que exercem nas duas funções. Socialmente os gêneros parecem diferenciar-se na personalidade básica, nos estilos, nas capacidades cognitivas, na motivação e nos outros traços. Estas diferenças, muitas vezes, decorrem mais da percepção dos membros da sociedade, do que dos seus próprios comportamentos.

A questão do poder nas funções exercidas em âmbito escolar é um fator que chama a atenção quando se constata que, apesar de serem poucos os homens que optam pela carreira do magistério, muitos acabam assumindo funções de gestão ou de administração escolar. Além de socialmente ter um status maior que a docência, a função administrativa garante um certo poder àquele que a desempenha.

Um estudo realizado por Vieira (2003), sobre as experiências de homens que fizeram carreiras no magistério público do Estado de São Paulo entre as décadas de 1950 e 1980, revelou que boa parte deles exerceu funções administrativas. A autora relata que, ao oferecer- lhes a oportunidade de falarem sobre as experiências que tiveram em cada uma das funções exercidas, desde a docência até os últimos cargos administrativos assumidos, procurou-se identificar as suas representações sobre o magistério e sobre si mesmos enquanto profissionais. Os dados da pesquisa indicaram que, subjacente à busca pelos cargos administrativos, por parte dos profissionais do gênero masculino, encontram-se representações persistentes sobre o que significa ser homem na nossa sociedade. Conforme a autora, os participantes demonstraram, mesmo de forma inconsciente, um forte desejo de afirmação da masculinidade, sobretudo pelo fato de, no magistério, os homens se perceberem atuando numa profissão considerada socialmente como feminina.

Vieira (2003) conclui que o trabalho administrativo exerceu um interesse que não se explica apenas pela busca da melhoria salarial, mas talvez pelas chances de pertencer a uma esfera de poder, esfera cujo exercício, muitas vezes, favoreceu as barganhas políticas e

ofereceu a oportunidade de esses homens se perceberem como participantes da masculinidade hegemônica.

Louro (1997) destaca que outro fator que pode contribuir para que os homens professores optem pelas funções administrativas diz respeito às representações sociais de que os homens são menos sentimentais que as mulheres, tendo, portanto, maior autoridade para exercer o controle e problemas de indisciplina. Ao indicá-los para uma função administrativa, a comunidade escolar espera que estes homens exerçam o controle necessário em relação ao comportamento dos alunos, bem como no comportamento dos demais envolvidos no processo educativo.

Interessante notar é que tenho observado em turmas de cursos universitários sexo- tipificados como femininos, como o curso de Pedagogia, por exemplo, ao se fazer a escolha dos líderes de turmas, o público feminino, que é a grande maioria, costuma indicar os poucos homens que fazem parte do grupo, revelando como são fortes as representações sociais de que os homens são mais aptos para assumir funções de liderança.

Vale ressaltar que, quando homens ou mulheres optam por profissões sexo-tipificadas como se fossem mais adequadas para o gênero oposto, torna-se mais difícil desempenhar o trabalho por ter que provar constantemente que se tem condições de desenvolver com competência as tarefas inerentes à profissão. É o caso de mulheres que assumem funções administrativas nos diversos seguimentos da sociedade e que devem provar que são tão eficientes quanto os homens. Acontece de, muitas vezes, serem até mais competentes do que eles, porém o referencial de aceitação como desempenho adequado é o modelo masculino.

Cabe então, novamente, perguntar: – No caso dos homens que atuam na área da educação sem exercer a função administrativa, como se sentem desempenhando uma função reconhecida como feminina, como é o caso da atuação em níveis de ensino em que os alunos são crianças?

Este foi o propósito de Abreu (2003), que, ao pesquisar os homens que atuaram como docentes no magistério primário em Teresina (PI) no período de 1960 a 2000, buscou compreender os fatores que motivaram, dificultaram ou facilitaram a opção e o ingresso destes professores na docência do ensino primário. Os dados indicaram que os homens encontraram dificuldades em trabalhar com crianças e que a opção por este nível de ensino, na maioria dos casos, era uma forma de se inserir na área da educação para poder gradativamente evoluir na carreira profissional. O autor constatou que os homens professores que superaram as barreiras culturais e se inseriram no magistério primário passaram a se identificar com o

trabalho docente e demonstravam interesse em permanecer na área da educação trabalhando com turmas de adolescentes ou de adultos.

Outro estudo sobre a inserção de homens no magistério foi realizado por Oliveira (2002). Ele se preocupou em interpretar os motivos, e as respectivas identidades, que levaram estes homens a serem profissionais da educação. Após fazer um levantamento de todos os professores pertencentes ao gênero masculino da rede municipal de ensino de Canguçu (RS), a autora selecionou três desses professores, os quais se encontravam na ativa, desenvolvendo estudos por meio das suas histórias de vida. Os percursos de vida percorridos pelos três professores mostraram-se vinculados à experiência individual de cada um na busca da formação docente, bem como à organização do sistema municipal de ensino no período correspondente aos anos de 1970 a 2000. A análise das entrevistas evidenciou que a escolha pelo magistério foi motivada pela relação dos entrevistados com a comunidade a que cada um pertencia, localizada em três distritos diferentes do município. Através das narrativas realizadas com os três professores pesquisados, a autora constatou que a reflexão sobre a prática possibilitou que os docentes construíssem a sua identidade e buscassem o significado de ser professor, ultrapassando as representações de gênero presentes na sociedade.

Podemos notar que, embora os estudos sobre a presença de homens no magistério não sejam considerados expressivos, os já existentes evidenciam que muitos homens procuram desempenhar funções administrativas (VIEIRA, 2003), não se identificam com o trabalho voltado ao público infantil (ABREU, 2003), mas conseguem atribuir significado à profissão docente a partir da sua prática reflexiva (OLIVEIRA, 2002). É oportuno, portanto, um estudo voltado aos homens que foram bem-sucedidos na área da educação e que, possivelmente, devem encontrar-se em situação de bem-estar docente.

Diante deste contexto, uma vez que foi realizada uma análise teórica sobre as questões de gênero e a sua relação com a educação, cabe agora refletir sobre o bem-estar humano segundo a perspectiva da Psicologia e a sua relação com a educação, para, em seguida, analisar as questões inerentes ao bem-estar das/os professoras/es.

2.2 O BEM-ESTAR SEGUNDO A PERSPECTIVA PSICOLÓGICA E SUA RELAÇÃO