• Nenhum resultado encontrado

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS DE PESQUISA

5.3 Análise das Âncoras de Carreira e impacto nas carreiras

5.3.5 Serviço e Dedicação a uma causa

Contrariamente à premissa de que esta âncora seria uma das mais incidentes entre os jornalistas que atuam no Grupo Estado, pudemos observar que foi a quarta mais recorrente entre as sete apontadas na amostra de 56 profissionais. Apenas sete jornalistas, ou 12,5% do total, apresentaram âncora de serviço e dedicação a uma causa. Partiu-se dessa premissa por se acreditar que se encaixava perfeitamente na descrição de Schein (1996, nesta âncora, procura-se sempre por oportunidades de trabalho em que alago útil possa ser feito, para ajudar os outros e o mundo que nos cerca. Prevalece o desejo de melhorar o mundo de alguma

forma. Poucas profissões têm sua imagem tão associada à ideia de servir e contribuir com a sociedade, afinal o conceito de democracia geralmente vem acompanhado do preceito de uma imprensa livre e que evidencie os fatos. As particularidades desta âncora vão ao encontro ao senso comum dos ideais do jornalismo. Portanto, os jornalistas, como trabalhadores da informação, deveriam ser os primeiros a acreditar em seu potencial utilitarista e transformador.

O dinheiro não se faz prioritário diante do reconhecimento e da sensação de colaborar

com alguma transformação (SCHEIN, 1996). Esta afirmação se encaixa naturalmente com a

realidade da profissão do jornalista que foi enunciada até aqui nesta dissertação. A decisão pela carreira de jornalista tem início na busca por contribuir com algo maior e poder melhorar ou ao menos modificar um pouco o status quo. Como foi exprimido ao longo da dissertação, o ímpeto alterador é um dos motores da escolha por esta profissão, por meio da revelação de fatos, e indiretamente, da formação de uma opinião pública mais crítica e combativa.

O jornalismo não é uma profissão com fama de boa remuneradora, entretanto, carrega consigo o estigma de colaborar com algo maior. Um sinal de que o salário não é o mais importante é que entre os sete jornalistas com âncora de carreira de dedicação a uma causa, cinco são repórteres, os mais baixos nas faixas de remuneração. Um é editor assistente e outro é repórter especial, com status mais privilegiado em termos financeiros e de reconhecimento interno. E o fato de ser uma profissão pública em boa parte do tempo, com o nome exposto, traz um prestígio popular que igualmente costuma fazer parte do pacote de “remunerações não financeiras” que grandes empresas jornalísticas agregam não declaradamente a seus contratos.

Entre os sete jornalistas com âncora de dedicação a uma causa, quatro são homens e três mulheres. Portanto, uma amostragem bem equilibrada e indicativa de que para jornalistas a âncora pode incidir com a mesma probabilidade sobre ambos os sexos. Deste total, um trabalha no Grupo Estado há menos de um ano, quatro têm entre 2 e 8 anos de empresa, e dois possuem mais de 15 anos na organização. Ou seja, há profissionais de 26 a 55 anos com esta âncora de carreira, que chamam a atenção, uma vez que devem ser movidos por uma forte noção de entrega à causa do jornalismo e sua permanência na empresa deve estar diretamente associada à sua âncora e ao fato de trabalharem em um dos maiores jornais brasileiros.

Nenhum entre os sete jornalistas com âncora de serviço e dedicação a uma causa é filiado ao Sindicato dos Jornalistas, o que revela um paradoxo interessante. Ao mesmo tempo em que a causa comum – ou seja, a transformação e melhoramento do mundo – lhes importa, a luta pela própria classe profissional aparece em um plano secundário. Esta taxa alta de não

filiados ao sindicato pode indicar uma modificação na maneira como os jornalistas percebem sua profissão – talvez sinalizando descrença na capacidade de órgãos coletivos como sindicatos melhorarem algo para a categoria.

Contrariamente ao que ocorria até pouco tempo atrás, o número de profissionais sem contrato de trabalho formal dentro do Grupo Estado caiu. Apenas um dentre os sete respondentes não está contratado em regime CLT. No entanto, quatro dos sete jornalistas com âncora de carreira de serviço e dedicação a uma causa iniciaram as atividades dentro da empresa sem estar oficialmente registrados. Os números indicam uma mudança de postura da empresa e igualmente o fato de os jornalistas aceitarem iniciar seu trabalho sem vínculo formal – pelo fato de acreditarem estar contribuindo para melhorar a vida de outras pessoas.

Segundo Schein (1996), buscam posições mais influentes a fim de compartilhar seus valores pelos níveis mais altos da organização, mesmo que haja a necessidade de mudar de organização e promoções não são aceitas se implicarem em desvio deste tipo de trabalho. Desta maneira, observa-se também certa inflexibilidade destes profissionais quanto aos seus objetivos e ao que os satisfaz. Querem ser reconhecidos moralmente e não financeiramente: premiações por sua contribuição e dedicação são bem-vindas, em detrimento de recompensas por resultados.

Podem ser feitas algumas leituras sobre o baixo número de jornalistas com esta âncora em relação ao total da amostragem, sete de 56, ou 12,5%. Talvez tenha havido uma transformação nos ideais que movem os profissionais, com uma adaptação de uma relação mais clara de troca entre a empresa e o jornalista. Ou o contexto geral incerto da profissão e da situação das empresas de mídia, as principais empregadoras, incita uma desconfiança generalizada sobre a carreira. Cabe questionar se a baixa oferta de postos de trabalho em redações provocou algum tipo de transformação nas expectativas e ambições destes profissionais. A opção pelo jornalismo teria então passado a ser avaliada como outra profissão qualquer, com seus altos e baixos, perdendo o poder encantador da transformação.

Sobre a âncora de carreira de serviço e dedicação, é plausível dizer que se trata de uma âncora mais emocional, mais visceral e talvez menos racional que as outras, que ponderam mais fatores. Pessoas com esta âncora possuem uma obstinação pelos ideais que, se por um lado, é inspiradora e motivadora por estar procurando o bem comum, pode cegar seu portador para outras necessidades. Entretanto, estamos falando de um conjunto de valores que fazem sentido para cada pessoa e que compõem um quadro de satisfação particular e sintonia com os próprios apegos. Um dos pontos positivos da âncora, ao menos no universo do jornalismo, é a sua capacidade de suscitar resiliência, ou seja, de não permitir que os jornalistas desistam de

seu objetivo por conta das frustrações que a realidade do mercado impõe. Ao mesmo tempo em que é a âncora de carreira mais suscetível aos desencantos do ofício, é igualmente a que mais pode oferecer pilares para continuar insistindo e buscando satisfação na vida profissional.