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3. Da traumatização à restauração da resiliência

3.4. Estratégias de coping

As estratégias de coping compreendem os esforços cognitivos e comportamentais do indivíduo, envolvendo tomadas de decisões conscientes, para lidar com as exigências externas e/ou internas avaliadas como excedendo os recursos do indivíduo e que ameaçam o bem-estar psicológico (Lazarus & Folkman, 1984). As estratégias de coping têm como objectivo a adaptação do indivíduo às situações stressoras e a restauração do equilíbrio psicológico (Lazarus & Folkman, 1984; Nash, 2007b; Varvin, 2003). As estratégias de coping compreendem dois tipos fundamentais: as estratégias de coping orientadas para o evitamento e as estratégias de coping orientadas para a resolução do problema (Lazarus & Folkman, 1984).

As estratégias de coping orientadas para o evitamento envolvem o recurso a respostas emocionais face à avaliação cognitiva do indivíduo da sua incapacidade em alterar as condições ambientais. Estas estratégias incluem o evitamento, a minimização, o distanciamento, a atenção selectiva, a comparação positiva, e a retirada de valores positivos de acontecimentos negativos. Estas estratégias visam a manutenção da esperança e do optimismo e a negação dos factos e das suas implicações, podendo conduzir, em última instância, à recusa da realidade. As estratégias de coping orientadas para a resolução do problema envolvem a gestão ou alteração do problema como resultado da avaliação cognitiva da possibilidade em alterar as condições ambientais. Estas estratégias incluem estratégias orientadas para o problema (alteração de obstáculos e recursos ambientais) e estratégias orientadas para o Self (alterações da motivação ou cognitivas), promovendo a identificação e o desenvolvimento de novas modalidades de acção através da selecção e implementação dum plano de acção adequado para a situação (Lazarus & Folkman, 1984).

A literatura tem observado o predomínio da utilização de estratégias de coping orientadas para o evitamento em ex-combatentes (Berntsen et al., 2003; Brenner et al., 2008; Nadelson, 1992; Opp & Samson, 1989). Estes resultados foram atribuídos à percepção da ausência de controlo dos stressores e das consequências psicológicas da traumatização nesta população (Solomon et al., 1988b). A utilização destas estratégias de coping assegura a supressão ou distanciamento dos conteúdos mentais associados à traumátização da guerra que previnem a reexperiência da traumatização e o fracasso da regulação emocional (Andrews et al., 2009; Currier et al., 2014b; Daud, Klinteberg, & Rydelius, 2008; Horowitz, 1998; Worthington & Langberg, 2012).

Porém, estas estratégias de coping foram propostas como quasi-adaptativas em virtude de assegurarem a diminuição da ansiedade apenas no curto-prazo (Horowitz, 1998). O uso dominante destas estratégias de coping dificulta a recordação do(s) acontecimento(s) traumático(s) (Horowitz, 1998; Zerach et al., 2014). Este processo ocorre como resultado do isolamento das representações mentais associadas à traumatização das restantes partes do Self (Bedard-Gilligan & Zoellner, 2012; Horowitz, 1998; Knox, 2003). O isolamento das respresentações mentais associadas à traumatização causa o agravamento dos processos dissociativos (Bohleber, 2007), conduzindo à manutenção da perturbação psíquica associada à traumatização de guerra; Horowitz, 1998; van der Kolk & Fisler, 1995).

Os efeitos adversos na saúde mental dos ex-combatentes associados à utilização de estratégias de coping orientadas para o evitamento foram observados num conjunto de estudos que verificaram maior utilização dessas estratégias em ex-combatentes com PSPT ou problemas de ajustamento comparativamente a ex-combatentes sem PSPT (Blake, Cook, & Keane, 1992; Creech, Benzer, Liebsack, Proctor, & Taft, 2013; Fairbank, Hansen, & Fitterling, 1991; Nezu & Carnevale, 1987). Foi identificada uma associação positiva entre estas estratégias de coping com maior severidade de sintomas da PSPT (Blake et al., 1992; Bramsen, Dirkzwager, & van der Ploeg, 2000; Creech et al., 2013; Mikulincer & Solomon, 1989; Solomon et al., 1988a, 1988b). Estes resultados sugerem que o predomínio destas estratégias de coping origina a perturbação dos sistemas defensivos dos ex-combatentes contribuindo para o desenvolvimento ou manutenção da PSPT (Martz & Lindy, 2010; van der Kolk & Fisler, 1995).

