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Estrutura curricular, funcionamento do curso e (des)motivação

b) Estudantes que inativaram a matrícula sem ter frequentado qualquer disciplina

4.3 Inquérito por Entrevista

4.3.2 Estrutura curricular, funcionamento do curso e (des)motivação

A situação de inativação de matrícula fica por vezes a dever-se a um complexo causal onde se cruzam questões relacionadas com a estrutura curricular, funcionamento dos cursos e (des)motivação pessoal. Vejamos o caso desta estudante de licenciatura, atualmente com 38 anos, natural e residente em Évora. Foi sempre trabalhadora-estudante. Como principal motivo para a inativação de matrícula aponta também os aspetos económicos, os quais assumem relevância num contexto particularmente difícil: “[i]a pagando as propinas por prestações, era difícil, tinha de ter dois trabalhos, um trabalho durante

a semana e um part-time ao fim de semana para pagar as propinas.” Apesar de nunca se ter candidatado

a apoio social, a decisão de inativar foi pensada, tendo na altura falado com o Diretor de curso, o qual

“mostrou-se bastante prestável, falou várias vezes comigo para eu voltar e para acabar até porque conhece o meu trabalho […]” e foi com tristeza que deixou a Universidade:

“Com muita tristeza, porque eu adorei mesmo estudar na UE, do espírito, da filosofia que se vivia ali, a energia que se sentia quando se entrava no colégio Verney e foi com muita tristeza porque foi com muito sacrifício, e quando percebi que ia passando um ano e outro e não conseguia voltar foi com uma tristeza enorme […]”

Um olhar mais atento sobre este caso permite no entanto compreender como os motivos económicos surgem bastante imbricados com os motivacionais, derivados sobretudo da estrutura curricular e funcionamento do curso. Como refere:

“[…] o fator desmotivação porque eu acho que a Universidade, pelo menos no meu curso eu gostei bastante do plano de estudos e das cadeiras que são dadas, no entanto eu acho que falta ali uma forte componente prática, e eu acho que desmotiva bastante os alunos. Para mim nem tanto porque como ia do IEFP já ia com a prática e que me valeu bastante na parte da ### mas para quem frequenta o estudo normal é muito complicado. Falta de contato com a prática. Uma colega minha que acabou e que esteve a trabalhar comigo, ela esteve aqui um ano e foi embora, não lhe renovaram, porque ela na prática era incapaz de dar uma formação, a parte prática acho que falha bastante.”

No momento em que entrou para a Universidade, esta estudante, casada e com um filho de um ano de idade, passou a acumular as responsabilidades familiares e profissionais às académicas. A gestão destas várias dimensões tornou-se progressivamente mais difícil:

“Ia fazendo algumas cadeiras, fui fazendo sempre enquanto trabalhava, no início estava no IEFP a tirar formação e ia à universidade, acabei a formação e fui trabalhar para a Tyco 12h por noite e fazia o sacrifício de durante o dia ir à universidade, consegui fazer assim 18

Estudo de Caso na Universidade de Évora

cadeiras. Entretanto surgiu-me o convite para vir dar aulas para o ### e como estava quase a acabar o curso pensei ‘agora é que vou conseguir acabar o curso, vou trabalhar com a minha área que é ###’. Vim para ### mas entretanto as coisas correram bastante bem aqui, o volume de formação aumentou bastante, trabalho todos os dias das nove da manhã às dez da noite e aos sábados, não tenho tempo quase nenhum e tenho um filho, sou casada e tenho uma casa, sobra-me o domingo, nunca mais consegui ir à universidade…”

É neste contexto que o fator económico, apesar de não constituir a causa primeira para a inativação, assume gradualmente maior saliência:

“Talvez também o fator económico porque as propinas eram muito caras e não tinha possibilidade e houve meses que era bastante complicado conseguir pagar as propinas porque depois o fato de saber que tinha de pagar à volta de mil euros e saber que não tinha como fazer cadeira nenhuma era complicado. Era complicado gerir isso, até mesmo em casa o meu marido tinha alguma dificuldade em entender que eu todos os anos tinha de pagar mil euros e não fazia cadeiras ou fazia só uma.”

