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A estratégia do estabelecimento das ZEEs

CAPÍTULO 3: POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE IDE E IMPLANTAÇÃO DAS ZONAS

3.4 A estratégia do estabelecimento das ZEEs

Uma das principais questões enfrentadas, no início das reformas econômicas, era como atrair capital externo num país em que, até 1979, não havia nenhuma empresa estrangeira em operação, e cuja economia era regida pelo sistema de planejamento central. Adicionalmente, havia risco de potenciais revezes políticos, quando da implantação das reformas, caso os resultados não fossem satisfatórios, bem como de possíveis interferências políticas na própria gestão das empresas.

Com vistas a dirimir essa questão, no início dos anos 80 foram criadas86 as Zonas Econômicas Especiais87 (ZEEs) – conceito mais amplo do

84 Além disso, “(…) new measures clarified the existing arrangements that joint ventures had

autonomy in making decisions outside of plan targets, in setting salaries and bonuses, and in hiring senior management personnel. Furthermore, equity joint ventures were granted privileged access to supply of water, electricity and transportation (paying the same price as state-owned enterprises) and to lower interest loans” (CARDOSO e FLORES, 2005)

85 O objetivo do novo marco normativo era “(...) to improve the investment environment, facilitate

the absorption of foreign direct investment, introduce advanced technology, improve product quality and expand exports in order to generate foreign exchange and develop the national economy” (CHEN, 2011, p.53)

86 Em 15 de julho, a proposta de Guangdong foi aceita pelo Comitê Central, transformando-se

no documento de n° 50, que garantia a Guangdong e Fujian a possibilidade de definir “a special

policy, with flexible measures” (teshu zhengce linghuo cuoshi) (VOGEL, 2011). A resolução foi

aprovada pelo Comitê Permanente em 26 de agosto de 1980, data oficial do estabelecimento das quatro zonas econômicas especiais (ZHU, 2006).

87 No encontro que Deng sugeriu a Xi Zhongxun, secretário do Partido na província de

Guangdong, ficou acertada a denominação zonas especiais, em referência à região fronteiriça em Shaan-Gan-Ning (Shaanxi–Gansu-Ningxia) - base socialista ao final da Longa Marcha que serviu de laboratório para reformas de cunho bastante moderado (próximo ao sistema de

que zona de processamento de exportação (vide Quadro 1) –, com o fito de criar um ambiente propício à realização dos investimentos produtivos, por meio da concessão de incentivos fiscais e tributários, legislação específica e garantia de suprimento de insumos. A Figura 3 mostra a localização das quatro ZEEs iniciais: Shenzhen (perto de Hong Kong), Zhuhai (próximo a Macau), Shantou e Xiamen (próxima a Taiwan) e sua disseminação, em moldes semelhantes, ao longo da década de 80 e início dos anos 90.

Figura 3 – Mapa da China contendo a localização das ZEEs

Fonte: Beyond Plan B.

responsabilidade familiar implementado na China no início dos anos 80) - no lugar de zona de processamento de exportações. Deng Xiaoping disse na oportunidade: “Certo! Nós devemos

construir uma zona econômica especial”. No passado, a fronteira Shanxi-Gansu-Ningxia era uma zona especial! (ZHONGSHAN CHINA, 2009; SAICH, 2001). Segundo Sit (1985), as zonas são

denominadas como ”especiais” no sentido de que diferentes conjuntos de leis e regulamentos passam a vigorar nas referidas zonas, fazendo as mesmas operarem e se desenvolverem de uma maneira distinta em relação ao resto do país.

A principal vantagem dessa estratégia era insular a zona do restante da economia, permitindo uma maior liberdade de operação às empresas estrangeiras sem que isso afetasse o comportamento da economia como um todo, dentro da lógica de “um país, dois sistemas”. Às ZEEs era conferida autonomia para a elaboração das próprias leis com vistas a assegurar as condições para o desenvolvimento econômico da região, desde que os atos normativos não conflitassem com a Constituição chinesa e as leis nacionais do país. Dessa maneira, abria-se o espaço para a inovação institucional no campo econômico, nos marcos do gradualismo chinês.

