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2. EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL: HISTÓRIA E CONCEPÇÕES

2.4. Estratégias de Ensino ao Aluno Surdo

Quase a totalidade das pesquisas relacionadas à surdez e ao processo de ensino e aprendizagem de alunos surdos reconhece que o surdo aprende de forma distinta, dada a sua percepção de mundo distinta. Por isso, enfatizam a necessidade de que os professores se utilizem de metodologias de ensino adequadas a esse público, objetivando tornar o processo mais efetivo e significativo para esses alunos. No entanto, ao mesmo tempo em que revelam essa necessidade, não indicam especificamente como isso pode funcionar no cotidiano da sala de aula. Em uma busca online12, algumas poucas pesquisas que tratam dessas questões mais práticas foram identificadas, as quais, apesar de serem direcionadas a outros campos do saber, contribuem, certamente, para reflexões e considerações acerca do ensino de LE (inglês) a alunos surdos. Outras, mais antigas, mas bastante significativas, também serão mencionadas e discutidas a seguir.

Campello (2007), pesquisadora surda, discute, por meio de um exemplo de uma aula de ciências, o conceito de Pedagogia Visual na educação de surdos. Inicialmente, ela aponta como é possível que o professor utilize seu próprio corpo para a explicação de conceitos e defende que a Libras encontra na imagem uma forte aliada, já que é uma língua com características viso-espaciais, que se apoia na imagem visual. A autora insiste que a atuação dos professores em sala de aula pode (e deve) ir muito além de uma simples tradução de conceitos, que é função do intérprete. É preciso que haja uma explanação por meio da imagem, o que acaba ilustrando o que vem a ser a semiótica imagética.

Isso é chamado de semiótica imagética, que é um estudo novo, um novo campo visual onde se insere a cultura surda, a imagem visual dos surdos, os olhares surdos, os recursos visuais e didáticos também. Quero esclarecer que isto não é um gesto ou mímica, e sim signo. É a imagem em Língua de Sinais, onde vocês [professores] podem transportar qualquer imagem ou signos em desenhos ou figuras em Língua de Sinais [...] Vocês podem usar os braços, os corpos, os traços visuais como expressões corporais e faciais, as mãos, os dedos, os pés, as pernas em semiótica imagética. Não é difícil. O que falta a vocês é freqüentar [sic] as rodas dos amigos, colegas e conhecidos surdos. Lá eles demonstram muitos e ricos recursos visuais que podem ser transportados para a sala de aula! Isso é um dos recursos da cultura surda, que é desconhecido pela maioria. (CAMPELLO, 2007, p. 106).

12Para essa busca, utilizou-se a ferramenta de pesquisa Google Acadêmico, com filtro para trabalhos

recentes, para que as reflexões estejam de acordo com as concepções atuais relacionadas à educação de surdos, isto é, para que estejam dentro do ensino bilíngue. Tem-se a ciência de que tais pesquisas não se esgotam nas apresentadas aqui, sendo a internet um campo vasto e de alcance ilimitado.

Em sua tese (2008), no ano seguinte, Campello traz alguns exemplos, derivados de sua própria experiência, de como os signos visuais, em complementação às expressões faciais e corporais, podem ser utilizados no cotidiano da sala de aula. Para as aulas de português, ela indica:

Na aula de Português, como uma disciplina de língua estrangeira. É

fundamental usar todos os signos visuais para explicitar todos os significados de cada elemento gramatical da língua distinta da língua de

sinais brasileira. Usar a gramática da língua de sinais brasileira para

comparar com a língua portuguesa e de outras línguas se houver necessidade. (CAMPELLO, 2008, p. 140, grifos nossos).

Desse modo, a pesquisadora deixa clara a necessidade da visualidade no ensino de língua portuguesa (LP), além da comparação entre línguas. Com relação a outras disciplinas e de uma forma geral, propõe a utilização de todos os recursos visuais, como a própria língua de sinais, filmes, DVD e CD, quadrinhos, propaganda, fotos, outdoor considerando que isso “[...] ajuda a construir as infinitas possibilidades no aprendizado visual e cognitivo como sujeitos Surdos para atingir a plena cidadania como sujeitos Surdos.” (CAMPELLO, 2008, p. 140).

