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Como foi mencionado na introdução, há muito tempo o homem adquiriu experiência em elucidação estrutural e o modus operandi seguido por ele não evoluiu muito desde então, ao contrário das técnicas espectroscópicas e equipamentos utilizados no processo.

Após o isolamento e a purificação de uma substância desconhecida, ou após a sua síntese, a próxima etapa é a determinação ou elucidação de sua estrutura química, a qual é realizada seguindo-se basicamente três passos. Inicialmente, é obtido um conjunto de espectros e, a partir de seus respectivos dados, os quais são analisados por um especialista, ou seja, um ser humano, são propostos fragmentos compatíveis. Em seguida, os fragmentos propostos são analisados, alguns são descartados e outros combinados, e então estruturas hipotéticas são geradas. Por fim, as estruturas geradas são testadas (validadas) com intuito de se chegar a uma única que seja compatível com os dados espectrais (ELYASHBERG et al., 2008).

A estratégia descrita no parágrafo anterior é realizada pela maioria dos especialistas em elucidação estrutural a partir dos dados espectrais. Os dados analisados são oriundos de um conjunto inicial de espectros, como infravermelho (IV), ultravioleta (UV), RMN e espectrometria de massas (EM). Em relação à RMN, dados de RMN-1H, RMN-13C e DEPT (Distortionless Enhancement by Polarisation Transfer) geralmente são utilizados

no início do processo de elucidação. Assim, propostas envolvendo grupos funcionais, fragmentos estruturais, conectividade entre átomos, isomeria e estereoquímica relativa são obtidas e, exaustivamente, analisadas,

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sempre com auxílio de informações da literatura. Quando se chega a uma proposta final e é constatado que a estrutura proposta já é conhecida, sua validação é feita através dos dados da literatura. Entretanto, quando o grau de complexidade da estrutura a ser elucidada é muito elevado, ou a mesma ainda não foi descrita na literatura, é necessária a obtenção de espectros bidimensionais e a realização de técnicas especiais (ELYASHBERG et al., 2008). Como exemplos, podem ser citados o NOE (Nuclear Overhauser Effect), espectroscopia bidimensional homo e heteronuclear tais como 1H-1H COSY (COrrelated SpectroscopY), HMQC (Heteronuclear

Multiple Quantum Coherence), HSQC (Heteronuclear Single Quantum Coherence) e HMBC (Heteronuclear Multiple Bond Correlation), além de NOESY (Nuclear Overhauser Effect SpectroscopY), TOCSY (TOtal Correlation SpectroscopY), J-RES (J-REsolved Spectroscopy), dentre outros. Em alguns casos, o raio-X da substância também passa a ser importante (STEFANI & DA COSTA, 2007).

Embora pareça simples, essa estratégia é composta de várias etapas que tornam todo o processo moroso e complexo, demandando muito esforço e necessitando da ajuda de um ou mais especialistas, havendo ainda outras limitações. Essa estratégia realizada pelo humano é tecnicamente chamada de “heurística”, termo que implica a capacidade de solucionar um problema com base em regras empíricas estabelecidas pela experiência própria. No caso da elucidação estrutural de produtos naturais, o método heurístico ainda pode envolver outras etapas, como por exemplo, análise quimiotaxonômica, avaliação da origem biossintética de moléculas, uso de bibliotecas de substâncias e de bancos de dados espectrais. Pode-se concluir que o sucesso da elucidação estrutural de um produto natural complexo muitas vezes depende quase, exclusivamente, da experiência da pessoa envolvida. Entretanto, é sabido que muitas vezes o ser humano pode se cansar, errar e ser tendencioso. Daí a importância de se empregar métodos in silico, sendo que em muitos deles as estratégias empregadas são basicamente as mesmas do especialista, porém demandando muito menos tempo e realizando análises exaustivas e bem mais complexas, tudo isto sem incorporar alguns vícios do ser humano (STEFANI & DA COSTA, 2007).

Com relação à elucidação estrutural auxiliada por computador, o programa ideal seria aquele que, a partir dos dados experimentais, fosse capaz de fornecer em poucos segundos a estrutura química da substância em questão sem nenhuma ou com a mínima interferência do especialista. Entretanto, ainda está longe de haver programas com esta capacidade, embora quase todos eles se baseiem no mesmo modo de pensar do especialista.

Na verdade, no âmbito da elucidação estrutural automatizada existem diferentes categorias de programas que se baseiam na estratégia clássica denominada por alguns autores de “planejar-gerar-testar” (ou “planejar-montar-testar”, como mencionado no início da seção denominada Histórico), à exemplo dos três passos utilizados pelo humano que foram mencionados no início desta seção (ELYASHBERG et al., 2008). Na etapa de planejamento, os dados experimentais da substância-problema são confrontados com dados de uma biblioteca ou de um banco de dados que possuem inúmeras estruturas, subestruturas e fragmentos estruturais aliados aos seus respectivos dados espectrais, sendo geradas novas subestruturas e fragmentos, compreendendo, portanto, um processo similar à busca na literatura pelo humano. Na geração (ou montagem) de estruturas, estruturas químicas hipotéticas são geradas com base na fórmula molecular e nas subestruturas e fragmentos obtidos na etapa anterior, com o objetivo de se chegar a uma estrutura condizente com os dados experimentais e, portanto, trata-se da etapa limitante do processo e que envolve os métodos computacionais mais difíceis de serem desenvolvidos. Na terceira e última etapa, a de teste ou validação, as estruturas geradas na etapa anterior são verificadas para se avaliar se são compatíveis ou não com os dados experimentais da substância-problema e se elas são válidas; aqui, são utilizadas diversas metodologias para

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predição de dados e simuladores de espectros (STEFANI et al., 2007; STEFANI & DA COSTA, 2007; ELYASHBERG

et al., 2008).

Apenas os sistemas completos de elucidação estrutural automatizada, denominados “programas CASE” ou “sistemas especialistas”, executam as três etapas descritas no parágrafo anterior, sendo capazes de analisar dados de IV, EM e RMN mono e bidimensional (ELYASHBERG et al., 2010). Entretanto, existem poucos sistemas especialistas disponíveis. A grande maioria dos programas é desenvolvida, especificamente, para executar cada uma das três etapas, em especial para a de validação, momento em que já existem propostas concretas para a estrutura a ser elucidada. Assim, cabe ao usuário complementar toda a análise e ainda usar sua sagacidade para chegar à solução final.

Conforme discutido nos parágrafos anteriores, as diferentes categorias de programas disponíveis, atualmente, executam as diferentes etapas da elucidação estrutural com base na estratégia “planejar-gerar- testar”, a exemplo do que é empregado pelo humano para solucionar os problemas da vida real, denominado heurística. Além disso, deve ser lembrado que mesmo com suas limitações os programas não são tendenciosos e não possuem idéias preconcebidas acerca da elucidação de estruturas químicas, uma vez que a eles foram incorporadas técnicas e metodologias computacionais, de IA ou ferramentas de aprendizado de máquina (machine learning tools), além de algoritmos altamente eficazes para realizar diferentes tarefas e trabalhar com informações químicas, o que será abordado nas seções a seguir.