• Nenhum resultado encontrado

1.5 Alguns fatores cognitivos associados à aprendizagem de alto nível

1.5.1 Estratégias e abordagens à aprendizagem

As estratégias de aprendizagem referem-se à mobilização que os indivíduos fazem de determinadas operações – de assimilação e tratamento de dados - para a obtenção de uma aprendizagem estável. Essas operações de tratamento de dados podem se dar de formas diferentes de acordo com o estilo cognitivo do aprendiz e das estratégias que ele domina – sendo que o ensino deve buscar desenvolver a utilização de novas estratégias pelos estudantes, partindo das já conhecidas - e, por isso, serão utilizadas com maior frequência na busca da estabilização das aprendizagens que ocorram em diferentes situações (MEIRIEU, 1998).

A frequência de uso de determinada estratégia correlaciona-se com o domínio ou a área de problemas à que o indivíduo mais se dedica ou tem mais contato. Anderson (2004) relaciona duas formas de aprendizagem – tática e estratégica – que se relacionam com a natureza da resolução de determinado problema. Na aprendizagem tática o estudante habitua-se à aplicar um conjunto de procedimentos específicos na resolução de um conjunto também específico de problemas executando uma rememoração dos procedimentos adotados em problema análogo onde ocorria uma

variação superficial de características do problema. Na medida que o estudante se depara com problemas com variações não superficiais onde não é possível a aplicação da estratégia tática com sucesso, desenvolve-se uma aprendizagem estratégica baseada na busca de soluções para classes gerais de problema. Ocorre que classes gerais de problemas variam de acordo com o domínio ou área de conhecimento. Diferentes domínios exigem diferentes abordagens que melhor se adequem à resolução do problema – que depende, por sua vez, da quantidade de informações disponíveis no estado inicial do problema. Desta forma, a resolução de problemas com variações superficiais exige a aplicação de estratégias táticas e a dedicação a determinado domínio modula a frequência de uso de determinado tipo de aprendizagem estratégica. Tal diferenciação remete ao modelo de aquisição de habilidades proposto por Anderson (1982) com as fases declarativas e procedimentais mediadas por uma compilação de conhecimentos – os procedimentos seriam desenvolvidos e vinculados a determinados padrões de chunks armazenados nos buffers após processamento modular daquela informação ambiental.

Outra classificação relacionada à aprendizagem é aquela denominada abordagens à aprendizagem. Esse construto das abordagens à aprendizagem foram baseados em estudos desenvolvidos por Marton e Säljö (1976a; 1976b) que identificaram diferentes formas empregadas por estudantes na leitura de textos: uma abordagem superficial e outra profunda. A abordagem superficial baseia-se sobretudo em motivação extrínseca, focando-se em elementos que se espera, sejam cobrados em avaliações ou outras demandas externas. Nesta abordagem ocorre uma aprendizagem de elementos isolados que suportam apenas a rememoração pontual para o atendimento à determinada demanda. A abordagem profunda, por outro lado, é aquela em que o estudante busca, por uma motivação predominantemente intrínseca, compreender relações entre os diversos elementos estudados, construindo, desta forma, uma rede de significados que ancoram uma retenção de conhecimentos diferente daquela obtida pelo estudante que utilizou uma abordagem superficial para a sua aprendizagem.

Na forma como a aprendizagem pode ser articulada pelo estudante, o construto da prática deliberada (ERICSSON, 2006) – ou estudo individual deliberado – parece ser o quadro no qual um conjunto de estratégias adotados por experts insere-se para o desenvolvimento de uma performance superior nos mais variados domínios. A prática deliberada seria um conjunto de atividades com fins específicos realizadas por indivíduos que desejassem aperfeiçoar suas habilidades em níveis além daqueles atingidos no alcance do nível procedimental da aquisição de habilidades – automatização de procedimentos com a cristalização de regras eficientes. Essa prática deliberada com fins específicos para o aperfeiçoamento da performance ocorre, em um primeiro momento, com o apoio de um professor ou técnico que orienta essas atividades ou exercícios específicos e fornece

feedbacks para que o treinando corrija seu desempenho. Com o passar do tempo o treinando pode internalizar segmentos da prática, assim como a performance desejada, e executar a prática deliberada de forma solitária. Essa prática deliberada com fins específicos exige alta concentração da pessoa que a realiza, sendo que alguns de seus principais efeitos são: a) alterações fisiológicas específicas que decorrem da execução continuada de atividades que aprimoram segmentos da performance que a pessoa desenvolve e; b) o desenvolvimento de representações mentais diferenciadas se comparadas às possuídas por indivíduos que não realizam uma prática deliberada no domínio. Galvão (2007), revisando evidências sobre fatores associados ao desenvolvimento do talento musical, elenca a prática ou o estudo individual deliberado como um dos fatores chave para o entendimento do desenvolvimento do talento musical. O construto da prática deliberada ressalta o fator autorregulatório no processo de estudo individual deliberado ou a prática deliberada para aquela pessoa que tende a tornar-se um expert por essa prática. A autorregulação está relacionada com o conhecimento metacognitivo conforme ressalta Coll, Palacios e Machesi (1995) e Efklides (2008). A prática individual deliberada, situada em um construto como o teoria ACT proposta por Anderson (1982, 1996, 2004, 2010), parece refinar a associação entre chunks e sistemas de produção à níveis microscópicos de informações (se tal associação for adequada), tendo em vista a repetição exaustiva e orientada a objetivos específicos para o aprimoramento do desempenho – além das alterações de natureza fisiológicas que possuem peso igual ou superior àquelas de natureza associativa de chunks e regras de produção. Em suma, a mínima informação ambiental é percebida de forma diferenciada, recuperando sistemas de produção altamente refinados a cada um dos chunks processados.

Nesta seção buscou-se realizar uma breve reunião de teorias e construtos relacionados às estratégias de aprendizagem, de forma a ressaltar alguns pontos relacionados à diferença de desempenho em uma tarefa de aprendizagem. As estratégias de aprendizagem, tratando-se de operações para a estabilização da aprendizagem, podem facilitar ou não o processamento da informação relevante em uma aprendizagem. Esse processo recebe variados rótulos, como táticos e estratégicos, superficiais ou profundos, o que ressalta a diferença do processamento da informação e pode conduzir ao desenvolvimento da expertise em determinado domínio se estruturado em prática individual deliberada. Esta última por sua vez, baseia-se fortemente na metacognição que proporciona ao indivíduo o conhecimento sobre seu próprio conhecimento e o desenvolvimento de uma autorregulação embasadora de seus esforços individuais e deliberados de incremento da performance.