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Estrutura da Norma Jurídica Tributária

1.4 A NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA

1.4.1 Estrutura da Norma Jurídica Tributária

A norma completa, no sentido antes referido,236 como dedução lógica e

axiológica do sistema, é composta por um antecedente e um consequente, ligados por uma relação de imputação consistente num modal deôntico traduzido pela fórmula

‘proibido’, ‘permitido’ ou ‘obrigatório’,237 em que o antecedente descreve um fato de

conduta e o consequente expressa a descrição do conteúdo de um dever-ser que se conecta ao antecedente como consequência ou efeito jurídico da realização, no mundo físico real, do fato de conduta descrito no antecedente.

Assim, a norma expressa-se mediante a estrutura lógica de um enunciado

condicional composto por uma hipótese de incidência e por uma consequência;238 ou,

dito de outro modo, por uma prótase ou antecedente e por uma apódose ou consequente.239

Na hipótese está descrito um fato de conduta ao qual se vincula uma consequência que descreve um dever-ser como comando normativo, sendo ambas essas partes da norma ligadas por um operador deôntico, nas modalidades do permitido, proibido ou obrigatório.

236

No item 1.3.5 foi referido que a expressão ‘norma completa’ é entendida neste trabalho como o significado ou conteúdo de sentido, estruturado logicamente como dever-ser, mediante uma relação de imputação deôntica, abrangente do modal ‘permitido’, ‘proibido’ ou ‘obrigatório’, que, conjuntamente com os fatos e sua interpretação, culmina com a norma de decisão de um caso concreto ou imaginário.

237

Como acentua CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência. 2.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1999, p. 26 e 29, o dever ser triparte-se nos modais proibido, permitido e obrigatório e acentua o eminente tributarista, na p. 29, que “Permanece, assim, a lei deontológica do quarto excluído: os modais deônticos são três e somente três.”

238

NAVARRO COELHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 21.

239

GUASTINI, Riccardo. Teoria e dogmatica delle fonti. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1998, p. 37, assim apresenta esse tema da estrutura da norma jurídica: “Ogni norma condizionata, per contro, è sempre reducibile ad un enunciato sintatticamente condizionale o ipotetico, del tipo: «Se si verifica la circostanza x, allora il soggetto y deve (non deve, può) compiere l’azione z». Ogni enunciato condizionale può essere analizzato in due elementi componenti: (a) la pròtasi o antecedente, cioè la parte dell’enunciato che determina la condizione («Se...»); (b) l’apòdosi o conseguente, cioè la parte dell’enunciato che determina la conseguenza («...allora....»).” (Os destaques são do autor).

Para a formação tanto da hipótese quanto da consequência colaboram todos os elementos que compõem o sistema jurídico como anteriormente visto.

Um exemplo, tomado dos textos normativos, sobre a cobrança de um tributo, ajuda a esclarecer o que se sustenta.

Certamente ninguém tem dúvida de que, para que um tributo seja cobrado, é necessário que haja uma norma tributária em que a hipótese descreva um fato como tributável, v. g., “ser proprietário de um imóvel urbano”, e em que a consequência descreva um dever-ser cujo conteúdo expresse que “o proprietário deve pagar um percentual sobre o valor do imóvel a título de IPTU ao Município”.

Assim, se no mundo físico da vida vivente alguém de fato é proprietário de um imóvel urbano dir-se-á que esse alguém satisfez a hipótese de incidência do tributo descrita no antecedente, havendo, portanto, a subsunção da norma aos fatos, instaurando concretamente o dever jurídico descrito no consequente, de modo que esse alguém tem o dever concreto (obrigação tributária) de pagar “x” de tributo à Fazenda Municipal.

Obviamente não se poderia chegar a essa conclusão240 somente com a

Constituição Federal, pois ela não cria ou institui tributos, mas apenas autoriza a instituição mediante disposições de competência tributária.241

Embora a lei complementar seja o ente legislado que define os tributos e, em relação aos impostos, define os fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes (CFRB, art. 146, III, ‘a’), também não se poderia cobrar o tributo do exemplo só com a lei complementar, pois esta também não institui tributos, em particular o IPTU, já que a lei complementar somente pode instituir tributo quando a Constituição assim o exige (CFRB, art. 154, I), uma vez que a regra geral é da criação de tributo por lei ordinária do ente federado constitucionalmente competente para tributar.