Baseado em Campello (2007), um artigo bastante relevante em relação às estratégias metodológicas de ensino ao aluno surdo é o artigo escrito por Lacerda, Santos e Caetano (2014), já citado no decorrer deste trabalho, em que as autoras refletem sobre alguns princípios e estratégias que podem estar presentes nas aulas para que a aprendizagem do aluno surdo seja favorecida, independente da disciplina. Essas estratégias estão basicamente assentadas no conceito de Pedagogia Visual, definido pelas autoras como uma pedagogia que explora toda a potencialidade visual que a língua de sinais tem, trazendo para a sala de aula, por conseguinte, recursos imagéticos e, também, a linguagem corporal própria da Libras. As autoras apontam que alguns elementos imagéticos - como uma maquete, um desenho, mapas conceituais, um gráfico, uma fotografia, um vídeo ou um pequeno trecho de filme, apresentação de

slides - podem ser bastante úteis no ensino a alunos surdos, podendo favorecer ouvintes também. Ademais, essa utilização pode ajudar no trabalho do intérprete, que terá a informação visual acessível, facilitando o processo de interpretação e explicação de conceitos por ele. Desse modo, é de se esperar que:

[...] professores, em sala de aula com alunos surdos que usam Libras, reconheçam suas necessidades, e com isso não tentem se fazer entender por meio de alternativas, como a mímica. Estes futuros professores sabem que o aluno surdo possui uma língua que deve ser valorizada em sala de aula, que é fundamental o uso de recursos visuais e que o trabalho conjunto com o intérprete só tem a agregar nesse processo educacional. (LACERDA, SANTOS e CAETANO, 2014, p. 195).

Silva et al. (2014), ao entrevistarem 6 alunos surdos do Ensino Médio (EM) e questioná-los sobre suas memórias escolares, também chegaram à conclusão de que as experiências em sala de aula que relacionam o conhecimento com a imagem e com a repetição do conteúdo, i.e., com explicações repetidas pelo professor, são as mais positivas. Cumpre ressaltar que, embora os surdos da pesquisa reconheçam a importância dessas estratégias mencionadas, também reconhecem a importância da presença do intérprete educacional de Libras, sem o qual a aprendizagem não seria possível. Isso reforça a importância da utilização da Libras no processo de ensino e aprendizagem, ainda que recursos imagéticos sejam utilizados. As autoras também elencam as memórias escolares negativas citadas pelos alunos, sendo que uma delas foi exatamente a falta do intérprete, o que os impedia de ter acesso pleno aos conteúdos curriculares. A outra diz respeito às práticas dos professores, as quais eram bastante direcionadas à maioria ouvinte:

Percebe-se, assim, que alguns professores descritos nas entrevistas planejam suas aulas e avaliações de modo a contemplar somente a maioria ouvinte, delegando a especificidade linguística e visual do surdo para a atuação do intérprete. (SILVA et al., 2014, 268).

Assim, Silva et al (2014) concluíram que a Libras é essencial no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo, bem como o é a presença do intérprete e sua articulação com os recursos imagéticos.

Similarmente, Almeida, Santos e Lacerda (2015), focando no ensino de língua portuguesa, dissertam sobre a necessidade de que se respeitem as demandas linguísticas dos surdos para que eles se apropriem integralmente dos conteúdos em sala de aula, ou seja, que seja utilizada a Libras como língua de instrução. Ademais, também preveem o uso da Pedagogia Visual nas práticas profissionais:

[...] impõe-se à educação de surdos organizar uma pedagogia que contemple a visualidade, principal via de acesso às informações dessa parcela da população. Assim, vídeos, imagens, figuras, gráficos tão presentes no cotidiano da vida moderna, além das expressões faciais e corporais devem ser explorados e incorporados nos discursos que circulam no ambiente escolar (ALMEIDA, SANTOS e LACERDA, 2015, p. 38).

Destarte, os pesquisadores estabelecem que, na educação de surdos, os professores devem explorar a linguagem não-verbal a fim de contextualizar as atividades, o que as tornam mais significativas e possíveis de serem aprofundadas, e sempre propiciar a troca de experiências entre os alunos, destacando o papel das interações sociais para a aprendizagem.

Nogueira e Cabello (2017), com o objetivo de promover algumas discussões a respeito do uso das tecnologias digitais na educação de surdos, analisaram a prática escolar de um professor surdo ensinando língua portuguesa a alunos surdos entre 7 e 11 anos. Os autores também reconheceram a importância dos recursos imagéticos no processo de ensino e aprendizagem de surdos, entretanto, apontaram que eles têm usos adequados; não basta apresentar a imagem ao surdo e esperar que a aprendizagem ocorra instantaneamente.

Assim, percebe-se, por meio desses poucos estudos mencionados, que o uso da língua natural dos surdos (neste caso, a Libras) associado a estratégias visuais se fazem fortemente presentes na literatura da área, sendo, portanto, bastante relevantes quando utilizados no cotidiano escolar, independente da disciplina.

Na próxima seção, serão abordadas pesquisas que tratam especificamente do ensino de inglês como LE a alunos surdos, no intuito de identificar semelhanças (ou divergências) teóricas em relação ao contexto deste estudo.