A perturbação dos padrões defensivos foi atribuída à generalização da utilização das estratégias de evitamento no coping de acontecimentos stressores de menor intensidade (Rosenblum, 2009; Zerach et al., 2014). Desta forma, o recurso predominante a estas estratégias de coping origina a restrição das estratégias utilizadas no coping das consequências biopsicossociais da traumatização e nas situações de relações interpessoais (Andrews et al., 2009; Herman, 1992; Horowitz, 1998; Lazarus & Folkman, 1984). Este processo poderá estar associado às dificuldades de ajustamento social, isolamento social e expressão emocional observada em ex-combatentes com predomínio de estratégias de coping orientadas para o evitamento (Creech et al., 2013; Currier, Holland, & Allen, 2012; Otter & Currie, 2004; Tsai et al., 2012).

Inversamente, verificou-se, incluindo em ex-combatentes da GCP, uma menor utilização de estratégias de coping orientadas para a resolução do problema em ex-

combatentes com diagnóstico de PSPT ou problemas de ajustamento comparativamente a ex- combatentes sem problemas de ajustamento pós-traumático (Anunciação, 2010; Nezu & Carnevale, 1987). Num estudo qualitativo junto de sobreviventes da guerra com PSPT crónica, Ajdukovic et al. (2013) identificaram a utilização de estratégias de coping activas através da descrição da realização de actividades que tinham como objectivo manter afastados e sob controlo os pensamentos e memórias intrusivas relacionadas com as experiências de guerra. Estes resultados sugerem que o processo de generalização da utilização de estratégias de evitamento no coping dos stressores afecta a utilização das estratégias de coping orientadas para a resolução de problemas (Rosenblum, 2009; Zerach et al., 2014).

Este processo poderá estar envolvido na diminuição do repertório de estratégias de coping e a percepção de menor suporte social observado em ex-combatentes com agravamento dos sintomas da PSPT que percepcionavam o esgotamento dos seus recursos no coping das consequências da traumatização (King et al., 1998). Desta forma, a percepção da perda de recursos físicos, psicológicos e sociais prejudica a capacidade do coping das consequências biopsicológicas da traumatização e dos stressores quotidianos (Ajdukovic et al., 2013). Estes resultados sugerem que a percepção da incapacidade do coping dos sintomas pós-traumáticos e das consequências psicossociais da traumatização apresenta uma interacção com a percepção de ameaça de colapso psicológico (Alayarian, 2011).

Dum ponto de vista intrapsíquico, alguns estudos verificaram junto de ex-combatentes com PSPT que descreveram o uso predominante de estratégias de coping orientadas para o evitamento, a presença de maior discrepância entre as representações do Self, dos outros e do mundo associadas à traumatização e o sistema de representações globais do Self (Gibney, Martens, Kosloff, & Dorahy, 2013; MacNair, 2007; Nash, 2007b). O uso predominante destas estratégias interfere na elaboração dessas representações, dificultando o processo de mudança de significado dos acontecimentos traumáticos (Maguen et al., 2009; Nash, 2007a). Como resultado, a acomodação das representações associadas à traumatização no sistema de representações globais do Self é prejudicado em virtude de não ocorrer a integração das representações do acontecimento na identidade do indivíduo (Horowitz, 1998; La Bash & Papa, 2014; Opp & Samson, 1989; Worthington & Langberg, 2012).

Adicionalmente, as estratégias de coping orientadas para o evitamento interferem no reconhecimento da perturbação mental associada à traumatização de guerra pelos ex- combatentes. Alguns trabalhos qualitativos observaram em ex-combatentes com PSPT crónica, a verbalização da utilização de estratégias relacionadas com a minimização dos

problemas psicológicos dos ex-combatentes comparativamente aos camaradas mortos e feridos em combate, e a percepção de que os outros camaradas sofriam problemas psicológicos mais graves do que os seus (Ajdukovic et al., 2013; Osran et al., 2010). O recurso a esta modalidade de coping estava positivamente associado a maior severidade dos sintomas da PSPT em ex-combatentes (Dirkzwager, Bramsen, & van der Ploeg, 2003).