240

Essa conclusão, como antes referido, nos itens 1.2.2, 1.2.3 e 1.3.5 supra, é unidade última do sistema – ou como diria Paulo de Barros CARVALHO, a unidade irredutível de manifestação do deôntico – cuja finalidade é predestinada à aplicação aos casos concretos.

241

Se a Constituição Federal por si só instituísse tributo então poderia ser cobrado o imposto sobre grandes fortunas que está previsto no art. 153, inciso VII, da Carta Política brasileira. Mas não é cobrado porque depende de instituição em lei inferior, no caso, por exigência expressa da Constituição, uma lei complementar.

Além disso, não se pode também cobrar tributo somente com a lei ordinária – embora seja esta que, como dito, de regra, cria tributos – prescindindo-se da Constituição e da lei complementar, pois faltaria a autorização constitucional e a definição de disposição geral tributária, respectivamente.

E não se poderia também cobrar tributo somente com o decreto regulamentar, prescindindo-se da Constituição, da lei complementar e da lei ordinária, já que o decreto regulamentar não poderia inovar primaria e originariamente a ordem jurídica e serviria apenas para regulamentar as leis (CRFB, art. 84, IV).242

Além disso, se, por qualquer circunstância, a Administração tributária entendesse que em casos determinados o IPTU não era devido e, posteriormente, mudando sua interpretação, passasse a entender que, nesses casos, o IPTU era devido, essa exigência somente poderia ser feita a partir desse momento da mudança do entendimento em diante, e isto porque as práticas administrativas, reiteradamente observadas pela Administração, constituem costume (CTN, art. 100, III), e a mudança de critérios jurídicos pela autoridade administrativa não pode apanhar fatos geradores ocorridos antes da introdução da mudança (CTN, art. 146).

Em conclusão, a despeito da simplicidade, o exemplo mostra que para cobrar IPTU, isto é, para se chegar à concretização da norma tributária do IPTU, é necessária a utilização de todo o sistema, particularmente, com a colaboração da Constituição, da lei complementar, da lei ordinária e do regulamento, como fatores normativos, por isso que a norma jurídica é dedução lógica e axiológica do sistema jurídico.

Logo, vê-se que a norma não se confunde com os textos normativos, observando-se que raramente se encontrará uma norma completa em uma única lei e muito menos em um simples artigo de lei, já que para a formulação da norma é necessária a utilização de todo o sistema com todos os elementos que o compõem aos quais anteriormente foi feita referência.243

242

Esta é uma questão fundamental que este estudo busca responder: saber se o decreto regulamentar tributário pode dispor sobre a instituição, modificação ou extinção de relações jurídicas.

243

NAVARRO COELHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pp. 21/22 e 30. O eminente tributarista percebeu o fenômeno da formação da norma, embora não na amplitude da noção de sistema jurídico que aqui se adota e sem o âmbito da dimensão axiológica que também aqui se encampa, mas em relação ao conjunto de leis sendo a

Além disso, é preciso atentar para o fato de que existem artigos de leis, textos e disposições normativas que são fragmentos de normas porque são insuficientes e não podem ser reconduzidos à fórmula condicional-deôntica. Algumas disposições ou enunciados normativos – que podem, como visto, até mesmo se constituírem em princípios de direito – são simples fragmentos de normas, por isso que são insuficientes para, por si só, possibilitarem a formulação de uma norma jurídica completa.

Entretanto, são exatamente esses fragmentos de norma, especialmente se forem também princípios, que contribuem ou colaboram para a formação das normas pelo intérprete e aplicador.