Em segundo lugar, o estabelecimento das ZEEs em regiões geograficamente próximas às “províncias rebeldes” (Hong Kong, Taiwan e Macau) facilitava a atração de recursos dessas regiões88, e colaborava no front

da política externa de reconstruir a “Grande China”, ao criar maiores conexões econômicas entre o continente e as províncias supracitadas, o que tenderia a facilitar o processo de reunificação.

Outra vantagem era a concentração dos investimentos de infraestrutura em uma área significativamente menor, tornando-se mais viável a realização dos investimentos estatais na área. Além disso, o posicionamento geográfico das ZEEs, defronte a Hong Kong, permitia aproveitar-se da infraestrutura alheia (tais como eletricidade e instalações portuárias89), para

suprir os gargalos domésticos (SIT, 1985).

As ZEEs também serviriam como uma espécie de laboratório para as reformas econômicas chinesas, porém sob a estrita vigilância do Estado90

(MCKEDNNEY, 1993)91. Assim, dentro de uma estratégia gradualista, seria

88 Ressalta-se que a existência de contatos/amigos para mediar as negociações foi considerada

“muito importante” por várias empresas que se instalaram no início do funcionamento das ZEEs, conforme identificado em entrevista realizada junto a essas empresas (KI, 1984).

89 A energia elétrica no distrito de Shekou (em Shenzhen) era distribuída pela China Light &

Power de Hong Kong (KI, 1984)

90 Seis ideogramas chineses servem para exprimir o papel das ZEEs no rol da estratégia chinesa

de reforma e inserção externa: 观察 (guānchá) (observar), 学习 (xuéxí) (aprender, estudar) e 实 验 (shíyàn) (experimentar).

91 Assim, a importância das ZEEs não se restringia unicamente à atração de divisas, sendo

também fundamentais na constituição de um experimento de uma estrutura econômica altamente integrada, conforme declarações de Wu Nansheng, chefe da administração da ZEE da província de Guangdong:

possível a adoção de medidas econômicas nas ZEEs que, se lograssem êxito, poderiam ser replicadas para as demais regiões da China92. Esse processo de

experimentação também era importante para corrigir problemas não previstos pelas autoridades, e, com isso, aumentava-se a chance de sucesso (LI, 2004).

Por fim, as ZEEs serviriam também como uma janela para a atração de tecnologia e conhecimento tanto técnico como gerencial93, o que demonstra

uma percepção mais ampla acerca dos requisitos para o sucesso econômico. Isso contrastava com a visão anterior, que atribuía ênfase excessiva na aquisição de tecnologia incorporada em máquinas e equipamentos.

Ademais, as autoridades chinesas demonstravam ter, aparentemente, clareza sobre os custos (e possíveis riscos) da estratégia de estabelecimento das ZEEs, dentre os quais se destaca o aumento da desigualdade regional, haja vista que essa política propiciaria o crescimento econômico mais acelerado nas áreas costeiras vis-à-vis as demais regiões do país. Em relação a isso, Deng dizia abertamente que não via problemas de alguns se enriquecerem antes dos demais94 (LI, 2011).

“It is hoped that through the SEZs China will be able to gain an understanding of the development

of modern capitalist economies, accumulate experience in the formulation of regulations for economic development programmes cooperating with overseas business, and obtain access to advanced technology and management techniques. This would suggest that the SEZs, in addition to their role as foreign currency earns, are intended to be more or less self-contained pilot projects for highly integrated economic activity. This high concentration of activity in a small area offers a greater administrative control and makes economic planning more tractable. The SEZs are a testing ground for integrated development in infrastructure, regulation and law, industrial projects, construction, tourism and foreign investments” (SIT, 1985).

