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4. Auxílio multicritério à decisão

4.2. Estruturação

Para Folger e Poole (1984), a estruturação eficaz de um problema auxilia um grupo a alcançar um equilíbrio entre diferenciação e integração em termos de sua interpretação do problema e seus valores e objetivos. Ambos são necessários durante a estruturação. Demasiada ênfase na integração significa que os indivíduos podem nunca desenvolver diferenças de oposição e manter um falso consenso, no qual alguns aspectos do problema nunca são levantados e algumas necessidades não são satisfeitas. Similarmente, demasiada ênfase na diferenciação significa que os indivíduos podem descobrir as diferenças, mas serem incapazes de resolver a oposição, caso em que o conflito está "resolvido", forçando um lado a aderir ou deixar de lado alguma posição.

Em relação aos métodos de estruturação, Keeney (1992) propõe duas abordagens principais: pensamento com foco no valor, conhecido como value-focused thinking (VFT), e pensamento com foco nas alternativas (AFT, alternative-focused thinking).

O pensamento com foco nas alternativas tem início com o que temos à disposição sobre o problema, é reativo, enquanto o pensamento com foco no valor é muito mais amplo, proativo, e também existe a preocupação de criar oportunidades de decisão. Para Keeney (1992), em problemas menos complexos e bem definidos, o pensamento com foco nas alternativas pode ser útil; por outro lado, o pensamento com foco no valor possibilita uma análise aprofundada do problema de decisão.

O pensamento com foco no valor se baseia em valores. Os valores encontrados em um problema de decisão, através da participação de diversos atores, podem ser expressos em objetivos, separados em objetivos-meio e objetivos fundamentais, que são hierarquizados ilustrando a relação entre todos os objetivos. Desta forma, tem-se um guia para um

pensamento estratégico, que possibilita a descoberta de problemas ocultos, auxiliando a criação de alternativas e sua avaliação.

Em relação às fases da estruturação, segundo Belton e Stewart (2002), Keeney (1992), Montibeller et al. (2009) e Galves (2005), iniciamos com a identificação do problema ou situação de decisão e a caracterização do contexto decisório.

Para Keeney (1992), o interesse por um problema de decisão está relacionado à tentativa de evitar suas consequências. Embasando um problema de decisão em valores, o foco converge para as causas, em vez de convergir diretamente para as alternativas de solução, possibilitando, após um processo de articulação e entendimento, a criação de alternativas melhores.

Uma situação de decisão surge pelo curso normal de eventos, ações ou acontecimentos, forçando uma decisão. As situações de decisão se referem mais a uma oportunidade de decisão do que simplesmente a um problema de decisão. Segundo Keeney (1992), um contexto de decisão define a seleção de alternativas apropriadas para se considerar em uma situação de decisão específica.

Para Galves (2005), o contexto decisório pode ser caracterizado pelos seguintes elementos: nível de decisão, limites geográficos e temporais, tipo de problema e atores. Quanto ao nível de decisão, ele pode ser estratégico – abrangendo políticas, planos e programas – ou se referir a um projeto específico. Os limites geográficos e temporais delimitam o espaço e o horizonte de tempo considerados para a realização do estudo.

Roy (1996) distingue quatro tipos de problema que o auxílio à decisão busca esclarecer:

• Escolha de uma alternativa;

• Classificação das alternativas em categorias previamente definidas; • Ordenação das alternativas;

• Descrição das alternativas e suas consequências.

Mesmo que um indivíduo claramente identificado seja o responsável pela decisão, ela é o resultado de interações entre diversos atores. Para Roy e Boyssou (1993), um ator de um processo decisório é um indivíduo ou um grupo de indivíduos que influencia direta ou indiretamente a decisão.

Segundo Belton e Stewart (2002), os atores incluem: • Tomadores de decisão;

• Patrocinadores;

• Facilitadores e analistas; • Potenciais sabotadores.

Tais atores estão sujeitos a uma infinidade de pressões internas e externas. Desta forma, antes do início da análise de um determinado problema, os vários atores precisam desenvolver um entendimento comum (BELTON, STEWART, 2002).

