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O Estilo de Pensamento da Nova Promoção de Saúde (NPS) No outro polo, e em perspectiva oposta, encontra-se o estilo de

OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral

3. REVISÃO DA LITERATURA 1 Sistema Único de Saúde SUS

3.4.3 O Estilo de Pensamento da Nova Promoção de Saúde (NPS) No outro polo, e em perspectiva oposta, encontra-se o estilo de

pensamento da Nova Promoção da Saúde (NPS). Essa perspectiva partilha com a anterior a crítica ao modelo biomédico e a necessidade de ampliar o entendimento do processo saúde/doença, mas a transcende ao apontar a relação negativa existente entre iniquidade social e saúde, evidenciando que a forma como a sociedade se organiza tem relação direta com as condições de saúde de sua população. Aborda a saúde como um direito e um bem comum, e prioriza como estratégias a constituição de políticas públicas saudáveis, a criação de ambientes sustentáveis, a reorientação dos serviços de saúde, o fortalecimento de ações comunitárias e o desenvolvimento da capacidade individual e comunitária (Carvalho, 2010). É necessário ressaltar que essa tendência apresenta ambiguidades e divergências internas relevantes que não serão abordadas, sendo apenas ressaltados os pontos principais que a norteiam, enquanto um estilo de pensamento do campo da promoção de saúde que se apresenta em contraposição a outro estilo de pensamento. A NPS tem como pressuposto a compreensão ampliada do processo saúde-doença e seus determinantes, propondo a articulação de conhecimentos científicos e populares para seu enfrentamento, busca “una revalorización de lo social como fuente y explicación de los problemas de salud y como recurso a ser movilizado para enfrentar os mismos” (Buss, 2000. p.16). Amplia o âmbito das ações em saúde ao realizar uma síntese inovadora de conceitos originários de outros campos disciplinares, inserindo o debate sobre a necessidade da construção de uma consciência crítica sobre os problemas de saúde. Reconhece a complexidade dos fatores micro e macrossociais, buscando pautar as práticas que buscam a transformação, na reflexão crítica, na equidade e no fortalecimento comunitário (Rabello, 2010; Santos, Oliveira, Crepaldi & Da Ros, 2010).

É necessário nesse momento, realizar a diferenciação dos termos “fortalecimento” e „empowerment‟, apesar deste último ser utilizado por muitos autores desta concepção de promoção de saúde. Uma das diferenças entre esses dois termos consiste na fonte do processo de adquirir controle e poder sobre os assuntos importantes às pessoas e às comunidades. Monteiro (2010) ressalta que enquanto a fonte de poder e controle é fruto das buscas e discussões coletivas no „fortalecimento‟, onde está implícita a noção de que se obtém poder sobre as condições de vida apenas no coletivo, a terminologia “empowerment” ao contrário, ressalta a importância na participação em instituições mediadoras que

regulam as participações dos sujeitos e coletivos, o que não necessariamente implica em postura ativa diante dos temas prioritários.

Carvalho (2010) ressalta que o termo “empowerment” deve ser utilizado com precaução pela carência de embasamento teórico consistente e pelas distorções e ambiguidades vinculadas ao termo. Um exemplo claro destas ambiguidades, evidencia-se na compreensão do termo na literatura da gestão participativa em empresas, onde ele é compreendido como delegação de poder enquanto forma de motivação profissional e de melhoria na produtividade nos grupos de trabalho, uma lógica oposta ao emprego do termo em vários textos vinculados a NPS. Sobre isso, Stoz e Araujo (2004) indicam que o “empowerment”, independente da intenção de politizar a promoção da saúde, pode ser visto como uma nova forma de tutela sobre a maioria da população, visto que, a inferência ao significado do termo enquanto “delegar poder a outrem”, implica certa contradição e ambiguidade com uma construção coletiva.

Aliando tais reflexões à longa trajetória do termo „fortalecimento‟ nas lutas por melhores condições de vida para as populações marginalizadas da América Latina, evidenciada nas discussões e atividades críticas da Psicologia Comunitária nas últimas décadas, fica evidente a maior coerência com o ideário da NPS, o termo “fortalecimento”. A utilização deste termo implica necessariamente um processo, onde “miembros de una comunidad desarrollan conjuntamente capacidades y recursos para controlar su situación de vida (...), transformándose al miesmo tiempo a si mismos” (Monteiro, 2010). Dessa forma, a partir de agora, será utilizado como referência para este estudo, o termo „fortalecimento‟ em detrimento de „empowerment‟, mesmo em situações em que a literatura citada utilizar os segundo termo.