92 Ressalta-se que a província de Guangdong contava com cerca de 80 milhões de pessoas,

contingente populacional maior do que o de vários países, o que propiciava a experimentação econômica numa escala suficiente para o dimensionamento dos custos e benefícios relacionados.

93Nas palavras de Deng Xiaoping (apud Ng e Tang, 2004) “(…) a window of technology,

management, knowledge and foreign policy. We [China] can then import technology and learn various kinds of knowledge including management techniques. The SEZs will also be a base for economic opening and a nurturing ground of human resources, hence expanding our external influences (SHAO, 1998, p. 9)”.

94 Nas palavras de Deng, "Let some localities in the country [...] prosper first [...] for they will set

O mesmo conceito de Deng se aplicava, analogamente, à questão do aumento da desigualdade de renda. O pressuposto desse raciocínio era de que isso não geraria maiores problemas para a administração do país, uma vez que elevadas taxas de crescimento – mesmo nas províncias menos dinâmicas – fomentariam a expectativa de melhorias das condições materiais no futuro. Na próxima seção serão expostos os principais incentivos oferecidos pela China para a atração de IDE, e os benefícios adicionais conferidos quando tais

Quadro 1 - Compreendendo as diferenças entre ZEEs e ZPEs

Para uma melhor compreensão do que eram as ZEEs, torna-se interessante contrastá-las, nos termos de Ota (2003), com as Zonas de Processamento de Exportações (ZPEs), implantadas por vários países asiáticos.

Primeiro, há uma diferença substantiva em relação à dimensão espacial. As ZEEs geralmente possuem uma área territorial muito maior que a média das ZPEs. Como exemplo de ZEE, podemos citar a grande ilha de Hainan na China, em contraste com a maioria das ZPEs, que geralmente são meros enclaves numa cidade portuária.

Segundo, as diferenças de dimensão territorial acabam repercutindo de certa maneira no escopo das atividades econômicas desenvolvidas nas diferentes zonas. Enquanto as ZPEs estão prioritariamente engajadas no processamento e montagem de produtos manufaturados destinados à exportação, as ZEEs geralmente englobam uma maior gama de indústrias. Desse ponto de vista, as ZEEs podem ser consideradas como iniciativas muito mais ambiciosas do que as ZPEs em termos de política industrial.

Terceiro, e talvez a dimensão mais por importante, é que as ZEEs nasceram no contexto de implementação de reformas econômicas que tinham por objetivo introduzir várias instituições capitalistas. Dessa maneira, as ZEEs acabavam funcionando como uma espécie de laboratório para a criação de novos formatos institucionais – ao mesmo tempo em que o Estado mantinha controles rígidos sobre o funcionamento do restante da economia -, ao passo que as ZPEs se limitavam a ampliar a liberdade para o funcionamento dos mercados já existentes (WALL, 1991). Para cumprir com essa missão de servir concomitantemente como laboratório e janela para a aquisição de tecnologia do exterior, as ZEEs gozavam de substantiva autonomia e estrutura administrativa simplificada.

Quarto, as firmas que operavam nas ZEEs podiam ser de origem nacional ou estrangeira, e as mercadorias produzidas eram destinadas tanto ao mercado doméstico quanto à exportação, apesar deste último objetivo se revelar o mais importante para a decisão de investimento. Já nas ZPEs a maioria das firmas em operação era de capital estrangeiro e estava engajada na produção de produtos manufaturados com o objetivo de exportar, haja vista que o mercado interno desses países era geralmente diminuto. Cabe frisar, mais uma vez, que as ZEEs serviam tanto como instrumento para alavancar o crescimento das exportações quanto para promover a substituição de importações (CRANE, 1992).

investimentos eram realizados nas ZEEs e/ou alinhavam-se com objetivos governamentais de promover as exportações e a transferência de tecnologia.