Num outro caso, o de uma estudante de pós-graduação em sistema de e-learning, natural de Coimbra e residente em Cascais, atualmente com 34 anos, conclui-se que associado a um motivo de saúde grave estão igualmente questões de natureza motivacional. Esta estudante já trabalhava na altura em qua a matrícula ficou inativa mas estava com uma baixa de risco:

“Dependo do meu rendimento de trabalho. A minha situação alterou-se um bocadinho, passei de uma pessoa particular para ter um filho e ter de pagar as despesas inerentes à gravidez e sendo de risco tive de ter um acompanhamento maior e com outras implicações a nível financeiro. É complicado porque neste momento estou a pagar a prestações o segundo semestre que nunca cheguei a frequentar.”

Nunca se candidatou a apoio social, terá falado com várias pessoas sobre o assunto de inativação, nomeadamente com professores, os serviços académicos e fez, inclusive, requerimentos à reitoria, os quais “foram indeferidos.” À questão de saúde alia-se, sobremaneira, a desmotivação com o curso que enfrentava na altura:

“No meu caso foi o fato do programa não ser nada inovador, ou seja, é uma pós graduação num sistema que atrairia imensa gente porque há imensa gente a querer fazer cursos a partir de casa porque não tem disponibilidade para se deslocar às instituições e peca por não inovar.

[…] Inscrevi-me em pós-graduação, vi o programa com antecedência e a pós graduação que

me inscrevi é em sistema de e-learning, e na altura inscrevi-me porque não tenho grandes hipóteses de me deslocar à universidade e achei que era uma boa hipótese porque tinha este sistema em que podia assistir às aulas em casa. Esta era a minha ideia. Com o decorrer, fui até novembro. O início das aulas foi sempre adiado porque não se tinha a certeza se começava. Entretanto eu não fiquei satisfeita com o decorrer da pós-graduação. Uma pós graduação supostamente é para aprender alguma coisa mais para além da licenciatura e a meu ver aquilo tinha a ver com a minha área mas com outro nome. Comecei a ver que não estava a ter grande desenvolvimento. Depois não tinha aulas, tinha de ser uma pessoa autodidata em casa, tinha bibliografia para ler e apresentar resumos, era assim sistematicamente, e não era mais do que isto, passado dois meses eu tinha o mesmo conhecimento que tinha quando comecei a pós graduação. É uma situação que discuti com dois colegas que tinham a mesma opinião que eu. Não estávamos a aprender mais do que a nossa formação nos tinha dado, não havia grande acompanhamento pelos professores que davam as disciplinas. Senti-me enganada, levei imenso tempo para escolher uma pós graduação, e não estava a achar que tivesse a surtir nenhum efeito. O que se passou foi que entretanto tive uma gravidez de risco e portanto a minha capacidade para aguentar a insatisfação também foi diminuindo porque também tinha

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Este outro estudante de mestrado, de 26 anos, residente em Portalegre inativou a matrícula no segundo ano do curso. Tinha a proposta de tese “quase feita” mas não obteve aprovação numa cadeira que lhe faltava. Neste caso, mais do que as dificuldades associadas à tese é a desmotivação a principal causa para a inativação da matrícula:

“[…] se escolhemos o curso errado é logo um problema porque depois não se vai conseguir fazer as cadeiras […] Tinha a proposta de tese quase feita e como não consegui fazer uma cadeira que me faltava portanto também deixei. Acho que não estava motivado para acabar o mestrado. Foi a desmotivação mesmo, não estava motivado e para acabar uma tese, não é um trabalho que se faça num dia. Requeria estudos, trabalho e eu não estava motivado para isso. Se calhar também me inscrevi um pouco mal, num mestrado geral, já vinha de um curso assim, fiz mal se calhar em não ir para um mestrado mais específico e então não consegui gostar mesmo e pronto.”