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1. O pronome na relativização

1.3. O pronome relativo QUE (E) / QUE (PB)

O pronome QUE/QUE, em PB ou em E, é o relativo por excelência, o que mais se usa, conforme apontam diferentes estudos, e o que pode substituir praticamente todos os demais pronomes relativos. O QUE (PB) / QUE (E), pronome relativo, pode exercer diferentes funções sintáticas na subordinada (sujeito, objeto direto, indireto, entre outras), e não é necessário que coincida a função que exerce na subordinada com a função de seu referente. Normalmente, o QUE (PB) / QUE (E), relativo, faz referência a um antecedente que aparece expresso na oração principal, embora possa aparecer também com antecedentes implícitos, como nos exemplos (3b), em E e (3d) em PB.

10 “(…) um signo pode aludir contextualmente a outro, mas não substituí-lo, nem significá-lo, nem

repeti-lo: esse é um princípio básico da semântica: nenhuma palavra toma nem pode tomar o significado de outra” (TRUJILLO, 1990, pp.24-25, tradução nossa).

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(a) Los alumnos que quieran ir al viaje deben apuntarse en secretaria. (b) Los que quieran ir al viaje deben apuntarse en secretaria.

(c) Eu sempre aceito o acordo que você propõe. (d) Eu sempre aceito o que você propõe11.

Em algumas construções, é possível observar, além do pronome relativo, outro elemento que também faz referência ao antecedente. Nesse caso, alguns autores acreditam que o pronome relativo QUE (PB) / QUE (E) perde sua função gramatical; outros pensam que ele divide a sua função com outro pronome ou com um sintagma nominal (SN). Veremos mais adiante que esse tipo de construção aparece tanto em E quanto em PB, muito embora haja diferenças quantitativas no que se refere à extensão de uso de cada uma delas em cada língua e também em relação ao registro de língua em que são empregadas e os efeitos consequentes.

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(a) En México hay una estatua que todos nosotros la conocemos muy bien12. (b) Bulimia e anorexia são doenças que sempre queremos falar sobre elas e que

atormentam principalmente os adolescentes13.

O aparecimento de um pronome clítico no E, muito frequente segundo estudos consultados, como no exemplo (4a), em suposta duplicidade com o relativo, ocorre devido ao fato de o relativo QUE possuir baixa dêixis, pois carece de marca de gênero, número, caso e pessoa. De acordo com García (1975, apud BORZI & MORANO, 2009, p.1), a dêixis “(...) es la fuerza con la que se instruye al oyente para que busque el referente del pronombre14.” Portanto, devido à baixa dêixis do relativo QUE, o emissor prefere retomar o antecedente sob forma de um pronome. Isso ocorre, normalmente, quando os interlocutores precisam, por algum motivo comunicativo, reforçar, delimitar ou explicar o tema do discurso. A baixa dêixis é apropriada quando o referente é facilmente identificável ou, ao contrário, não é tão

11 Exemplos (3c e 3d) extraídos de Gramática do Português Brasileiro (PERINI, 2010, p.193). 12 Exemplo extraído de Despronominalización de los relativos (LOPE BLANCH, 1986, p.122).

13 Exemplo extraído de uma redação de vestibular de uma instituição privada, na cidade de São

Paulo, em dezembro de 2012.

14 “(…) é a força que direciona o ouvinte para que ele busque o referente do pronome” (GARCÍA,

relevante para a decodificação da mensagem. Por outro lado, a alta dêixis ajuda o receptor da mensagem a encontrar o referente quando o mesmo não é óbvio e há determinada dificuldade de encontrá-lo ou, então, quando é importante mantê-lo vivo durante o discurso, por alguma necessidade comunicativa do interlocutor (BORZI & MORANO, 2009, p. 72).

Conforme mencionado anteriormente, para Trujillo (1990), o caráter nominal e de reprodutor absoluto do pronome relativo QUE não existe, portanto, não há nenhuma anomalia15 em:

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(a) Tienes unas manías que no te las puede aguantar nadie.

