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3 O NACIONAL POPULAR E A QUESTÃO AGRÁRIA

3.3 Estratégia popular e democracia

As questões orgânicas e democráticas aparecem no material de “metodologia popular” do MST tratadas de forma bastante similar à que conceitua Gramsci, definidas como parte da elaboração de uma nova concepção de mundo das classes subalternas. Este entendimento é trazido em pontos do Caderno 38 do MST quando, por exemplo, é tratado como aspecto fundamental a questão de que os intelectuais dentro do Movimento tenham a consciência da sua função orgânica junto da base, no que se sublinha o papel da “Educação como ato político” coerente com o Movimento de organização popular onde “não adianta o discurso revolucionário com uma prática reacionária” (MST, 2009, p.19). Por isso os intelectuais ao assumirem esta postura devem estar atentos “a marca do autoritarismo” que se reproduz no Brasil constantemente, mesmo nos movimentos de esquerda e que provocam o “silêncio do povo” (Cf. idem).

Encontramos na segunda parte do Caderno 38 (2009) textos escritos, em sua maioria, por Ademar Bogo, um dos líderes do movimento, para cursos de capacitação e formação de dirigentes e militantes do MST entre os anos de 1999, 2000, 2001 – período anterior e subsequente ao 4º congresso nacional do MST - e 2008. Os títulos “Como Fazer uma Reunião”, “O papel da formação no trabalho de base”, a importância da mística em

“A Mística: parte da vida e da luta” (Cf. MST, 2009), apesar de alertarem para a importância de não serem tomados como “receitas”, trazem as aplicações práticas da primeira parte do Caderno (voltada aos princípios do trabalho de base) aproximadas ao contexto do MST, incorporando alguns desafios e características próprios do Movimento, como a Mística. Da mesma forma, é possível identificar elementos que fazem parte do “balanço crítico” do MST no período advindo de críticas ao dia-a-dia nas CPAs, bem como, da estrutura interna no geral – que aparecerem de forma mais pontual nesta parte do Caderno, como no item “não saber combinar atividade de direção com ação de massas”:

É fundamental evitar o assistencialismo no trabalho de massas, isto traz consequências graves para o futuro tanto na fragilidade da organização quanto para inibir o desenvolvimento da consciência política dos trabalhadores. O assistencialismo serve aos líderes personalistas por isso é prejudicial também para se confirmar o método de direção democrático e participativo. Por isso nunca se deve: • negociar pelas massas • resolver pelas massas • decidir pelas massas • radicalizar pelas massas, são formas de impedir o crescimento político ideológico da organização, e querer transformar o líder em figura mais importante que as instâncias e a própria organização (MST, 2009, p.96).

Este discernimento vai ao encontro do que Gramsci formula sobre a hegemonia enquanto relação pedagógica. Não se restringindo às relações especificamente “escolares”, é a consciência de que como um vínculo recíproco “todo professor é aluno e todo aluno, professor”. O contato entre intelectuais e simples, assim, é profícuo na aplicação da metodologia popular para a agroecologia pelo fato da experiência de vida dos assentados/agricultores no campo representar um conteúdo desenvolvido de forma não-convencional na agricultura, que embora não sem conflitos e rupturas, ajudam a “amadurecer” a construção de um novo projeto para o meio rural, uma nova concepção de vida nesse espaço. Essa relação oferece condições para o surgimento de um novo tipo de filósofo, que Gramsci (1999, CC11, § 44 p. 398) chamou “filósofo democrático”, isto é:

[...] do filósofo consciente de que a sua personalidade não se limita à sua individualidade física, mas é uma relação social ativa de modificação do ambiente cultural. Quando o “pensador” se contenta com o próprio pensamento, “subjetivamente” livre, isto é, abstratamente livre, é hoje motivo de troça: a unidade entre ciência e vida é precisamente uma unidade ativa, somente nela se realizando a liberdade de pensamento (idem, p.400).

Gramsci, deste modo, proporciona uma forma particular de enxergar a atividade educativa/filosófica. Para o autor, ela não é uma atividade característica do intelectual-filósofo, não há, em gênero, uma distinção entre a chamada “filosofia científica” e a “filosofia vulgar e popular”, a não ser em graus de complexidade. Desta forma, afirma

que “todos os homens são ‘filósofos” (GRAMSCI, 1999, CC11, §12, p.93), ainda que não exerçam uma atividade propriamente filosófica. Já que para Gramsci “na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na “linguagem”, está contida uma determinada concepção do mundo” (idem). No entanto, esta filosofia aparece na maior parte do tempo enquanto acrítica e desordenada. Com este argumento, Gramsci reitera a centralidade do papel dos intelectuais. Trabalhando necessariamente dentro das condições reais existentes, nas contradições objetivas da realidade, o intelectual ou grupo de intelectuais atua no movimento histórico em razão da classe em que se origina, ao se organizar, passa a integrar o Príncipe moderno, que consiste num “elemento de sociedade complexo no qual já tenha início a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação” (GRAMSCI, 2007, CC13, §1, p.16).

As fragilidades do movimento de massas, assim, são consideradas como as contradições que perpassam a longa vida do movimento e a discussão passa a centralizar as implicações deste fato como “questões dialéticas”. É o que vemos em outros pontos do texto como no “o método no movimento das contradições” quando se discute as implicações dialéticas entre o movimento interno e externo da luta política, a necessidade de se elaborar os elementos estruturantes centrais da ação, como “sensibilizar a sociedade para a reforma agrária” e os “requisitos orgânicos” internos dessa ação (Cf. idem, p.88); “Conduzir o movimento em “linha reta”; “Desvincular democracia de organicidade” e “Dogmatizar formas organizativas” que retoma a proposta do materialismo histórico como movimento, desenvolvimento, criação permanente, que não pode ser transformado em dogma. “Tudo evolui inclusive as concepções ideológicas, que para se manterem vivas devem ir assimilando os avanços que o movimento das contradições proporciona” (idem, p.92).

Em suma, as orientações atentam para aplicabilidade da metodologia popular, para a efetividade da proposta de Reforma agrária popular no interior do MST e sua projeção externa. A superação dos obstáculos colocados pelas condições objetivas e subjetivas advindas da reprodução da concepção de mundo dominante, aparecem assim, como finalidade no horizonte do MST, na construção de suas diretrizes numa perspectiva de totalidade e “concepção de mundo”. Assim, se estabelece um desafio frente ao domínio das oligarquias fundiárias e às consequências de sua atuação como “pião de transição para o Brasil moderno” (FERNANDES, 1974, p. 210).