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A técnica utilizada neste estudo foi a ETCC ou, da sigla em inglês, tDCS (Transcranial Direct-Current Stimulation), uma técnica não invasiva, indolor, segura e de baixo custo, capaz de modificar, através de correntes elétricas diretas, a atividade do córtex cerebral (SILVA et al., 2011; PARRA et al., 2015). Pode ser utilizada em crianças, adolescentes, adultos e idosos, desde que não apresentem contraindicações. É considerada uma ferramenta moduladora da plasticidade neuronal; em uma revisão sistemática sobre o uso do método em crianças com transtorno do espectro autista, houve melhora em aspectos como sociabilidade e vocabulário (FERNANDES et al., 2017). A corrente contínua aplicada através de eletrodos cutâneos superficiais gera alterações bidirecionais na excitabilidade cortical, podendo induzir hipo ou hiperatividade temporária na região correspondente (SCHESTATSKY, 2015; COLOMBO et al., 2015). O método é efetuado a partir da colocação de eletrodos de cargas positiva (cátodo) e negativa (ânodo) sobre a projeção da área cerebral que se deseja estimular. Entretanto, parece haver efeitos não limitados ao local de aplicação, mas também em suas extensões por redes neurais subcorticais conectadas (OKANO et al., 2013; FERNANDES et al., 2017).

A ETCC também modifica sinapses mediadas por N-metil-D-aspartato (NDMA), um aminoácido excitatório agonista do neurotransmissor glutamato. O glutamato, por sua vez, é o neurotransmissor excitatório mais abundante no sistema nervoso central humano e está envolvido nos mecanismos de aquisição de memórias e aprendizado, ou seja, modificando as sinapses mediadas por NDMA, a ETCC favorece a excitação do neurônio. Também interfere na atividade gabaérgica; o GABA (ácido gama-aminobutírico) é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central dos humanos. Além disto, a ETCC modula os neurônios intracorticais (os que ficam dentro da camada mais superficial do cérebro) e corticoespinhais (os neurônios que têm seu trajeto do córtex até a medula espinhal) (SCHESTATSKY, 2015). Fernandes e colaboradores (2017) sugerem que a ETCC também resulta em modulações da neuroplasticidade pelo mecanismo dependente de fator neurotrófico derivado do cérebro (Brain-Derived Neurotrophic Factor – BDNF). O BDNF é uma proteína que funciona como fator de crescimento, auxiliando a manutenção dos neurônios já existentes no sistema nervoso central e periférico e fomentando o crescimento e diferenciação de novos neurônios.

A ETCC não induz despolarização do potencial de ação da membrana neuronal, apenas modula a atividade neuronal espontânea de base, ou seja, não faz passar uma corrente elétrica adicional à que já existe na membrana neuronal, apenas modula-a. E esta ação é polaridade-dependente, ou seja, depende de onde se posicionam os eletrodos: o ânodo aumenta a atividade dos neurônios daquela área, enquanto o cátodo inibe-a (SILVA et al., 2011; SCHESTATSKY, 2015). Assim, a corrente aplicada modifica a excitabilidade e a taxa de “disparos” de um grupo de neurônios em resposta a inputs adicionais, ou seja, estímulos extras proporcionados ao sujeito (COLOMBO et al., 2015).

O equipamento necessário (Figura 19) inclui fundamentalmente uma bateria, que funciona como estimulador da corrente contínua, e eletrodos, que são pontos condutores de corrente elétrica. Na ETCC, os eletrodos são de metal ou de látex condutivo, acoplado a um pequeno bolso com uma esponja perfurada, saturada com soro fisiológico (cloreto de sódio) ou gel condutor (WOODS et al., 2015). O bolso serve como protetor da pele contra modificações do pH local (acidificação ou alcalinização), que podem ocorrer pela passagem da corrente e ocasionar alterações de pele. Os eletrodos não devem ser colocados diretamente sobre a pele. É possível utilizar gel anestésico local para amenizar sintomas comuns da estimulação, como sensação de formigamento, queimação ou prurido. A pele deve estar livre de lesões, pois elas podem interferir na condução da corrente elétrica e magnificar sensações de desconforto. O cabelo deve ser afastado e produtos cosméticos (cremes, géis, loções) devem ser removidos. Indivíduos calvos ou com pelos corporais removidos no escalpo apresentam melhor efetividade na aplicação do método (SILVA et al., 2011).

Figura 19: Equipamento para ETCC: soro fisiológico, equipamento, cabos, faixas de látex, esponjas, eletrodos, baterias e fita medidora

Fonte: SILVA et al., 2011.

Para a instalação do equipamento, o sujeito deve estar sentado confortavelmente. A colocação dos eletrodos determina o posicionamento de um ânodo e de um cátodo sobre escalpo, com o objetivo de modular uma área particular do cérebro. O posicionamento dos eletrodos está geralmente guiado pelas diretrizes do “Sistema Internacional Eletroencefalográfico 10-20” (SILVA et al., 2011; SCHESTATSKY, 2015). Este sistema (Figura 20) é um método padronizado de validação internacional utilizado para descrever e aplicar a localização de eletrodos do couro cabeludo no contexto de um exame de eletroencefalograma (EEG), polissonografia (exame do sono) ou outras pesquisas com colocação de eletrodos no escalpo. O método foi desenvolvido para garantir que os resultados de diversos estudos que utilizam estas técnicas pudessem ser compilados, reproduzidos, analisados e comparados usando o método científico. O sistema baseia-se na relação entre a localização de um eletrodo e a área subjacente do cérebro, especificamente o córtex cerebral. Os “10” e “20” referem-se ao fato de que as distâncias reais entre os eletrodos adjacentes são 10% ou 20% da distância total

