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De acordo com Trindade (2005), durante muitas décadas, as questões de gênero foram pensadas somente em relação às causas femininas, devido às necessidades da época, sendo deixada de lado a busca de conhecimento relacionada às condições masculinas. A justa preocupação com as condições femininas possibilitou o surgimento de espaços privilegiados para as mulheres como inspiradoras de problemas de pesquisa, obscurecendo a especificidade da imagem masculina. Como conseqüência, na atualidade é possível ser encontrado um vasto material sobre feminilidade, enquanto que, sobre a masculinidade, quase não se têm produções científicas.

Os estudos sobre masculinidade, segundo a referida autora, têm como um dos principais precursores o sociólogo Connell (1987), que, tendo posições pró-feministas, defende que é preciso investir na produção de conhecimento sobre masculinidade, também como ferramenta que permitirá criar melhores condições para enfrentar as injustiças que permeiam as relações de gênero.

Para Coelho e Carloto (2007), os estudos sobre masculinidade são considerados recentes, visto que surgiram com maior intensidade a partir da década de 1990, devido a alguns interesses, como, por exemplo, as agências financiadoras nacionais e internacionais que objetivavam ter um maior conhecimento sobre os homens para melhor direcionar as práticas de controle de natalidade em países em desenvolvimento. Ou seja, os homens passaram a ser vistos como objeto de estudo devido às preocupações com questões de saúde, questões que, até então, era focalizadas apenas no público feminino.

Desta forma, podemos afirmar que pesquisar a questão da masculinidade tem por pressuposto a reflexão e a redefinição dos papéis de gênero e sexuais. Implica refletir sobre a forma como o gênero tem configurado nítidas diferenças relacionadas à maneira como homens e mulheres devem encarar as questões de saúde sexual e reprodutiva. Segundo Santos (2007), isto requer o desenvolvimento de uma lógica que considere o cuidado com o corpo também uma responsabilidade masculina, compreendendo que o cuidado consigo mesmo e com o outro é, ao mesmo tempo, um direito e um dever de todas as pessoas, inclusive do público masculino.

Santos (2007), ao comentar sobre os estudos recentes de masculinidade, afirma que a maior preocupação tem se voltado para a compreensão de como se constroem socialmente as representações sobre o masculino. Reconhece que, do ponto de vista social e político, não existe uma ideologia masculina linear e semelhante em todo o mundo, já que existe uma

variedade etnográfica e cultural muito grande que resulta em vários tipos de ideologias masculinas.

Diante deste contexto, o autor enfatiza que, na atualidade, os estudos sobre a condição masculina tratam não da masculinidade no singular, mas sim de “masculinidades”, no plural.

Falar em masculinidade no singular sugere a idéia de uma representação e de um poder do homem, masculino, de uma forma homogênea. Quando se coloca a noção de masculinidades, no plural, depreende-se que pode até existir uma forma de masculinidade, digamos hegemônica, mas que existem outros tipos de masculinidade. (p. 136)

Tanto a masculinidade quanto a feminilidade podem ser entendidas como construções sociais que variam de acordo com o espaço (uma cultura para outra), com o tempo (numa mesma cultura, através do tempo), ao longo da vida de cada pessoa e na relação entre diferentes grupos de homens de acordo com a sua classe, a sua raça, o seu grupo etário e étnico (SANTOS, 2007).

Sendo assim, podemos afirmar que não existe um modelo padrão, apesar de haver o referencial que é mais aceito num determinado contexto histórico e social, mas não há uma única forma de masculinidade.

Se imaginarmos o Brasil, que, na sua grande extensão geográfica, possui uma diversidade de cultura, poderíamos pensar na masculinidade do homem do Sul do país ou da masculinidade do homem nordestino, sabendo-se que cada região costuma ter características próprias. Albuquerque (2003) se refere à masculinidade do homem nordestino, conhecido como “cabra macho”, cuja representação é de que se trata de um homem forte, valente (não leva desaforo para casa) e violento (com suas companheiras ou mulheres em geral). Ele não pode ser frouxo para não correr o risco de ser rebaixado socialmente, considerando que nesta região não há lugar para fracos e covardes.