Vários autores apontam o fortalecimento e a participação comunitária como conceitos chave da NPS, conceitos estes que se encontram diretamente vinculados entre si (Carvalho, 2010; Czeresnia, 2009; Heidmann et al., 2006, Sícoli & Nascimento, 2003). A participação popular implica em mecanismos democráticos que propiciem o envolvimento das comunidades na eleição de prioridades, tomada de decisões, implementação e avaliação das iniciativas. Esse processo de participação ativa da população tem como pressuposto a emancipação dos sujeitos e comunidades, explicitando-se como um mecanismo propulsor do controle social. A participação ressaltada é um processo que inclui a população e os trabalhadores de saúde, isso porque, a concretização de resultados positivos depende em grande

medida, da correlação de forças entre os interesses envolvidos e a implicação mútua (Freitas & Mandú, 2010; Sícoli & Nascimento, 2003). As formas como a comunidade e os serviços de saúde se organizam explicitam a utilização do fortalecimento enquanto uma ferramenta agregadora, quando ambos, população e profissionais, mostram-se membros do mesmo coletivo e portadores dos mesmos direitos (Carvalho, 2010).

As ações que promovem saúde no estilo de pensamento da NPS, evidenciam-se como o resultado de um processo complexo que engloba o fortalecimento das capacidades dos indivíduos e comunidades, buscando intervir no âmbito das ações do Estado e na singularidade e autonomia dos sujeitos. Transcendem as metodologias preventivas, pois, deslocam o foco da doença para a perspectiva da saúde, como uma meta a ser concretizada por meio de instrumentos de intervenção na realidade (Santos, Da Ros, Crepaldi & Ramos, 2010). Nessa perspectiva, os problemas de saúde são compreendidos com demandas de abordagens inovadoras e complexas, e os processos decisórios são pautados pelas subjetividades individuais e coletivas dos atores nos espaços do cotidiano. Essa valorização do conhecimento popular e da participação social está na base da promoção de saúde neste estilo de pensamento (Czeresnia, 2009; Mascarenhas, 2005).

O fortalecimento é o núcleo filosófico da NPS, permeado pela presença de fatores situados em esferas distintas da vida social, estabelecendo-se em um continuum que perpassa desde a autoconfiança e a autoestima individual, até os fatores macro determinantes das estruturas sociais, sendo que o fortalecimento comunitário, apresenta-se como diferencial dessa forma de conceber a promoção em saúde. Dentro desse contexto, o trabalho de Paulo Freire se destaca como uma importante ferramenta, que contribui para emancipação humana e a construção do pensamento crítico, que propicia a participação dos indivíduos e coletivos na reflexão da realidade com vistas a sua transformação (Carvalho, 2010).

A educação em saúde que compõe esse ideário é uma prática que busca embasar a conquista da autonomia pelos sujeitos e comunidades, não se restringindo apenas ao repasse de conhecimentos, mas buscando a construção de conhecimento aliado a melhores condições de vida por todos que a integram. Isso não indica que a transmissão de conhecimentos não esteja incluída nessa proposta pedagógica, apenas é necessário ressaltar que ela não se constitui em seu objetivo maior (Besen et al.,2007; Stotz, David & Bornstein, 2009). Pouquíssimos

estudos internacionais apresentam esta característica, como será evidenciado na revisão de literatura apresentada.

A esse respeito, vale citar Hedman (2009), que em um estudo realizado na Suécia sobre educação para a saúde bucal de crianças em idade escolar, diferencia o conceito de "educação", que inclui tanto o conhecimento quanto os aspectos emocionais e sociais, do conceito de 'informação', que é uma comunicação unidirecional, sem qualquer consideração às necessidades dos sujeitos ou a contextualização dos conteúdos. Este autor ressalta que o processo de aprendizagem é dinâmico e se baseia nos conhecimentos e experiências anteriores dos sujeitos envolvidos, uma atividade social que acontece na interação entre as pessoas, ao invés de algo que é repassado de um sujeito para outro(s). Esse estudo aponta ainda a necessidade de refletir sobre a interação entre „professores‟ e „alunos‟, salientado a importância do diálogo e confiança nos processos educativos.

Nesse estilo de pensamento, o sujeito é percebido em sua autonomia, seu contexto cultural e político na busca de superação do instituído, rumo à produção de novos recursos e modos de vida instituintes de saúde. Assim, a prática educativa insere-se como uma prática transformadora, que se constrói pautada no diálogo e no exercício da consciência crítica reflexiva, que prioriza a transformação da realidade e das pessoas envolvidas por meio da ampliação da capacidade de compreensão da complexidade dos determinantes do ser saudável (Buss, 2009; Monteiro & Vieira, 2010).