A complexidade de um problema de decisão é maior em organizações e, segundo Montibeller et al. (2009), a estruturação compreende três níveis de análise:

• Individual: a estruturação envolve um processo cíclico de articulação e internalização em um cenário de várias questões que constituem o problema. Neste nível, também é importante compreender suas inter-relações e como interpretar e entender suas implicações;

• Grupo: devido à possibilidade de existir diferentes articulações e interpretações para o problema de decisão, a estruturação implica compartilhar esses entendimentos individuais e chegar a uma estrutura que favoreça o acordo;

• Organizacional: implica como as estruturações do problema, efetuadas tanto em nível individual como em grupo, são legitimadas e incluídas na agenda da organização.

Desta forma, o papel do facilitador na estruturação torna-se essencial quando existem vários indíviduos ou grupos. Para Keeney (1992), o facilitador é um analista independente, que possui habilidades e imparcialidade para auxiliar o tomador de decisão. Segundo Montibeller et al. (2009), o trabalho do facilitador terá dois aspectos fundamentais: primeiro, deve ajudar o grupo a articular explicitamente as interpretações individuais sobre o problema de decisão e produzir em conjunto um modelo que capture adequadamente sua complexidade; segundo, desafiar os indivíduos sobre seus pontos de vista, valores e crenças sobre o problema em análise em busca de novos conhecimentos.

Uma vez caracterizado o contexto decisório, identificam-se os objetivos fundamentais dos atores. O contexto de decisão e os objetivos fundamentais formam a estrutura de decisão (KEENEY, 1992).

Keeney (1992) distingue objetivos fundamentais, que representam os aspectos que os atores consideram essenciais no problema em estudo, e objetivos-meio, que ajudam a alcançar aqueles objetivos. Para que os objetivos fundamentais sejam úteis no processo de decisão é importante que possuam as seguintes propriedades:

• Controlável: representa um aspecto relacionado apenas ao contexto decisório; • Completo: deve incluir todos os aspectos considerados fundamentais pelos atores; • Mensurável: possibilita a medição do desempenho das alternativas, de acordo com os

aspectos fundamentais dos atores;

• Operacional: permite a coleta de informações necessárias para a análise dentro de um limite de tempo e de um esforço tangível;

• Isolável: possibilita a análise de cada aspecto fundamental do problema, independente dos demais;

• Não redundante: cada objetivo fundamental representa um único aspecto do problema; • Conciso: contribui para a redução da quantidade de objetivos fundamentais para a

análise do problema;

• Compreensível: possui significado de fácil compreensão, possibilitando a comunicação durante o processo de decisão.

A identificação dos objetivos fundamentais dos atores também pode ser efetuada através do método do mapa cognitivo, baseado na Teoria da Construção Pessoal de Kelly (1955, apud EDEN, JONES, SIMS, 1979). O termo foi utilizado supostamente pela primeira vez por Tolman, em 1948, com ênfase nas ciências sociais e comportamentais.

Para a elaboração do mapa cognitivo, Eden (1988) faz uso de entrevistas com decisores sobre um determinado problema, extraindo suas crenças, valores e conhecimentos. Assim, é possível obter um mapa de conceitos ligados, que formam uma cadeia de argumentação que orienta a decisão através de uma determinada ação. A modelagem do mapa deve, por um lado, ampliar a questão, com toda sua complexidade, permitindo a identificação de uma rede de problemas inter-relacionados e, por outro, permitir uma análise reflexiva do decisor/indivíduo ou decisores/indivíduos.

Comparando o modelo proposto por Keeney (1992), através do VFT, e o mapa cognitivo, notamos que ambos buscam extrair os objetivos dos atores envolvidos no processo e as alternativas. Segundo Ensslin, Montibeller e Noronha (2001), o mapa cognitivo utiliza uma modelagem gráfica de identificação através de uma rede de conceitos, oriunda da reflexão e interpretação dos atores e do facilitador, conforme exemplo apresentado na Figura 4.1, enquanto que a técnica do VFT, segundo Keeney (1992), depende de uma articulação apropriada de valores, tanto de forma qualitativa como quantitativa, na busca de alternativas para determinado contexto decisório.

Figura 4.1. Parte de um mapa cognitivo. Fonte: Galves et al. (2010).