Neste exemplo, segundo Trujillo (1990), somente a hipótese, para ele absurda, de considerar o pronome relativo QUE como um substantivo na função de objeto direto, faz com que o pronome las seja entendido como um caso de despronominalização16 do relativo ou a sua duplicação17. Essa hipótese, segundo o autor, é totalmente infundada. Primeiro, por considerar apenas um modelo, o da gramática tradicional, como correto, e todos os demais, como anômalos. Segundo, porque, para compreender o significado das referências anafóricas nas orações de relativo:

(…) lo primero que tenemos que hacer es examinar la naturaleza de esas partículas, su valor semántico y su función sintáctica, pues sólo así sabremos si realmente la aparición de pronombres anafóricos referidos al antecedente alteran o no de verdad la naturaleza del relativo18 (1990, p.26). Para o mesmo autor, o pronome QUE (E) pode ter, também, a função de determinante. No exemplo,

15 Termo usado por Lope Blanch (1986) para classificar um fenômeno linguístico que diverge das

regras da gramática tradicional. Apesar de atualmente ser um termo condenável para o estudo e a classificação de fenômenos linguísticos, já teve seu uso bastante estendido.

16 Segundo Lope Blanch (1986), o fenômeno da despronominalización de relativos ocorre quando o

relativo QUE perde a sua função pronominal, tornando-se apenas um nexo oracional, sendo a sua função pronominal assumida por outro elemento.

17 A duplicação de relativos é, segundo Brucart (1999), uma construção relativa em que o relativo QUE não perde sua função primeira de pronome relativo e de elemento anafórico, mas a divide com

outro elemento dentro da subordinada.

18“(…) o primeiro que temos de fazer é examinar a natureza dessas partículas, seu valor semântico e

sua função sintática, pois só assim saberemos se realmente o aparecimento dos pronomes anafóricos referidos ao antecedente alteram ou não a natureza do relativo” (TRUJILLO, 1990, p.26, tradução nossa).

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(a) Perro que ladra no muerde19.

o QUE (E) relativo não representa a união de duas orações perro ladra com perro no muerde, mas determina e precisa a abrangência do antecedente perro. Para o autor, o que ocorre nessa construção é que o QUE relativo facilita a dupla referência funcional do antecedente, vinculando-o com os verbos da oração principal e da subordinada (TRUJILLO, 1990, p. 27). Neste caso o QUE (E) funcionaria como um determinante porque parte de uma informação geral, já que todos os perros ladram, em direção a uma informação mais específica compreendida pelo contexto, aqueles perros que fazem muito ruído não mordem.

No PB, encontramos exemplos semelhantes nos quais o QUE (PB) poderia ser entendido como determinante, como em:

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(a) Macaco que muito pula quer chumbo. (b) Vassoura nova é que varre bem. (c) Cachorro que late não morde.

Nos exemplos acima tampouco ocorre uma reprodução do elemento antecedente, o que ocorre é uma alusão ao elemento mencionado e a compreensão se dá pelo contexto. Vale lembrar que o processo de determinação no PB e no E não funciona de maneira semelhante em todos os casos. O E, em muitos contextos, precisa de uma determinação mais específica e forte. Ainda que não seja nosso foco de estudo o processo de determinação e a função do QUE como elemento determinante no PB e no E, não podemos aceitar que o QUE (PB) / QUE (E) substitui, nos casos acima, perro em (6a), macaco em (7a), vassoura em (7b) e cachorro em (7c). Nestes casos, não ocorre uma substituição de elementos, e sim

uma alusão aos elementos mencionados e a informação é plenamente entendida pelo contexto.

Antes de terminar esta seção, voltaremos aos exemplos (4a, b), repetidos abaixo como (8a, b):

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(a) En México hay una estatua que todos nosotros la conocemos muy bien. (b) Bulimia e anorexia são doenças que sempre queremos falar sobre elas e que

atormentam principalmente os adolescentes.

O objetivo dessa repetição é o de ressaltar que a construção em PB com o pronome resumptivo tônico e a preposição, neste caso, “sobre elas”, é bastante estigmatizada e, na atualidade, tende a ser substituída pela construção que Tarallo designa como “relativa cortadora”, como vemos em (8b’):

(8)

(b’) Bulimia e anorexia são doenças que sempre queremos falar (ø) e que atormentam principalmente os adolescentes.

Por outro lado, no E, a formação mais produtiva seria a (8a), com essa suposta duplicação do relativo QUE com o pronome la. Em ambas as línguas verifica-se que as relativas consideradas não padrão são muito produtivas. No entanto, no PB atual, as mais produtivas são as cortadoras, exatamente o oposto do que ocorre com o E, que tem as duplicadas como a produção preferida entre as relativas não padrão.

Após essa breve caracterização do pronome relativo QUE (PB) / QUE (E), com especial atenção ao relativo QUE em espanhol, passamos às definições e caracterização das orações relativas.