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5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS DE PESQUISA

5.3 Análise das Âncoras de Carreira e impacto nas carreiras

5.3.3 Estilo de Vida

Sobre a âncora estilo de vida, a mais recorrente entre os jornalistas amostrados no Grupo Estado junto à de autonomia e independência, com 15 profissionais cada, podemos tecer diversas interpretações. Da definição de Schein (1996), consideramos esta âncora a partir do desejo constante da pessoa em equilibrar e integrar necessidades de tipos variados (pessoas, familiares e de carreira). Constroem-se, assim, sistemas flexíveis o suficiente para que se possa desenvolver a carreira de acordo com esses diferentes âmbitos de vida.

De fato, estes termos podem ser relacionados à realidade da rotina de muitos jornalistas que atuam na empresa. Apesar de geralmente trabalharem mais de 10 horas diárias, boa parte destes profissionais possui horários alternativos não ligados ao convencional horário comercial, conseguindo assim gerenciar suas vidas pessoais com a profissão. Se por um lado há demandas e expectativas altas sobre os jornalistas, por outro existe flexibilidade para adequar suas vidas e rotinas às tarefas a cumprir.

Encontrar a âncora de estilo de vida com uma das duas de maiores ocorrência corrobora a teoria de Schein (1996) de que esta é a âncora com maior potencial de crescimento, e confirma-se também uma convergência das questões ligadas à mudança no

contrato psicológico de trabalho, no qual a lógica é fazer mais e melhor, buscando satisfação

pessoal e equilíbrio de vida (BARUCH, 2004).

O fato de haver 11 mulheres entre os 15 profissionais com âncora estilo de vida, ou 73,3% do total, traz à tona possíveis leituras sobre os jornalistas que carregam esta âncora. Destas mulheres, nove têm entre 22 e 32 anos de idade, indicando tratar-se de uma âncora de carreira em ascensão entre jovens, evidenciando uma nova geração de mulheres com uma relação diferente com o trabalho. Para elas, as prioridades são – ou pelo menos deveriam ser – diferentes e a vida profissional precisaria ser apenas um eixo da vida pessoal.

Já entre os quatro homens com esta âncora, três deles, ou 75%, têm mais de 47 anos, o que torna mais complexa a análise sobre as características da âncora estilo de vida. É possível que, para os homens, a percepção e incorporação dos valores associados a esta âncora venham com o passar do tempo e que, em outro momento de suas vidas, estiveram com outras âncoras de carreira. Outra indicação da influência do tempo sobre esta âncora, ao menos para os homens, é que os três acima de 47 anos trabalham há mais de 15 anos no Grupo Estado. Contudo, também é possível pensar que esta âncora pode ter sido predominante entre os homens jornalistas há algumas décadas e que a interpretação sobre o sentido do trabalho esteja constantemente em transição. Também é possível sugerir que, para os homens, o processo de amadurecimento é mais tardio e que talvez a relação com o trabalho que esta âncora implica seja reflexo desta maturidade.

De acordo com Schein (1996), o profissional ancorado em estilo de vida valoriza recompensas que viabilizem condições de equilíbrio das necessidades e que demonstrem respeito pelos interesses pessoais e familiares. Ainda que não demonstre aberta e oficialmente preocupações com as famílias, a empresa não se furta a negociar – ainda que silenciosamente – o contrato psicológico.

Na âncora de carreira estilo de vida, a identificação com a atividade vem com a rotina, com a forma como o profissional se relaciona com ela. Schein (1996) a delineia em torno de identidades vinculadas ao modo de vida e às diferentes expectativas em relação a ele. No que caso dos jornalistas, isso é absolutamente pertinente. O olhar mais crítico sobre a realidade do que a média das pessoas, sobreposto à necessidade de habilidades como a desconfiança e persistência na rotina profissional, somado à responsabilidade geral de informar adequadamente, talvez faça do modo de vida do jornalista algo particular. É certo que cada categoria profissional possui uma série de valores e códigos próprios, entretanto, entre os jornalistas essa forma de viver – reforçada pelos ímpetos mais instintivos da profissão, como descobrir a verdade e trazê-la à tona para o público – impulsiona uma identificação coletiva.

O conceito de sucesso está associado à conquista do equilíbrio, não sendo a carreira o seu principal objetivo. A âncora do estilo de vida não aponta um indivíduo negligente com o trabalho, mas para o qual o trabalho não é o centro da existência (SCHEIN, 1996). Criar uma rotina que permita conciliar a atividade de jornalista com a vida pessoal e outras atividades extraprofissionais configura-se como o caminho em torno do qual os portadores desta âncora entendem por sucesso. Porém, esta ideia, apesar de interessante e bastante esclarecedora para compreender a abrangência dos efeitos desta âncora de carreira em seus portadores, contradiz de certa forma o encadeamento lógico do parágrafo anterior. Ora, se o trabalho não é o centro da existência da pessoa, é estranho esta identificação coletiva ter tamanha abrangência em sua rotina. Contudo, tem-se neste grupo profissionais um olhar distinto sobre o fazer jornalístico. Estes consideram a relevância e seriedade de suas tarefas, porém a dosam com uma proporção mais similar à de outras profissões, não permitindo que seu envolvimento, apesar do fascínio e paixão pela função, interfira em seu bem mais precioso, sua vida privada.

Entre os 15 profissionais com âncora de carreira de estilo de vida, oito já tiveram outras passagens pelo Grupo Estado, destes, cinco são mulheres e três homens. Essa leve maioria de 53,3% pode indicar que a empresa oferece condições que se adequam às suas necessidades de conciliar trabalho e vida pessoal, e que estes jornalistas retornaram à empresa possivelmente após não encontrar este contexto em outras organizações. Entre os homens, 3 dos 4 que têm âncora de estilo de vida já estiveram por mais de uma vez dentro do Grupo Estado – entre as mulheres, são cinco de 11. Ou seja, para estes profissionais a procura por condições de trabalho que harmonizem com suas expectativas pessoais se sobrepõe ao eventual orgulho de retornar ou não para uma organização na qual já trabalharam e da qual podem já ter sido demitidos outrora.

Por valorizar o equilibro entre as diferentes necessidades, o indivíduo tende a buscar pela estabilidade geográfica e a valorizar a flexibilidade no trabalho, para dedicar tempo, não só às necessidades da carreira, como às demais (SCHEIN, 1996). Esta característica da âncora estilo de vida indica o quanto conseguir reunir e conciliar todos os eixos de sua vida em uma distância geográfica viável influencia sua percepção de sucesso. Ou seja, trata-se de uma âncora que pode dificultar a aceitação de mudanças geográficas. Dentre os 15 jornalistas que possuem essa âncora, apenas três não cursaram faculdades na cidade de São Paulo, os outros 12 estudaram na capital paulista e aqui trabalham. Como o local de nascimento e criação de cada profissional não foi perguntado na pesquisa não é possível associar com certeza os dois fenômenos, porém é interessante ressaltar que 80% dos jornalistas com âncora estilo de vida trabalham na mesma cidade onde cursaram faculdade.