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Para Perini (2010, p.189), as relativas “(...) têm uma estrutura muito peculiar e são fáceis de identificar” devido à maneira como estão formadas. Para o autor, elas se compõem de “(...) um nominal (que pode ser acompanhado de determinante e/ou modificador), seguido de um relativo (que, quem, onde), seguido de uma estrutura oracional aparentemente incompleta, isto é, faltando um dos complementos.”

É possível relacionar a explicação de Perini (2010) sobre o processo de formação das relativas com a considerada, por muitos autores, relativa padrão, ou seja, aquela em que o pronome relativo aparece como elemento bifuncional, isto é, tem função dupla: é um elemento de enlace entre a informação principal e a subordinada e completa ou modifica o seu antecedente.

(21)

(a) A bobagem que o cara disse me deixou irritado.

Conforme mencionado acima, a estrutura da relativa apresenta um nominal acompanhado de um determinante, a bobagem, mais o relativo QUE seguido da sequência o cara disse. Assim como se apresenta a relativa no exemplo (21a), observa-se, segundo o mesmo autor, que a informação estaria incompleta, já que o objeto do verbo dizer não aparece em seu lugar canônico, como em:

(22)

(a) O cara disse uma bobagem40.

No entanto, ainda que, à primeira vista, o verbo dizer esteja incompleto, o que se tem é a formação de uma relativa com o poder de “(...) ‘consertar’ tais defeitos na realização da valência do verbo.” Portanto, é apenas uma sensação de incompletude, pois “(...) na estrutura relativa, a valência continua sendo realizada, mas de maneira sintaticamente diferente” (PERINI, 2010, p. 190).

No PB, há três estratégias de relativização na formação dos enunciados: a primeira, mencionada anteriormente, considerada a sentença adjetiva padrão; a sentença adjetiva copiadora (exemplos 23 a, b, c, d, abaixo); e, por último, a sentença adjetiva cortadora (exemplos 24 a, b, c, abaixo) (LEMLE, 1978, apud CASTILHO, 2010).

Um aspecto do PB que permite o segundo tipo de estratégia de relativização – a relativa copiadora – é que, segundo Castilho (2010), “(...) o conjunto dos pronomes relativos vem sofrendo séria restrição no PB, com a consequente generalização de que.” (CASTILHO, 2010, p. 367). Este aspecto explica-se pelo fato

de que, na oração relativa copiadora, o relativo tem como função principal relacionar a oração principal com a subordinada e, consequentemente, outro elemento aparece na oração para cumprir a função que deveria corresponder ao relativo.

(23)

(a) A moça que eu falei com ela ontem está aqui41. (b) O funcionário que você falou dele é esse aí42?

(c) Não há uma área em São Paulo que a polícia não entre nela43.

(d) Um livro de história que a capa dele está rasgada merece ser encadernado44.

Tarallo (1983) aponta, em seu estudo diacrônico, que o PB contava com apenas duas estratégias de relativização até meados do século XIX: a estratégia da relativa padrão, simples (sem preposição) ou piedpiping (com preposição) e a estratégia da relativa copiadora (com pronome cópia). Porém, a partir da metade do século XIX, o mesmo autor (1983) observou uma inovação no PB. Essa estratégia inovadora é denominada por ele relativa cortadora (TARALLO, 1983, p. 223). A relativa cortadora, terceiro processo de relativização, aparece, segundo o mesmo autor (1983), por meio da elipse do elemento duplicador da relativa copiadora. E, segundo Castilho (2010), atualmente, esse tipo de construção não faz parte apenas da língua oral, aparecendo, também, no PB veicular escrito, conforme exemplo abaixo (24c):

(24)

(a) A moça que eu falei ontem está aqui45. (b) O funcionário que você falou é esse aí46?

(c) Não há uma área em São Paulo que a polícia não entre47.

41 Exemplo extraído de Recontando a história das relativas em uma perspectiva paramétrica (KATO,

1993, p.223).

42 Exemplo extraído da Gramática do Português Brasileiro (PERINI, 2010, p.192). 43 Exemplo extraído da Gramática do Português Brasileiro (CASTILHO, 2010, p.367). 44 Exemplo extraído da Gramática do Português Brasileiro (CASTILHO, 2010, p.367).

