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Ao se analisarem as mudanças ocorridas numa determinada profissão e, neste caso específico, na área do magistério, não se pode desvincular o fato em si dos acontecimentos sociais ocorridos no mesmo período. No caso da feminização do magistério, Louro (2007) destaca que algumas transformações sociais ocorridas na segunda metade do século XIX e início do século XX vão exercer influências tanto no sentido de estimular a entrada das mulheres em sala de aula, quanto no predomínio da presença feminina na atuação como docentes. Para a autora, a forma como se dá este processo de feminização tem algumas características particulares e algumas semelhanças com o processo ocorrido também em outros países.

Em relação aos acontecimentos ocorridos no Brasil, pode-se destacar a vinda dos imigrantes europeus e japoneses – que foram trazidos para contribuir com o processo de industrialização e de expansão econômica e que passaram a exigir escola básica e pública para toda a população – e o próprio desenvolvimento econômico e industrial exigiu que os trabalhadores tivessem o mínimo de formação escolar. Nesse sentido, Hypólito (1997, p. 49) relata que:

A escolarização tornou-se cada vez mais necessária. A escola se expandiu. Houve um aumento significativo de vagas. O professorado passou a constituir uma categoria social quantitativamente significativa. A feminização do magistério foi parte integrante e constitutiva desse processo, o que evidentemente não ocorreu somente por razões econômicas.

Se considerarmos que a escola faz parte do contexto social e que não é neutra, ou seja, ela exerce influências ao mesmo tempo em que é influenciada pela sociedade na qual está inserida, é possível afirmar que a própria escola passava por transformações, e estas transformações contribuíram para que o processo de feminização acontecesse. Partindo deste princípio, Louro (2007, p. 95) enfatiza que:

O magistério se tornará, neste contexto, uma atividade permitida e, após muitas polêmicas, indicada para mulheres, na medida em que a própria atividade passa por um processo de ressignificação; ou seja, o magistério será representado de um modo novo na medida em que se feminiza e para que possa, de fato, se feminizar.

Em outros países, o fenômeno de feminização também ocorreu, influenciado por fatores semelhantes aos que ocorreram no Brasil. Hypólito (1997) cita que um estudo realizado por Apple na Inglaterra e País de Gales, nos Estados Unidos da América e em Portugal revela que, de 1870 a 1930, houve um aumento significativo da participação feminina no magistério, conforme Gráfico 1.

Gráfico 1 – Evolução da participação feminina no corpo docente do ensino primário na Inglaterra e País de Gales, em Portugal e nos Estados Unidos da América, entre 1870 e 1930.

Fonte: Hypólito (1997, p. 52).

Hypólito (1997) considera que, em Portugal, esse processo de feminização do magistério foi mais tardio devido à industrialização no país, que também ocorreu tardiamente se comparada com outros países como os Estados Unidos da América e a Inglaterra, por exemplo. Ressalta também que, no Brasil, não há dados estatísticos considerados aceitáveis que possam fazer perceber esta evolução no mesmo período, mas que é possível fazer uma análise dos períodos subseqüentes relativos à década de 1930 à década de 1980, conforme Gráfico 2.

Gráfico 2 – Participação feminina no corpo docente do ensino primário no Brasil.

Fonte: Hypólito (1997, p. 54)

Ao analisar estes dados, não podemos esquecer que a profissão docente inicialmente era estritamente masculina, visto que as mulheres não tinham acesso à vida pública. Foi um período em que somente a classe econômica mais favorecida é que tinha acesso à escolaridade e o acesso era, principalmente, para os filhos homens. No Brasil este período foi fortemente marcado pela atuação dos Jesuítas, conforme relata Louro (1997, p. 77):

Em nosso país, como em vários outros, esse espaço foi, a princípio, marcadamente masculino. De um lado e de outro das carteiras circulavam meninos e homens: a escola foi, inicialmente, conduzida pelos mestres jesuítas e dirigida à formação dos meninos brancos da elite. Aos poucos a instituição viu-se obrigada a acolher outros grupos sociais: os meninos de outras origens e etnias e as meninas.

Este contexto de mudança relacionada à participação de outros grupos sociais no âmbito escolar exigiu que a escola também mudasse os seus currículos, os seus regulamentos, a sua estrutura física e profissional, tudo para atender à nova demanda.

A entrada das mulheres no exercício do magistério foi acompanhada pela ampliação da escolarização de outros grupos e, mais especificamente, pela entrada das meninas na sala de aula, conforme Louro (1997). A autora revela que essa não foi uma entrada tranqüila, já que foi contestada por diferentes discursos. A partir do momento em que houve a abertura das escolas normais para as moças, que “[...] passaram a se constituir numa presença muito maior

do que se supunha ou se desejava, os apelos para conter e também para disciplinar a massa feminina se multiplicaram.” (p. 78).

Ao mesmo tempo, com o advento do discurso científico, passou-se a questionar sobre as capacidades intelectuais das mulheres para atuar na área acadêmica. Louro (1997, p. 78), baseando-se em Safioti (1979), ressalta que “[...] alguns poderão afirmar que se constitui uma ‘temeridade’, numa ‘insensatez’ entregar às mulheres – portadoras de cérebros ‘pouco desenvolvidos’ pelo seu ‘desuso’ – a educação das crianças”.

Por outro lado, os defensores da entrada e da permanência das mulheres no magistério defendiam que elas “[...] têm, por natureza, uma inclinação para o trato com as crianças, que elas são as primeiras e naturais educadoras. Se a maternidade é, de fato, o seu destino primordial, o magistério passa a ser representado também como uma forma extensiva da maternidade.” (LOURO, 1997, p. 78). Dessa forma, os alunos e as alunas deveriam ser vistos como filhos e filhas e a profissão docente não subverteria a função feminina, podendo, ao contrário, ampliá-la ou sublimá-la. O magistério deveria ser entendido pelas mulheres como uma atividade de amor, de entrega e de doação, e, para isso, era fundamental ter a vocação para ensinar.

Podemos perceber que, na atualidade, é indiscutível a capacidade cognitiva das mulheres para atuarem profissionalmente tanto na área da educação como em outras áreas. Basta observar o número significativo de mulheres inseridas em cursos de mestrado e de doutorado no Brasil, cursos cujo principal objetivo é justamente formar pesquisadores. Por outro lado, as representações sociais inerentes à profissão docente continuam associando o magistério como sendo uma extensão da maternidade, como se fosse algo natural e próprio do universo feminino, sendo a vocação um fator importante para quem opta pela profissão docente.

O peso da justificativa para a entrada e para a permanência das mulheres no magistério e, por que não dizer, no mercado de trabalho, continua em vigor até a atualidade, porque não conseguimos superar esta ideologia de associar o trabalho docente com o trabalho de cuidar e de educar os filhos. Esta foi a principal função das mulheres durante muito tempo, quando, não tendo acesso ao espaço público da sociedade, restava, como única alternativa, desempenhar a sua função educativa no espaço privado, representado pelo ambiente doméstico.