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Estratégia de investigação

No documento O género como espartilho: moda e feminismo(s) (páginas 135-139)

CAPÍTULO III Como as metodologias vestem aqui os propósitos da investigação

3.1 Estratégia de investigação

O espartilho, peça de vestuário que constrange o corpo das mulheres, surge nesta tese como a peça invisível de uma dominação simbólica no interior da sociedade portuguesa, e da sociedade ocidental. Em que circunstância (social) o género funciona como um espartilho? Mais além, histórica e socialmente, de que nos fala a roupa

225

Erving Goffman, A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias (Lisboa: Relógio d’Água, 1993), 294.

226

Glaser e Strauss, The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research (Nova Iorque, 1967).

122 dela(s)? As entrevistas das nossas participantes foram construídas de modo a contemplar áreas de discussão à volta de quatro eixos temáticos principais (A, B, C, D) que colocam o foco nas conexões entre escolha vestimentária e desenvolvimento da identidade. Os significados da experiência e da concepção do vestir para as nossas participantes aliam-se à retórica da moda como acção discursiva de um corpo (de mulher), capacitado para muitos discursos - ‘o pessoal é político’ - do vestir, e apresentação ao cuidado de si, e à criação de uma identidade ‘socializada’ e socializadora entre gerações.

No decorrer da pesquisa subjacente a esta tese, deparámo-nos com a metodologia das facetas227, o que se revelou do maior interesse para construir um modelo de análise através de combinações e constelações de ‘facetas’ como podemos vê-las numa gema/pedra preciosa. Elas são concebidas como diferentes planos metodológicos e diferentes superfícies, que são desenhadas de modo a lançar e refractar luz de uma variedade de maneiras que ajudam a definir todo o tema – moda e feminismo(s) – criando focos/momentos na história (quotidiana) de modo a ser possível dar-lhe os vários sentidos que queríamos explorar. As facetas envolvem diferentes linhas de indagação e diferentes modos de ver.

Nesta abordagem deseja-se assim criar um conjunto estrategicamente iluminado em relação com preocupações específicas da multidimensionalidade da experiência vivida e de questões levantadas na procura de pontos/momentos de contacto entre moda, género e feminismo(s).

Para tal houve que desenhar uma carta conceptual que envolvesse um conjunto de perspectivas sobre elementos chave da história da moda, desde o presente até aos

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«Facet methodology: the case for an inventive research orientation», Jennifer Mason (Morgan Centre for the Study of Relationships and Personal Life, University of Manchester) in

http://www.socialsciences.manchester.ac.uk/morgancentre/our-research/real-life-methodologies/facet-

123 anos 20 do século XX. As nossas problemáticas de pesquisa oferecem vários ângulos e diferentes abordagens. A metodologia seguiu campos de pesquisa construídos através de combinações de ‘facetas’, como podem ser vistas num corte temporal, qual pedra preciosa (gema). Aquilo que procuramos ver ou descobrir é assim uma combinação daquilo para que estamos a olhar e o modo como estamos a ver (e como usamos os nossos métodos para o perceber).

Através de cada uma das participantes neste estudo, vamos mergulhar nas décadas em análise, importantes para o nosso objecto, e situadas dentro das fronteiras temporais definidas inicialmente (mulheres nascidas entre 1926 e 2000).

Para o tratamento do material e análise de conteúdo, seguimos ainda Isabel Carvalho Guerra228, a par do tratamento e da interpretação dos elementos iconográficos da própria entrevista, de acordo com a metodologia da história de vida, com o método biográfico e metodologias visuais. Como surge referido por Maria José Magalhães e Angélica Cruz na revista Faces de Eva, «investigar o significado das imagens visuais depende também do prazer, de emoções vivas, fascinações, admiração, medo ou reacção súbita da pessoa ao olhar imagens e ao escrever acerca delas. A autora [Gillian Rose] sugere que a metodologia seja utilizada para disciplinar a paixão, e não para a amortecer.»229 As metodologias visuais neste estudo são também importantes para caracterizar as opções de vestuário de cada participante e atribuir-lhe assim valores e condutas de época.

Foi pedido às entrevistadas que nos cedessem fotografias suas ao longo do tempo, a partir da adolescência, uma por década, para digitalização, e que irão surgir nos anexos, não só documentando como ilustrando os retratos sociológicos e

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Isabel Carvalho Guerra, Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo – Sentidos e formas de uso, 1ª edição 2006 (Lisboa: Principia, 2012).

229 Maria José Magalhães e Angélica L. Cruz, «Violência simbólica contra as mulheres», Faces de Eva 31

(Lisboa: Edições Colibri/UNL, 2014). Gillian Rose, Visual Methodologies, An introduction of Visual Materials, 2ª edição (Londres: Sage, 2007).

124 biográficos construídos para esta tese. Optámos por uma etnometodologia230, em que as participantes são capazes de reflectir sobre a suas práticas quotidianas e falar sobre elas (para o que contámos com o conceito de accountability/relatabilidade de Garfinkel231).

O conceito de retrato sociológico é aqui usado como instrumento metodológico que permite observar os recortes socioculturais dos actores sociais, nas suas práticas e representações. Retrato, no sentido de fixar no tempo um olhar sociológico sobre o objecto em análise. Usando uma metáfora da máquina fotográfica, o resultado final depende da qualidade da lente e da mestria de quem fotografa. Todavia, se se pretende fazer uma comparação entre retratos tirados em diferentes momentos históricos, então tem que se usar sempre a mesma lente. Metodologicamente, é isso que faremos, também neste trabalho, mesmo que isso possa parecer um pouco repetitivo na análise dos dados.

A cultura visual, e a auto-representação, ou representação de si, torna possível uma forma de análise do papel das mulheres através da moda (ocidental), sobretudo quando observamos a construção do vestuário ‘feminino’ e do(s) olhar(es) sobre este e sobre o corpo das mulheres – será também ele construção de um olhar que assimila uma cultura de violência de género? Como vivem e experienciam o fenómeno da moda no vestuário mulheres de três gerações e como são influenciadas por ele? Será que há uma forma autobiográfica de viver a moda? Haverá aqui uma história do género antes mesmo de ser narrada por quem a vive...?

O nosso estudo reúne assim múltiplos casos de cada uma destas unidades, que nos interessa comparar. Cada entrevista é um caso e, a outro nível, cada geração também, e um outro ainda será o caso intergeracional.

230

Amanda Coffey, The Ethnographic Self (Londres: Sage Publications, 2000).

231 Harold Garfinkel (1917-2011) foi professor emérito de Sociologia na Universidade da Califórnia (Los

Angeles), publicando em 1967 Studies in Ethnomethodology. O conceito de etnometodologia foi criado por Garfinkel em 1954.

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No documento O género como espartilho: moda e feminismo(s) (páginas 135-139)

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