frente-trás ou direita-esquerda do crânio (CANTARELLI et al., 2016). A orientação dos eletrodos fixados no escalpo é que define as mudanças de excitabilidade proporcionada pela ETCC: a estimulação do ânodo aumenta a excitabilidade cortical próxima à área em que está fixado o ânodo, enquanto a estimulação do cátodo inibe a excitabilidade cortical adjacente à área onde está localizado o cátodo (SCHESTATSKY, 2015). Importante destacar que, embora em eletroquímica geralmente chamemos o ânodo de polo negativo e o cátodo de polo positivo, a metodologia da ETCC usa esta nomenclatura de forma diversa. Neste contexto, “ânodo” é chamado de polo positivo, indicando o ponto onde a corrente positiva flui para dentro do corpo, enquanto “cátodo” é chamado de polo negativo, indicando o ponto onde a corrente positiva sai do corpo. Esta forma de usar a nomenclatura aponta que ela indica, na verdade, o estado emissor ou receptor de corrente a partir do equipamento (SILVA et al., 2011).

Figura 20: Posição de vértice. Áreas do escalpo marcadas conforme o sistema 10/20.

Fonte: SILVA et al., 2011

O sujeito deve estar acordado para iniciar a sessão. Durante a passagem de corrente elétrica não deve haver remoção ou reposicionamento dos eletrodos; se ajustes forem necessários, a passagem de corrente deve ser interrompida. O equipamento modula a passagem de corrente para aumentar e diminuir gradualmente no início e no final da sessão. O aparecimento de sintomas muito

relevantes permite um ajuste de corrente de até 50% à medida que o sujeito adapte- se ao estímulo e possa continuar normalmente a sessão (SILVA et al., 2011; (WOODS et al., 2015).

Segundo Brunoni e colaboradores (2012), a dose da ETCC é dada por: intensidade da corrente (em miliamperes - mA); duração do estímulo; montagem dos eletrodos (tamanho e posição). A segurança do método está diretamente relacionada à densidade de corrente (intensidade da corrente elétrica dividida pelo tamanho do eletrodo). Com relação a efeitos adversos, a ETCC tem se mostrado bastante segura. Os sintomas relatados não chegam a ser raros: a revisão sistemática de Brunoni e colaboradores (2011), que avaliou 209 estudos realizados entre 1998 e 2010, mostrou que em 63% deles havia o aparecimento de pelo menos um sintoma. Os mais frequentes foram: prurido (39%), formigamento (22%), cefaleia (14%), desconforto (10%) e sensação de queimação (8%). Entretanto, todos os sintomas foram relatados como leves e não constituíram restrição à continuidade do programa ou à segurança do sujeito.

Shiowaza e colaboradores (2017) alertaram para a necessidade de mais estudos sobre a segurança do método. Em um artigo de revisão, apontaram a associação com episódios de mania (condição psiquiátrica caracterizada por euforia e hiperatividade) após o tratamento com ETCC. Esta revisão selecionou apenas ensaios clínicos controlados e os estudos que mostraram a tendência utilizaram até 12 sessões (de 2 mA cada) de ETCC, em pacientes com diagnóstico de depressão. Ressalvam que os episódios de mania verificados posteriormente podiam dever-se a um subdiagnóstico prévio de bipolaridade (doença em que o sujeito já estaria vulnerável a ter episódios maníacos) ou ao uso concomitante de medicações antidepressivas ou estabilizadoras de humor, ambos fatores confundentes desta interpretação de causalidade. O assunto, entretanto, merece mais estudos.

A estimulação simulada, ou placebo, já foi descrita no guia técnico de Woods e colaboradores (2015) e na revisão sistemática de Parra (2015). O termo “placebo” designa um procedimento, medicamento ou terapia inertes, sem efeito verdadeiro, que, contudo, pode proporcionar uma percepção de resultado no sujeito através de mecanismos psicológicos sobre a crença de estar recebendo uma intervenção. O termo vem do latim placere, que significa “agradar”. Em estudo constante nesta revisão, em que o desfecho era a avaliação de dor enxaquecosa, a diminuição da dor nas sessões verdadeiras foi da ordem de 18% e nas sessões placebo, 11%. A

ocorrência de eventos adversos frequentes, porém de intensidade leve e com evolução favorável representa, na verdade, uma característica interessante para a condução de estudos de ETCC com placebo. Normalmente, na metodologia dos estudos com humanos é fácil o uso de placebo com administração de medicamentos, mas nada fácil com o uso de procedimentos ou experiências sensoriais. No caso da ETCC, o uso de placebo tem sido considerado eticamente aceitável e permite desenhos metodológicos mais acurados.

A duração preconizada na literatura para uma sessão de ETCC varia de 14 a 20 minutos. Os efeitos duram cerca de uma hora, mesmo após cessada a estimulação. As contraindicações incluem doenças médicas instáveis ou condições que aumentem o risco de efeitos adversos (como epilepsias ou neuropatias), ou ainda presença de implantes metálicos próximos às áreas de colocação dos eletrodos (SILVA et al., 2011; SCHESTATSKY, 2015).

Durante a ETCC, o recurso da realidade virtual pode ser utilizado concomitantemente, através de óculos que permitem a sensação de ver imagens em 3D. Este recurso representa um input adicional, ou estímulo extra, capaz de ativar áreas distintas do cérebro e potencializar os efeitos neuroplásticos da ETCC (SCHESTATSKY, 2015; LOPES, 2017). As imagens exibidas podem ser customizadas, adicionando um caráter imersivo, lúdico e afetivo à intervenção.