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O termo cunhado nos Estados Unidos é uma referência clara à atuação dos gangsters, que desafiavam a polícia – de maneira violenta – para defender territórios onde mantinham negócios escusos e ilegais. Na música, o estilo gangsta pode ser compreendido como a facção mais radical do rap. Sob esse rótulo estão letras que glamourizam a violência e o uso de drogas.

Entre os artistas norte-americanos, o gangsta rap é praticado por rappers favoráveis ao enfrentamento e ao confronto direto com os inimigos e a polícia. A música seria um meio para defender esse ponto de vista. Na década de 80, o grupo Public Enemy ganhou projeção no mercado fonográfico mundial com esse estilo. Mais radicais, rappers como Ice-T eram contundentes. Na faixa Cop Killer, a ordem era matar. Além da apologia a violência, outro traço

característico do estilo gangsta rap é o machismo. Em muitas músicas, as mulheres são descritas como interesseiras e vulgares. Em letras e vídeo-clips de artistas como Snoop Doggy Dogg e Dr. Dree pode-se encontrar descrições e imagens de mulheres que reúnem binômios como sensualidade-futilidade, materialismo-beleza, juventude-lascívia. A esses elementos se incorporam valores capitalistas como o luxo e o consumo exacerbado.

Longe das lutas e dos protestos sociais, o estilo gangsta rap contribuiu para que rappers norte-americanos se transformassem em artistas milionários, que chegam a vender mais de 10 milhões de cópias de discos. Por trás desse fenômeno cultural, gira uma indústria igualmente milionária, que cria empregos, legitima um estilo de vestir próprio e acelera a disseminação e o interesse dos jovens por essa linguagem musical que, uma vez apropriada, se transforma em expressão artística de parte do contingente pobre da população, formado por jovens negros e não brancos.

No Brasil, o êxito do rap norte-americano ajudou a abrir caminho para o rap nacional. Apesar de divergirem dos americanos quanto à questão ideológica de abraçar a causa étnica e social, alguns rappers brasileiros assumem o estilo gangsta para fazer apologia ao crime. Eles, entretanto, não são maioria. Visto por muitos como uma manifestação cultural fomentadora da violência, o gangsta, generalizado dentro do termo rap, não repetiu no Brasil a trajetória de brigas e violência entre gangues que vitimou rappers como Notorius BIG e Tupac Shakur. Por aqui,

por enquanto só temos um exemplo idêntico ao dos norte-americanos, no que diz respeito à violência contra o gangsta rap. Referimo-nos ao assassinato [...] do rapper Sabotage – cujo nome de batismo era Mauro Mateus dos Santos. Esse compositor, segundo Rappin Hood, outro rapper da Velha Escola, em um passado recente esteve profundamente envolvido com o tráfico de drogas. Mas tinha abandonado esse caminho após conseguir seu reconhecimento no mundo do hip hop (FÉLIX, 2005: 145)

Ao contrário do que se pensa, o rap no Brasil assume um papel de reintegrador social, de base para a reconstrução de uma vida fora da marginalidade. Os que se aventuram como compositores e MCs afirmam que utilizam a força do rap para passar suas mensagens à juventude, para alertar sobre o alto preço cobrado pelo mundo das drogas e da ilegalidade. Dentro dessa perspectiva, não é difícil encontrar depoimentos como o do rapper Afro X, que afirmou a um jornalista da Folha de São Paulo estar ‘limpo’ e não enganar mais ninguém. “Se eu

não fosse o pivete do rap seria o pivete das ruas. Se eu não tivesse descoberto o rap, estaria hoje a sete palmos [...]” (LEMOS, 1994:6).

Pelo fato da rap adotar um discurso radical, em tom de denúncia, inconformismo e protesto, há uma tendência – conveniente à indústria cultural – de confundir a linguagem coloquial e provocativa do rap com o estilo gangsta. Puxados de ‘carona’ pelo sucesso do gangsta rap norte-americano, essa confusão, em tese, aumentaria a vendagem de discos no Brasil.

Dentro ou fora do estilo gangsta, é certo que outros nomes relacionados ao rap brasileiro tiveram suas histórias misturadas a episódios de crimes e violência. José Carlos dos Reis Encina comandava o tráfico de drogas em um dos morros do Rio de Janeiro, quando foi condenado a 22 anos de prisão. Conhecido pelo apelido de Escadinha, José Carlos ganhou notoriedade nos anos 80 por empreender fugas espetaculares. Enquanto cumpria pena se aproximou do rap e começou a compor. Chegou a gravar CD e algumas de suas músicas foram interpretadas por artistas como Marcelo D2, MV Bill e Racionais MC. Escadinha foi assassinado em 2004 quando, já em prisão- albergue, se dirigia para o seu trabalho.

A extinta Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, também serviu de celeiro musical para outros talentos do rap. A história de vida dos presos, os códigos e regras internos, a demora nos julgamentos, os conflitos e a brutalidade que se faziam presentes no cotidiano dos detentos eram genuínas matérias-primas para o rap de protesto. Mano Brown descobriu isso em suas visitas a amigos detidos. Para ele, o Carandiru era como uma veia do hip hop, aonde corria o sangue da realidade violenta e dos contrastes sociais.

Do Carandiru surgiram grupos como o 509-E e os Detentos do Rap. O grupo Detentos foi o primeiro do país a gravar um disco (selo BMR) com seus integrantes cumprindo pena. Em ambos os casos, os rappers podiam obter autorização judicial para realizar shows fora do espaço do presídio. Nessas ocasiões, eles chegavam aos locais de apresentação escoltados por aparato policial em viaturas, sempre acompanhados de um agente penitenciário.

A ligação entre o rap e os detentos provavelmente se dá em decorrência de uma matriz comum, que é a realidade social das periferias. Reconhecida como legítimo espaço do hip hop, a periferia das grandes cidades é, ao mesmo tempo, o solo propício para o estabelecimento de diversas formas de violência e criminalidade. Como já mencionado, os rappers brasileiros não

ocultam o contato e a proximidade que mantêm com presidiários e nem se furtam ao papel de testemunhar o que vêem acontecer nas ruas.

Amplificados nos discursos coloquiais de rappers e MCs, os protestos que atingem com freqüência a polícia podem, de fato, não se caracterizar totalmente dentro do estilo gangsta, mas acentuam o preconceito contra o gênero hip hop e ajudam a fundamentar um tratamento pautado na perseguição de artistas ligados ao rap, evidenciando um tratamento diferenciado do que é aplicado a, por exemplo, roqueiros. Pertencentes, em sua maioria, a outros segmentos sociais, integrantes de bandas de rock podem hoje entoar versos como ‘polícia pra quem precisa de polícia’, sem esperar por viaturas ou enquadramento por prática de incitação à violência.