Os objetivos fundamentais encontrados através dos métodos apresentados são detalhados e organizados em uma hierarquia que representa a estrutura dos objetivos dos diversos atores. Segundo Keeney (1992), em uma hierarquia de objetivos fundamentais, existem objetivos de níveis inferior e superior. Os objetivos fundamentais de nível superior são definidos pelo conjunto de objetivos de nível mais baixo diretamente sob ele na hierarquia, devendo haver pelo menos dois objetivos de nível inferior ligado a qualquer objetivo de nível mais alto. Desta forma, as hierarquias de objetivos fundamentais possuem um ordenamento claro e simples. Deve-se verificar se os objetivos de nível mais baixo fornecem uma caracterização exaustiva do objetivo fundamental de nível superior. A elaboração da hierarquia de objetivos deve continuar para níveis mais baixos até atingir um nível em que possamos encontrar atributos de forma razoável. A Figura 4.2 apresenta uma parte de uma hierarquia de objetivos fundamentais para um problema de decisão em transportes.

Figura 4.2. Hierarquia de objetivos fundamentais para um problema de decisão em

transportes. Fonte: Galves et al. (2010).

A hierarquia de objetivos fundamentais tem várias vantagens para especificação de valores, tais como:

• Ajuda a identificar os objetivos que faltam;

• Facilidade na identificação de objetivos redundantes;

• Níveis mais elevados refletem preocupações gerais facilmente identificadas; • Níveis mais baixos possibilitam uma identificação mais fácil dos atributos.

Segundo Keeney (1992), o grau em que um objetivo é atingido e medido através de um atributo. Termos como medida de efetividade, medida de desempenho e critério também são usados como sinônimos de atributo. Bana e Costa (1992) emprega o termo descritor, definido como um conjunto de níveis de impacto para descrever os desempenhos das ações potenciais em cada objetivo fundamental.

Os atributos devem possuir três propriedades (KEENEY, 1992):

• Mensurabilidade: os níveis de impacto definidos devem ser claros, para que não existam dúvidas quanto aos aspectos a serem avaliados;

• Operacionalidade: permite a medição do objetivo associado independentemente dos demais objetivos; também é fundamental a definição dos dados a coletar e como obtê- los;

• Inteligibilidade: a interpretação e descrição das consequências de uma ação em relação ao objetivo deve ser compreendida por todos os atores.

Os atributos podem ser naturais, construídos e indiretos. Os atributos naturais ou diretos possuem medidas diretas e são interpretados da mesma maneira por todos os atores.

Os atributos construídos são utilizados quando não é possível medir um objetivo por meio de um atributo direto, sendo desenvolvidos para cada contexto decisório (ENSSLIN, MONTIBELLER E NORONHA, 2001). O atributo indireto ou proxy é utilizado quando um atributo direto não existe ou não é apropriada a sua utilização.

Existem outras classificações para os atributos. Segundo Ensslin, Montibeller e Noronha (2001), os atributos podem ser qualitativos ou quantitativos, contínuos ou discretos. Os atributos qualitativos necessitam de expressões semânticas e/ou representações pictóricas para descrever o objetivo, enquanto os quantitativos descrevem os objetivos utilizando apenas números. Os atributos contínuos são constituídos por uma expressão matemática contínua, enquanto os atributos discretos são formados por um número finito de níveis de impacto.

Finalmente, segundo Keeney (1992), a proposição de alternativas também é mais bem efetuada com a especificação dos valores, que é consequência da estruturação de objetivos e da criação dos atributos. Estimular os atores a pensar como atingiriam seus objetivos auxilia a identificação e criação de boas alternativas. Para que o processo seja bem- sucedido, é importante uma nova leitura da hierarquia de objetivos para que possam ser identificadas novas alternativas, juntar alternativas criadas ou combiná-las.

Segundo Franco e Montibeller (2009), esta etapa é fundamental no processo de auxílio multicritério à decisão, pois se as alternaticas são frágeis, certamente as escolhas também serão. Nesta etapa, é importante que não seja descartada nenhuma alternativa, com o risco de prejudicar o processo de criação.

Para Belton e Stewart (2002), o auxílio multicritério à decisão tem potencial não apenas para avaliação de alternativas, mas também para a criação de boas alternativas. Tais alternativas podem ser claramente definidas ou a descoberta de alternativas pode ser uma parte integrante de um problema de decisão.