A luta por saúde também é uma luta pela melhoria da qualidade de vida, que inclui condições de alimentação, renda, educação, habitação, meio ambiente, transporte, lazer entre outros, e deve estar presente nas principais estratégias de promoção de saúde (Heidmann et al.,2006). Nesse sentido, esse ideário pode propiciar a ruptura com velhas formas de pensar e fazer saúde, fornecendo os elementos de transformação do status quo e dos sujeitos envolvidos, na produção de uma nova realidade mais solidária e equânime (Carvalho, 2010; Czeresnia, 2009)

Essa visão ampliada da promoção de saúde abarca fatores tão amplos como a própria vida, fato que pode conduzir a dificuldades de transformar um discurso inovador em prática concreta, mostrando-se em muitos momentos pouco capaz de prover os meios e estratégias de intervenção, evidenciando-se um desafio a construção de práticas que estabeleçam novas relações com os conhecimentos científicos produzidos (Czeresnia, 2009). A escassez de metodologias avaliativas das ações nessa perspectiva propicia a redução de sua utilização pelos

serviços de saúde, dificultando sua divulgação e contribuindo para confusão entre promoção e prevenção (Figueira et al., 2009).

A busca da práxis dessa perspectiva, depara-se com uma fragilidade: a escassez de trabalhos que relatem práticas efetivadas no contexto do SUS. Essa fragilidade se amplia quando comparada ao número de pesquisas avaliativas de intervenção na perspectiva da PSC, que se apresentam em quantidade considerável. No entanto, os dois trabalhos abordados a seguir evidenciam experiências exitosas, um desenvolve ações de promoção de saúde diretamente com usuários do SUS e o outro com enfermeiras da Atenção Básica, ambos embasados no conceito ampliado de saúde.

O primeiro trabalho, refere-se a uma „intervenção coletiva e interdisciplinar‟, que apresenta o desenvolvimento de grupos de promoção de saúde como um instrumento capaz de contribuir para o desenvolvimento de condições de vida, saúde e autonomia. Relata uma experiência com idosos no âmbito do SUS, embasado em princípios éticos que buscam a eliminação das diferenças desnecessárias e evitáveis entre grupos de pessoas, interagindo de forma cooperativa na tarefa de promover saúde. Os autores afirmam que a aprendizagem desenvolvida nesses grupos inclui componentes que facilitam uma reorganização de crenças e cognições, balizadas pelo diálogo e respeito às diferenças e integrados a conhecimentos variados. A construção do „saber‟ acontece por meio da participação cooperativa e desenvolvimento da autonomia, as técnicas e conteúdos propostos ao grupo devem ser coerentes com as singularidades e demandas. O setting grupal oportuniza: a ressignificação de conceitos que dificultam a promoção da saúde; a valorização dos recursos comunitários; a manifestação e elaboração de manifestações emocionais e, o conhecimento e reflexão das práticas e saberes em saúde, que favoreçam a ampliação das capacidades dos indivíduos (Santos et al., 2006). O segundo trabalho é uma pesquisa-ação, realizada com enfermeiros que trabalham na Atenção Básica de um grande município, e sistematiza por meio de círculos de cultura, uma proposta de reflexão e reconstrução das ações de educação em saúde desses profissionais. Busca problematizar a transformação dos indivíduos inseridos no mundo, ampliando a compreensão da complexidade de ser saudável e utilizando a educação em saúde como estratégia da promoção de saúde. A técnica empregada propicia a reflexão coletiva com ênfase no diálogo, processo que envolveu a realização de oito círculos de cultura, sendo que cada círculo tinha um objetivo construído pelo próprio grupo. O artigo foi construído a partir das reflexões realizadas no último círculo,

que tinha como objetivo problematizar as propostas de Educação em Saúde do grupo, que possibilitassem articular o desempenho das enfermeiras do PSF para uma práxis reflexiva e crítica de educação em saúde. As autoras ressaltam que é indispensável o exercício de reflexão e consciência política no processo de fortalecimento do profissional de saúde, pois, o universo subjetivo é renovado nas práticas de vivência no real, incluindo a reflexão sobre suas atitudes diante dos fatos, deixando o papel de expectador para assumir o lugar de protagonista de sua história (Monteiro & Vieira, 2010).

3.4.4. Tendências Atuais da Literatura sobre Promoção de Saúde