• Nenhum resultado encontrado

2 A REVOLUÇÃO PASSIVA BRASILEIRA E A QUESTÃO AGRÁRIA

2.3.4 O MST e a escola

As pautas abertas pelo atual projeto popular e agroecológico do MST deixam claro o confronto entre os objetivos do Movimento e o avanço do neoliberalismo no meio rural, uma postura compartilhada entre o MST e a Via Campesina. Outra preocupação que aparece em primeiro plano é quanto a formação de intelectuais tecnicamente preparados para orientar a produção em base ecológica. Neste caso, podemos apreender em nossas entrevistas o papel da agroecologia nos centros de formação do Movimento, à exemplo do que o diretor pedagógico da Escola Milton Santos em Maringá no Paraná, conta em entrevista:

Ela vai nascer (Escola Milton Santos) a partir do debate que o MST acumulou alguns anos anteriores e tomou como decisão política no IV congresso em 2000, que é sempre o marco temporal que a gente tem de decisão política das instâncias do movimento. No congresso, que é a instância maior do MST, em se decidiu construir a agroecologia como um dos pilares da organização do seu projeto dentro dos assentamentos e do seu projeto de campo, até para além dos assentamentos de reforma agraria, sabendo que isso é sempre um processo de construção, como se dá num movimento social. Então desde alguns anos antes, já existia um debate, uma percepção, um questionamento das consequências da revolução verde. Nem era o agronegócio constituído como ele tá hoje, e já se percebia, pelas experiências que se teve anteriormente, pelas consequências ambientais, econômicas, sociais, no aspecto de saúde e tudo mais. Até porque muitas vezes, nas próprias cooperativas que o movimento fundou, se copiou o modelo da revolução verde e isso trouxe consequências desde o camponês, desde as famílias até às cooperativas, que muitas delas não conseguiram se sustentar, porque foram fundadas pensando num planejamento, num investimento em linhas de produção de soja, né, tipicamente das monoculturas para exportação, que é do agronegócio. Então, em 2000 já se tinha um debate, um acúmulo suficiente para tomar essa decisão política, então desde ali, várias questões se desdobraram, desde o estímulo das iniciativas das famílias, das mais diversas formas, e algumas delas já tinham isso, suas experiências anteriores. Ainda resguardavam uma cultura camponesa, guardavam esse cuidado com sementes, com práticas de outras gerações, então já tinham iniciativas pessoais, mas

38 Termo originado na obra de George Sorel, trata das iniciativas de organização espontâneas das massas, que Gramsci reelabora em seus escritos buscando dar sentido à emancipação das classes subalternas (Cf. DEL ROIO, 2007, p.69).

também a promoção da agroecologia precisa ser estimulada (ENTREVISTADO 2).

Quanto a abordagem das disciplinas nas escolas, de acordo com Guhur e Toná (2012, p. 66), encontra-se em gestação uma concepção nova e recente do que é a agroecologia, que tem como pilar político os movimentos populares do campo. Desta forma, o novo paradigma produtivo é estudado e pesquisado para além de uma solução tecnológica paras as crises estruturais e conjunturais do atual modelo agrícola, mas como parte na estratégia de luta e enfrentamento ao agronegócio, à exploração dos trabalhadores e à depredação da natureza. Neste entendimento, a agroecologia é vista como inseparável da soberania alimentar e energética, bem como “[...] se insere na construção de uma sociedade de produtores livremente associados para a sustentação da vida, sociedade na qual o objetivo final deixa de ser o lucro e passa a ser a emancipação humana” (NETO, 2014 in NOVAES et al., 2015 p. 217). Frente a isso:

[...] o MST decidiu criar escolas, alternativas às escolas estatais, que formassem técnicos de acordo com suas necessidades. Para criar as escolas o Movimento se apoiou na sua proposta educacional e nos anos de experiência, mas foi preciso contar, também, com o envolvimento dos seus educadores para a elaboração de um novo currículo voltado para agroecologia (NOVAES et al., 2015 p.223).

São cerca de 30 escolas no Brasil, a maioria concentrada na região Sul do Brasil, principalmente no Paraná. Os cursos são realizados em uma parceria do MST com instituições públicas de ensino, através de recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), certificados pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) (Cf. NOVAES, SANTOS, 2014 in NOVAES et al., 2015, p. 223).

Os principais objetivos dos centros de formação, apresentado no documento do MST-PR (Cf. LIMA, 2011, apud NOVAES et al., 2015,p. 223) estão em: atuar como espaço de formação da classe trabalhadora; local para encontros entre o MST e outras organizações que busquem os mesmos objetivos na transformação social; ser uma referência no desenvolvimento de experiências na área de produção agroecológica; ser espaço para desenvolvimento de valores humanistas, socialistas, desenvolvidos através da vida coletiva; aperfeiçoamento do método para formação técnica e política desde o ensino fundamental, médio e superior; ser ambiente de desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas, voltadas à realidade camponesa; ser um centro de incentivo à vivência da cultura popular, resgatando em especial a cultura camponesa; e por fim, ser

um espaço onde as pessoas possam conviver, educando-se, trabalhando, divertindo-se e construindo perspectivas de futuro.

Os princípios teóricos que fundamentam tais objetivos são, segundo Lima (2012, apud NOVAES et al., 2015, p. 224), fruto da pedagogia própria do Movimento, cuja sistematização é resultado de uma reflexão de sua práxis política educativa, a partir de três fontes fundamentais: a pedagogia socialista, a educação popular e o materialismo histórico dialético (Cf. SANTOS, 2015, apud NOVAES et al., 2015, p. 224). Os autores Novaes et al. (2015, p.225) acrescentam que “dos princípios e ações da educação agroecológica do Movimento podem nascer germens de relações não capitalistas” e que dessa forma, a agroecologia é compreendida pelo MST como “um princípio educativo que orienta os sujeitos, para e na construção de um projeto societário que supere o capital” (idem).

Segundo Novaes et al. (2015, p.225) as escolas de agroecologia, como outras organizadas pelo Movimento, “tendem a ter um currículo orgânico” e buscam evidenciar a relação política entre o fazer científico e uma determinada ideologia da técnica, decorrente disto, não se tem, sob qualquer hipótese, a pretensão de parecerem “neutros”. Pretende-se sim “realizar uma crítica à revolução verde e de forma mais geral ao sociometabolismo do capital”, na intenção de teorizar uma “crítica radical à produção destrutiva do trabalho alienado” (idem).

Para tanto, enquanto campo de conhecimento abrangente, a agroecologia foge de uma homogeneidade epistemológica do “positivismo acrítico” da mesma forma que rejeita a epistemologia pós-moderna, sendo assim, busca uma compreensão histórica dos fenômenos sociais e a identidade parcial entre sujeito e objeto, entre teoria e prática (Cf. NOVAES et al., 2015, p. 228). Contudo, as escolas enfrentam muitas contingências para uma abordagem plena da agroecologia pelo fato de que nem todos os professores são militantes orgânicos do MST, além disto, o pouco recurso de manutenção para as escolas e o baixo incentivo das universidades em pesquisas na área agroecológica são fatores complicadores.