Considerando que não há um único estilo de masculinidade, poderíamos questionar: – Quais são os tipos de masculinidades existentes? – Existe algum modelo predominante? De acordo com Connell (1995), existem várias formas de masculinidade que podem ser identificadas como hegemônicas, subordinadas, cúmplices e marginalizadas.

A masculinidade hegemônica é entendida como aquela que garante a reprodução das situações de dominação dos homens em relação às mulheres. Envolve um discurso que atribui ao homem potencial privilegiado de dominação e de superioridade social. O patriarcado é

visto como uma ordem de gênero específica na qual a masculinidade hegemônica define a inferioridade do gênero feminino.

A masculinidade subordinada refere-se à dominação e à subordinação entre grupos de homens, como é o caso da dominação dos heterossexuais e a subordinação dos homossexuais, cujas práticas de dominação e de subordinação incluem abusos, violência e discriminação econômica e pessoal. Alguns homens heterossexuais também podem ser excluídos dos grupos dos quais pertencem, dependendo da posição que ocupam na estrutura econômica e social.

A masculinidade cúmplice é muito parecida com o modelo de masculinidade hegemônica, sem, no entanto, incorporá-lo completamente, ou seja, não incorpora totalmente o modelo patriarcal, mas ainda tem o homem como principal referencial, se comparado às mulheres.

Por fim, a masculinidade marginalizada se refere às relações que existem entre as masculinidades e os grupos étnicos dominantes e subordinados. É um estilo de masculinidade que se encontra marginalizado devido às condições de subordinação da sua classe ou raça.

Diante deste pressuposto, poderíamos dizer que existem várias formas de masculinidade, sendo que algumas delas são dominadoras tanto em relação às mulheres quanto em relação às situações que se associam ao feminino, como os homossexuais, por exemplo. Por outro lado, existem as masculinidades que também são dominadas por outras que se encontram em posição de destaque diante dos padrões aceitos socialmente. Na maioria das vezes a masculinidade hegemônica, que serve de referência para as outras masculinidades, é composta por homens brancos, heterossexuais e detentores de poder ou de algum estilo de liderança.

É muito comum observarmos, na mídia ou nos diferentes grupos sociais, que existem alguns estilos de masculinidade que realmente não são reconhecidos devido à classe social à qual esses indivíduos pertencem ou à sua classe étnica. Sabe-se, porém, que alguns homens provindos de grupo étnico sem reconhecimento social, se conseguem atingir um nível econômico considerável, passam a ser valorizados como se fizessem parte do modelo de masculinidade hegemônica.

Nesse sentido, Connell (1995), ao comentar sobre as diferentes formas de masculinidade, sugere que elas estão fundamentadas em três dimensões que, embora distintas, se relacionam entre si. As dimensões são as seguintes:

Relações de poder – se caracterizam pela subordinação feminina e pela dominação

masculina, que, segundo o autor, constituem a maior linha divisória de poder na ordenação dos gêneros nas sociedades ocidentais, representada pelo poder patriarcal. Esta estrutura

permanece apesar dos avanços obtidos principalmente pelo movimento feminista e apesar da constatação de que muitas mulheres na atualidade são chefes de família.

Relações de produção – se referem às assimetrias de gênero existentes no mundo do

trabalho, seja na própria profissão ou desenvolvimento das tarefas profissionais. Para o autor, a perspectiva de acumulação capitalista é também um processo ordenado por gênero. É o caso, por exemplo, de mulheres que, mesmo tendo o mesmo nível de formação e demonstrarem a mesma competência, continuam em média tendo salários mais baixos se comparadas com trabalhadores masculinos.

Relações emocionais com ênfase para as práticas sexuais – é caracterizada, segundo a

perspectiva psicanalítica, como sendo a energia emocional vinculada a um objeto com um gênero definido. As relações que se estabelecem entre o objeto desejado e o objeto do desejo podem ser consensuais ou coercitivas, independentemente se o prazer obtido é proporcional entre o que é dado e recebido. Ou seja, na cultura patriarcal ou machista, o importante é o homem sentir o prazer sexual, sem haver a preocupação com a reação feminina.

Ao refletir sobre os diversos estilos de masculinidade, Trindade (2005, p. 224) afirma:

Apesar de co-existirem diferentes masculinidades, infelizmente ainda mantém hegemonia na sociedade ocidental o modelo de masculinidade calcado no patriarcado. Como imperativos da masculinidade contemporânea, a literatura da área indica: ser viril e conquistador (em contexto heterossexual), ter sucesso e poder, ser forte e agressivo, ter honra para lutar por um ideal maior, ter coragem para assumir riscos, dar proteção aos mais fracos (mulheres e crianças), ser leal com os companheiros (outros homens), ter força de vontade e autocontrole emocional.

Pelo que podemos constatar, o modelo exigido para os homens é praticamente impossível de ser atingido, por incluir fatores de ordem econômica, cultural e de personalidade. Estes padrões são também mencionados por Nolasco (2001), que, embora reconhecendo haver flexibilidade na forma como a masculinidade é vista em diferentes sociedades, sugere que para se tornar um homem de verdade é preciso ter os seguintes atributos: ser protetor, provedor, potente e viril, e nas culturas latinas, tem que ser um homem competitivo, vigoroso, que bebe muito e domina a mulher. O autor relata que “[...] a imagem ancestral do homem guerreiro e forte, aquele que dá a segurança a sua família e a sua comunidade, parece também que se encontra no substrato de muitas das percepções sobre o que é ser homem.” (p. 99).

E o pior é que comum a sociedade cobrar este padrão, apesar dos avanços ocorridos no que se refere às questões de gênero. Muitas vezes as mulheres têm as suas próprias fontes de sobrevivência e, mesmo assim, ficam à espera de um homem provedor, que lhes garanta a proteção, como se não fossem capazes de se sentirem seguras sem a presença de uma figura masculina.

Também Arent (1999, p. 121-122) comenta sobre o estilo de masculinidade predominante em muitas sociedades que se fundamenta no pressuposto de que o homem deve ser:

[...] forte, firme, seguro, autoconfiante, destemido, corajoso, ofensivo, provocador, agressivo, competitivo, dominador, líder, autoritário, intransigente, duro, frio, objetivo, racional, prático, independente, solitário, reservado, superficial, explorador, aventureiro, conquistador, capaz, vencedor, poderoso, ter vigor físico e sucesso financeiro, prover o sustento da família e ainda ser capaz de manter intensa atividade sexual.

Como foi comentado anteriormente, o modelo exigido para os homens é difícil de ser atingido, por tratar-se de níveis de exigências que nem sempre uma pessoa está apta a desempenhar, resultando em crises ou insatisfações. Tal referência, segundo Martinez (1997), é baseada numa ideologia dominante de matriz patriarcal e branca. Ou seja, não são somente as mulheres que sofrem discriminação, pois também outros homens que não se enquadram nos padrões aceitos pela sociedade sofrem preconceitos, por não corresponderem aos modelos estabelecidos pela cultura dominante.

No caso das mulheres, durante muito tempo houve o equívoco por se pensar que a igualdade entre homens e mulheres significava que elas tinham que seguir os modelos masculinos para serem reconhecidas no âmbito da vida pública da sociedade. Em relação a este assunto, Martinez (1997, p. 257-258) admite que:

As mulheres são diferentes dos homens, mas isso não é fundamento de hierarquia, nem discriminação. Simplesmente há que se conceber um mundo feito para homens e mulheres, e não um mundo em que as mulheres tenham que imitar os homens para serem admitidas na vida social.

Em relação à vida social, a mulher foi gradativamente conquistando o seu espaço, apesar de que, no âmbito profissional, passou a desempenhar funções que tinham afinidade com as tarefas domésticas. É o caso, por exemplo, do magistério, espaço profissional que, ao

longo do tempo, foi estereotipado como sendo profissão feminina, devido ao processo de feminização do magistério.