Inversamente, a literatura tem destacado uma menor utilização de estratégias de coping orientadas para o evitamento em ex-combatentes sem diagnóstico de PSPT (Blake et al., 1992; Creech et al., 2013; Fairbank et al., 1991; Nezu & Carnevale, 1987). Num estudo qualitativo junto duma amostra sem PSPT, Hautamäki e Coleman (2001) observaram que a redução do uso das estratégias de coping orientadas para o evitamento era um factor associado à reduzida prevalência da PSPT nessa população. O reduzido uso desta estratégia de coping era facilitador da expressão de sentimentos de tristeza simbolizada associados às experiências de guerra que promovia a acomodação das experiências de guerra nas narrativas dos ex- combatentes (Hautamäki & Coleman, 2001). A redução destas estratégias parece facilitar a elaboração e acomodação das representações associadas à traumatização no sistema de representações globaus do Self (Gibney et al., 2013; La Bash & Papa, 2014; Nash, 2007b; Worthington & Langberg, 2012).

Por outro lado, alguns trabalhos encontraram maior utilização de estratégias de coping orientadas para a resolução do problema em ex-combatentes sem diagnóstico de PSPT comparativamente a ex-combatentes com diagnóstico de PSPT ou problemas de ajustamento psicossocial (Anunciação, 2010; Nezu & Carnevale, 1987; Pietrzak et al., 2009; Solomon et al., 1988b). No mesmo sentido, a maior utilização de estratégias de coping orientadas para a resolução do problema apresentava uma associação positiva com menor severidade de sintomas da PSPT (Anunciação, 2010; Creech et al., 2013; Dirkzwager et al., 2003; Mikulincer & Solomon, 1989; Pietrzak et al., 2009; Sharkansky et al., 2000; Solomon et al., 1988a, 1988b) e sintomas depressivos (Sharkansky et al., 2000).

Num estudo qualitativo com sobreviventes de guerra com remissão da PSPT, Ajdukovic et al. (2013) verificaram que a utilização dum coping activo foi um factor atribuído à recuperação da perturbação, envolvendo a participação em actividades com significado pessoal e social que aumentavam o reconhecimento social, auto-estima e o sentimento de eficácia no coping das consequências biopsicossociais da traumatização. Estes resultados sugerem que a utilização destas estratégias de coping promove maior capacidade de resolução de problemas e comportamentos mais adaptados ao contexto social facilitadores da

recuperação da perturbação pós-traumática nos ex-combatentes (Creech et al., 2013; Dirkzwager et al., 2003; Pietrzak et al., 2009).

Esta hipótese foi sustentada nalguns trabalhos que verificaram que a crença na capacidade pessoal do coping eficaz dos stressores associava-se à criação de vínculos empáticos com os outros e ao envolvimento social (Ajdukovic et al., 2013; Creech et al., 2013; Koenen et al., 2003; Seligowski et al., 2012). Neste sentido, a literatura tem salientado o efeito protector do suporte social em ex-combatentes. O suporte social é definido como a existência e quantidade de relações sociais, englobando o suporte emocional, informacional e instrumental (Lee, Sudom, & McCreary, 2011). O uso de suporte social (família, amigos, ambiente profissional e prestadores de cuidados de saúde) no coping das consequências da perturbação estava positivamente associado a menor severidade dos sintomas da PSPT e Depressão em ex-combatentes (Connell et al., 2013; Fontana et al., 1997; King et al., 1998; Lee et al., 2013; Maguen et al., 2006; Pietrzak et al., 2009; Smith, Benight, & Cieslak, 2013; Wilcox, 2010).

Os factores associados aos benefícios do suporte social na resiliência/recuperação da PSPT em ex-combatentes continuam ainda por clarificar (Bartone, 2005), ainda que existam algumas evidências dum efeito indirecto do uso do suporte social na redução da severidade dos sintomas da PSPT (King et al., 1998). Neste sentido, as evidências recolhidas num conjunto de trabalhos junto de ex-combatentes sugerem que os benefícios do uso do suporte social parecem estar associados ao reforço da percepção da posse de recursos internos no coping das consequências psicossociais da traumatização, nomeadamente o incremento da auto-estima e a percepção de auto-eficácia (Smith et al., 2013), promovendo a percepção de maior controlo sobre os stressores o uso de estratégias mais eficazes no coping das consequências biopsicossocias da traumatização de guerra que reduzem os sentimentos de ameaça e desespero (Lee et al., 2011; Smith et al., 2013). O incremento da percepção de recursos internos associado ao uso do suporte social foi igualmente atribuído como um processo facilitador da construção de significados positivos para as experiências traumáticas e pós-traumáticas (Bartone, 2005).

3.5. Processos psíquicos de negociação e mediação da realidade interna e externa