45 Exemplo extraído de Recontando a história das relativas em uma perspectiva paramétrica (KATO,

p. 223).

46 Exemplo extraído da Gramática do Português Brasileiro (PERINI, 2010, p.192).

47 Exemplo do jornal A Folha de São Paulo, 17/12/2008, extraído da Gramática do Português Brasileiro (CASTILHO, 2010).

Como dito anteriormente, para Tarallo (1983), a relativa cortadora é um fenômeno decorrente de um processo de elipse da relativa copiadora, pois não há, no PB,

(...) uma mudança nas relativas em razão da reanálise do pronome relativo como conjuntor ou complementizador (...), o que ocorre é o aparecimento da relativa cortadora, oriunda, de um processo de elipse, operada na relativa resumptiva (...). A ‘elipse’ parece ser a saída, em contextos anafóricos, para a carência de clíticos e outros prossintagmas (TARALLO, 1993, pp. 225-247).

É importante ressaltar, também, que, segundo Tarallo (1993), o fenômeno da relativa cortadora só é possível no PB pela possibilidade de existir, em nossa língua, um objeto pronominal nulo:

(...) línguas que podem ter objeto pronominal nulo podem ter também relativa cortadora. Assim, as línguas não difeririam quanto a utilizar ou não LD48, mas quanto à sua possibilidade de ter ou não uma categoria vazia

pronominal no objeto (TARALLO, 1993, p. 240).

É também por este aspecto do PB que González (1994) inclui as relativas no feixe de propriedades que caracterizam o PB como uma língua inversamente assimétrica ao E, pois são línguas aparentemente próximas “(...) sobre todo cuando se compara la variedad más estándar del español con el portugués de Brasil49 (GONZÁLEZ, 2008, p.1), embora essa proximidade, muitas vezes, possa causar problemas de (inter)compreensão, conforme cita a mesma autora. No caso específico das construções relativas do tipo padrão, essa proximidade se confirma, pois elas se comportam de maneira semelhante; quando observamos as relativas do tipo não padrão, duplicadas e cortadoras, verificamos que as duas línguas optam por percorrer caminhos diferentes. O E, como veremos, com maior frequência, apresenta construções duplicadas com pronomes átonos; no PB, as mesmas

48 LeftDislocation (deslocamento à esquerda). O deslocamento à esquerda, no caso do espanhol,

quase sempre exige a presença do clítico na posição do complemento (A María, la vi ayer en el cine;

A Juan le dije que volviera temprano). Só não haverá duplicação se se tratar de um tópico (-definido)

(Carne no como). No PB a duplicação é rara, praticamente inexistente na linguagem coloquial contemporânea. Cf. MAIA GONZÁLEZ, Neide (2008). “Portugués brasileño y español: lenguas inversamente asimétricas”, In: CELADA, María Teresa y Neide MAIA GONZÁLEZ (coord. dossier). “Gestos trazan distinciones entre la lengua española y el portugués brasileño”, SIGNOS ELE, año 2, Nº 2, 2008, URL http://www.salvador.edu.ar/sitio/signosele/, URL del dossier: http://www.salvador.edu.ar/sitio/signosele/aanterior.asp, ISSN: 1851-4863.

49 “(...) sobretudo quando comparamos a variedade padrão do espanhol com o português do

construções aparecem, com maior frequência, com pronomes tônicos e, além disso, a partir de diferentes estudos consultados, observamos que o E opta pela relativa duplicada e o PB pela relativa cortadora.

Para terminar esta etapa, acredita-se na existência de dois importantes fatores que justificam a preferência pela relativa copiadora e pela relativa cortadora em relação à relativa padrão do tipo piedipiping, ou seja, com preposição, no PB. Em primeiro lugar, o acelerado desuso dos clíticos no português do Brasil e, em segundo, a perda de parte do papel funcional do pronome relativo QUE, que passa, de maneira gradual, a atuar mais fortemente como um elemento de nexo entre a oração principal e a subordinada.