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4 DA SUBALTERNIDADE À AUTONOMIA: A DIFÍCIL TRAVESSIA

4.2 O PT: partido e governo

Como “ramos do mesmo cepo”, o MST e o PT foram fundados num mesmo período – junto com a CUT (Central única dos trabalhadores), como organizações que surgem em meio às lutas efervescentes na última década da ditadura militar (1964-1985), frente ao acirramento nas contradições políticas do regime e a insatisfação popular com a crise instaurada na economia. O Partido dos Trabalhadores, fundado em fevereiro de 1980, representa, neste contexto, a consequência de uma agudização da luta de classes, uma alternativa de trabalhadores para trabalhadores, fora do horizonte desenvolvimentista e das alianças com a burguesia brasileira (PINASSI, 2013).

Cria-se assim, um partido que tem “a luta pela democracia e pelo socialismo no centro estratégico de seu projeto” (ALMEIDA, s/d, p.1), que propõe uma reconstrução no caminho da “Questão nacional” através da ação ativa das massas, vislumbrada na

aliança formada com o “novo sindicalismo” – que dá origem à CUT –, contra a ditadura militar e crítico à “pelegagem81” dentro dos sindicatos. Nesta conjuntura, o MST recompõe em novas bases a luta pela terra e pela Reforma Agrária, aglutinando no Movimento os atingidos pela industrialização truculenta do campo, impulsionadas pela Revolução Verde (PINASSI, 2013, p.2). Concentravam-se em torno do PT intelectuais de esquerda de diferentes orientações com o propósito de uma grande inovação do sistema político-partidário brasileiro, um projeto crítico e essencialmente democrático que alcançava além das tendências atuais a época (ALMEIDA, s/d, p.1):

[...] o PT assumia um lugar único na política mundial, criticando as experiências socialistas existentes, a burocratização do Estado e do partido, o modelo econômico centralizado, as formas políticas autoritárias, etc. E, ao mesmo tempo, assumiria uma posição anti-capitalista, recusando trilhar os caminhos da social-democracia e do revisionismo, procurando construir um projeto de socialismo efetivamente democrático.

A década de 1980, desta forma, foi marcada pela crise na hegemonia burguesa nas vias como propunha o período ditatorial e a disputa entre um projeto liberal (antipopular) e um projeto popular liderado pelo PT. A correlação de forças formada pela tríade PT-MST-CUT, era, neste momento, suficiente para impor aos demais partidos e associações da sociedade civil uma tomada de posição, propor e definir as pautas/agendas das grandes questões nacionais, “buscando a organização de setores díspares da população, com interesses difusos, a conquista de reformas de intenso significado histórico, político e social” (idem, p. 2).

A tática eleitoral fora desde o princípio um consenso para a maioria das tendências dentro do PT, uma vez que representava a retomada da democracia no país. Durante algum tempo, estratégias de enfretamento, como greves e ocupações, caminharam junto ao foco eleitoral, mas um contorno político definitivo se deu com o fim da ditadura, que apontou a saída petista como alternativa real para a classe trabalhadora e destacou as duas linhas de ação: de menor resistência e foco eleitoral e a dos caminhos para a transição socialista, que em últimas circunstâncias, implicou em dissidências (PINASSI, 2013, p. 3).

A linha de menor resistência, no entanto, para Pinassi (2013) não decorre estritamente de uma convicção política, mas de três fatos que mudaram o cenário

81 Termo informal utilizado para ilustrar a relação de controle e domínio entre o Estado e uma organização da sociedade civil, de maneira velada. – Cf. BOITO JR. O sindicalismo na política Brasileira, Coleção Trajetoria, nº.8, Campinas: Unicamp/IFCH, 2005.

político/econômico brasileiro: o resultado da Constituição de 1988, como um significativo avanço democrático; a derrota do PT nas eleições de 198982 e em terceiro lugar e sobremodo determinante, as condições econômicas e sociais concretas impostas à classe trabalhadora brasileira pelo novo padrão de expansão e acumulação de capital, a ofensiva neoliberal no Brasil, a partir dos anos de 1990. Em consequência disto, afirma a autora:

[...] já na segunda metade dos anos de 1980, Lula se converte de líder operário em líder da “socialdemocracia dos trópicos”, tornando-se, entre nós, o paladino de um tardio e brevíssimo “Estado de bem-estar social”. Em que pesem as forças anticapitalistas que disputaram a hegemonia interna do PT, forças das quais passou a emanar uma radicalidade cada vez mais incômoda, a tendência moderada, responsável pelo fenômeno em que se converteu o lulismo, foi imperativa e adotou a via branda da negociação com a burguesia que se beneficiara da ditadura. E, ainda, a história de hoje nos permite afirmar que o programa democrático-popular do PT se tornou prevalecente porque inviabilizou todas as alternativas internas que ou apontavam em direção à revolução na ordem ou à ruptura com ela (idem, p. 4).

A partir de então, o PT e sua liderança mais expressiva, Lula, continuaram organizando as forças populares, se aproximando continuamente dos marcos da institucionalidade. O processo vivido pelo PT, desta forma, mesmo antes de Lula assumir a presidência da república, transparece aspectos do transformismo e uma síntese disto pode ser encontrada no conteúdo da Carta ao povo brasileiro, lançada em campanha no dia 22 de junho de 200283. Entre a promessa de quebra com a gestão passada de Fernando Henrique Cardoso, a Reforma agrária para “paz no campo”, a “desoneração da produção” e uma “ampla negociação nacional” foi dada a medida e o ritmo das reformas que estariam por vir (Cf. “LULA” da SILVA, 2002).

Durante os governos que seguem a vitória de Lula em 2002 e 2006 e Dilma Rousseff em 2010 e 2014, o PT assume, gradualmente, a continuidade de uma política de ajuste macroeconômico do governo precedente, como discutido na seção anterior, contrariando as expectativas para os rumos do projeto nacional que propunha (Cf. ALMEIDA, s/d, p.6).

82 Gelsom Rozentino de Almeida (s/d, p.4) entende a eleição de 1989, como um momento chave na trajetória do Partido, quando: “O programa econômico do PT na campanha de 1989 – na Frente Brasil Popular - era consciente dos limites impostos pela correlação de forças daquela conjuntura em que foi feito – favorável ao capital. Contudo, pretendia “democratizar” de tal forma a participação no mercado, sob a tutela do Estado e de uma lógica diversa, que até mesmo esse projeto “capitalista” seria visto naquele contexto como contrário aos interesses “dependentes e associados da burguesia no Brasil” (idem).

83 Carta disponível na íntegra do endereço da Folha online: