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Estratégias de leitura

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 53-58)

2.2 A compreensão escrita

2.2.1 Estratégias de leitura

Partindo do princípio de que língua não deve ser o único objetivo do ensino de leitura, aspectos como conhecimento de mundo e interacional devem ser levados em consideração.

Kleiman (2008, p. 49), buscando uma prática que se contraponha à tradição, sustenta que o trabalho com a leitura se torna coerente ao ser pensado como ensino de estratégias de

leitura – operações regulares de abordagens de textos – e como desenvolvimento de habilidades linguísticas. Segundo a autora, as estratégias são classificadas como metacognitivas e cognitivas. A primeira se refere às operações realizadas com algum objetivo, sobre o qual o sujeito tem controle. A segunda se refere às operações inconscientes do leitor. Segundo a autora, essas duas estratégias em conjunto caracterizam o processo de leitura e apontam para a direção de que o processamento do texto é realizado estrategicamente e não através de regras.

Quanto ao aspecto metacognitivo, a autora propõe duas metas: a) um ensino por meio da formulação de objetivos prévios à leitura; b) um ensino que possibilite a criação de condições em sala de aula para que o aluno possa fazer predições diante do texto, que estão apoiadas no conhecimento prévio. Segundo Koch e Elias (2007, p. 19), os objetivos norteiam o modo de leitura, que pode ser, dentre outras formas, com maior ou menor interação. Para Kleiman (2004, p. 40), o leitor torna-se a lembrar com mais propriedade das informações de um texto quando há presença de objetivos específicos. A partir disso, traça uma crítica aos professores que propõem atividades de leitura aos alunos sem levar esse fator em consideração. Quanto à predição, Kleiman (2008, p. 52) afirma que fazer predições baseadas no conhecimento (procedimento que é chamado de formulação de hipóteses de leitura), constitui um procedimento eficaz na abordagem do texto e tem o intuito de construir a autoconfiança no aluno em suas estratégias para resolver problemas na leitura.

No tocante ao aspecto cognitivo, a autora propõe que se promovam, através do ensino, condições para que o leitor desenvolva habilidades linguísticas, que vão desde a capacidade de usar o conhecimento gramatical para perceber relações entre as palavras, até a capacidade de usar o vocabulário para perceber estruturas textuais, atitudes e intenções. Um aspecto importante que é ressaltado no ensino de vocabulário é o estabelecimento da

compreensão a partir da inferência lexical, processo de aprendizagem que parte do contexto para o estabelecimento de significados.

No contexto de ensino de língua estrangeira, algumas propostas têm sustentado a ideia de que é importante que se levem em consideração as experiências que os alunos carregam para a facilidade do engajamento discursivo. Os PCN (1998, p. 27), ao propor algumas orientações didáticas para o trabalho de compreensão escrita, sustentam a ideia de que se deve privilegiar o conhecimento de mundo e o da organização discursiva prévios do aluno.

Tendo como ponto de partida a constituição identitária dos falantes de uma determinada língua, Serrani (2005, p. 18) propõe que o professor tenha um perfil interculturalista, pois, segundo a autora, ele passa a considerar em sua prática os processos de produção-compreensão do discurso, relacionados diretamente à identidade sócio-cultural. Pelo fato de o aluno estar entrando em contato com uma cultura diferente por meio de uma língua, a eficácia do ensino dessa língua é evidenciada a partir da aproximação do universo cultural do aluno com aquele da língua que está aprendendo. Para os PCN (1998, p. 30), torna-se mais difícil para um aluno aprender uma determinada língua quando não se leva esse aspecto em consideração. Nesse contexto, conclui que “um dos processos básicos de qualquer aprendizagem é o relacionamento que o aluno faz do que quer aprender com aquilo que já sabe”. O documento defende a ideia de que, no ensino de língua estrangeira, devem-se trazer os conhecimentos prévios à mente do aluno. Baseia-se nessa ideia, segundo ele, “a exploração de aspectos metacognitivos de aprendizagem, que ajuda na educação linguística do aluno e no aprimoramento de seu nível de letramento”. Esse trabalho promoveria ainda no aluno a percepção do caráter social da linguagem.

Para possibilitar no aluno o enriquecimento dessa percepção, o documento evidencia alguns procedimentos a serem adotados nas abordagens dos textos através de questões como: quem escreve, sobre o quê, para quem, para quê, quando, de que forma, onde. Além disso,

propõe que as escolhas temáticas sejam viabilizadas por uma análise comparativa de como questões particulares são tratadas no Brasil e em outros países em que a língua estrangeira é falada como língua materna e/ou língua oficial. Essas escolhas devem levar em consideração os conhecimentos prévios dos alunos, adequando-se à idade e ao meio social em que vivem.

O documento propõe ainda uma prática pedagógica de leitura que leve em consideração três fases: pré-leitura (possíveis significados a serem construídos na leitura com base na elaboração de hipóteses), leitura (projeção do conhecimento de mundo e dos modos de organização do texto nos elementos linguísticos do texto a partir de estratégias como inferência, conhecimento de vocabulário, estabelecimento de elos coesivos) e pós-leitura (pensar o texto, emitir reações e avaliações a respeito das ideias do autor).

Pelo fato de se ter em mente que a linguagem é de caráter sociointeracional, o ensino- aprendizagem, por ser uma forma de estar no mundo social com alguém, em um contexto cultural, histórico e institucional (PCN, 1998, p. 38), passa a ser visto como uma relação em que a construção do conhecimento recai tanto no professor como no aluno. Diante disso, propõe-se que, na medida do possível, o professor deixe de autorizar as diversas leituras, “aprendendo a compartilhar seu poder e aceitar tópicos sugeridos pelo aluno e suas interpretações do que está sendo dito para que ele possa se constituir como sujeito de discurso”.

Baseando-se numa proposta interculturalista e discursiva, Serrani (2005, p. 30-36) propõe três componentes nas práticas de ensino de língua estrangeira: 1) intercultural; 2) de língua-discurso e 3) de práticas verbais.

No componente intercultural, três eixos temáticos de propostas de escolhas de gêneros de textos são evidenciados: 1) Território, Espaços e Momentos, que põe em destaque o contexto sócio-espacial; 2) Pessoas e Grupos Sociais, que se trata, não somente da observação dos grupos sociais, mas também de diferentes perspectivas discursivas sobre diferenças; 3)

Legados Socioculturais, em que se entende que fazer o aluno “funcionar em uma língua” é finalidade necessária, mas não suficiente, uma vez que os legados culturais e os domínios identitário, social e emocional do sujeito estão relacionados.

No componente de língua-discurso, é sugerido que o princípio da relação materialidade linguística / processo discursivo é implementado ao se mobilizar a noção de gênero discursivo. Nesse contexto, na elaboração desse componente do currículo, propõem-se questões que apontam para escolhas genéricas com base na prática de, por exemplo, determinadas construções morfossintáticas, de um dado léxico. Além disso, acrescentam-se a esse quadro questões que evidenciem, por exemplo, posições enunciativas (lugares de enunciação, como dar ordens ao seu interlocutor ou não etc.) e posições subjetivas (hostis, persuasivas, afáveis etc.).

Por último, no componente de práticas verbais, aponta-se para a perspectiva de que a unidade não será a palavra nem a sentença, mas o gênero discursivo. A autora afirma que qualquer prática de leitura precisa estar contextualizada no gênero discursivo e em suas condições de produção.

Resumindo, temos o seguinte quadro:

COMPONENTES NAS PRÁTICAS DE ENSINO DE LE

INTERCULTURAL LÍNGUA-DISCURSO PRÁTICAS VERBAIS

EIXOS TEMÁTICOS Escolha genérica com base em construções morofossintáticas, de um dado léxico, etc.

Posições enunciativas Posições subjetivas Unidade: gênero discursivo. Território, Espaços e Momentos;

Pessoas e Grupos Sociais; Legados Socioculturais.

Na prática de leitura, diversos elementos sociocognitivos-interacionais e discursivos estão envolvidos para que a produção de significados seja realizada. Diante disso, um conhecimento maior desses processos pelo professor torna-se importante, uma vez que se busca fazer os alunos compreender a realidade que o cerca de modo competente. Da mesma forma, na prática de escrita, existem diversos elementos sociocognitivos-interacionais que não podem ser deixados de lado nas práticas de ensino. Diante disso, um aprofudamento teórico a respeito dessa prática é também importante.

2.3 A produção escrita

Antes de dar início à discussão nesta seção sobre os aspectos envolvidos na prática de PE, faz-se necessário chamar atenção para as diferenças encontradas entre língua escrita e língua falada.

Para os PCN (1998, p. 98), é preciso considerar duas diferenças básicas entre a produção escrita e a oral em razão da presença ou ausência do interlocutor: o nível de planejamento e de envolvimento com o interlocutor que a tarefa de produzir acarreta. A escrita tende a exigir mais planejamento (incluindo, portanto, a necessidade de revisar o texto) do que a produção oral. A outra diferença diz respeito ao maior ou menor nível de envolvimento com o interlocutor. A produção oral, em virtude da presença do interlocutor, tende a acarretar maior envolvimento com ele. À luz do olhar do interlocutor, dos seus gestos e de traços de sua identidade social (classe social, etnia, opção sexual etc.), pode-se moldar o que se fala de modo a envolvê-lo mais diretamente na construção do significado.

O documento discute ainda que um dos primeiros aspectos a considerar em relação ao processo de produção da escrita é o próprio desafio que ela representa: é uma interação que se estabelece em ausência do interlocutor, diferenciando-se da interação oral, na qual os

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