A doutrina, embora sem tirar a conclusão específica a que aqui se chega, reconhece a existência desses fragmentos como uma espécie de norma incompleta, já que, na verdade, esses fragmentos contribuem para a formação de normas completas.244

norma uma dedução lógica desse conjunto. Eis as palavras do eminente autor nas páginas 21/22 da obra citada: “A norma, pois, não é a mesma coisa que a lei, entendida esta como a fórmula verbal de um legislador anônimo (costume) ou como fórmula escrita de um legislador institucional (lei, estrito senso). A norma é a expressão objetiva de uma prescrição formulada pelo legislador que não se confunde com aquilo que comumente chamamos de lei. Isto quer dizer que a norma, posto já se

contenha nas leis, delas é extraída pela dedução lógica, função do conhecimento.” (Os destaques são

do original). Na página 30, ao discordar de outro tributarista não menos eminente, José Souto maior Borges, o autor aborda a questão da existência, validade, vigência, incidência, aplicação e eficácia das leis, nos seguintes termos: “Para nós, com supedâneo na teoria da norma jurídica, é absolutamente necessário distinguir, isto sim, o plano da lei do plano da norma. A lei é um ente positivo. A norma é um ser lógico. Pode até haver coincidência entre lei e norma, caso raro. Normalmente a norma decorre de um conjunto de leis. Feito esse corte metodológico, é possível verificar que os problemas concernentes à existência, validade e vigência, de fato dizem respeito à lei como ente positivo, como ato legislativo. (...) No plano da lei basicamente importa saber se ela existe, se existe com validade e se, existindo com validade, está em vigor e, pois, apta a formar normas

jurídicas ou cooperar para a formação delas. As questões de aplicabilidade, incidência e eficácia já se

inserem noutra dimensão muito diversa. Inserem-se no plano da norma. Aplicável é a norma e não a lei. O que incide não é a lei. É o preceito da norma, se e quando ocorrente sua hipótese de incidência no mundo fático.” (Os destaques são do original).

244

GUASTINI, Riccardo. Teoria e dogmatica delle fonti. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1998, p. 33 e 39-40. Sobre a temática, como dito, embora sem chegar à conclusão que se chega neste estudo, assim pontifica o autor, na página 33: “Merita di essere menzionato um modo de vedere – abbastanza diffuso e, del resto, condivisibile – secondo il quale tutti gli enunciati del discorso «legislativo» possono essere disposti in due classi reciprocamente esclusive e congiuntamente esaustive: norme e frammenti di norme. Secondo questo modo di vedere sono norme propriamente dette solo i comandi (o, al più, le regole di condotta, ossia i comandi e i permessi, gli uni e gli altri concorrendo appunto alla disciplina della condotta. I rimanenti enunciati presenti nel discorso legislativo altro non sono que parti, complementi, o frammenti di norme, e possono essere usati solo in combinazione con norme imperative (o imperative e permissive). Così, ad esempio, l’art. 2, I c., cod. civ., che fissa la maggiore

Assim, as demais disposições ou enunciados da linguagem das fontes do Direito e dos elementos que o compõem, que não possam ser reduzidas diretamente à

fórmula condicional-deôntica, podem ser considerados fragmentos de normas,245 isto é,

disposições das fontes que colaboram ou contribuem – assim como os demais elementos já referidos, que compõem o sistema – como fatores normativos para a formulação das normas jurídicas completas, inclusive, em certos casos, eliminando ou reduzindo a vagueza e a ambiguidade próprias da linguagem, especialmente da linguagem jurídica.

O entendimento da descoberta, composição e formulação da norma jurídica, nos termos aqui propostos, leva, para o campo da argumentação e da interpretação e aplicação do Direito, os problemas das lacunas do ordenamento, da colisão entre princípios, da colisão entre regras, da colisão entre disposições de lei e das exceções em geral.

Essas questões são, na verdade, solucionadas no âmbito de descoberta e formulação da norma pelo intérprete e aplicador por meio de técnicas argumentativas e interpretativas a que antes se fez referência.

età al compimento del diciottesimo anno, non è che un frammento dell’autorizzazione espressa dall’art. 48, I c., cost. Che conferisce l’elettorato attivo ai cittadini maggiorenni, come pure di tutte le norme che connettono al requisito della maggiore età una qualche conseguenza giuridica.” (Os destaques são do original). E na nota de rodapé nº 44 o autor observa: “Si osservi che l’art. 48, I c., cost. è, a sua volta, completato dall’art. 2 cod. civ. (come pure dalle norme che conferiscono la cittadinanza): sicchè, in um senso, anche l’art. 48, I c., cost. è un «frammento di norma», o comunque una norma incompleta o incompiuta. In gererale: è incompiuta ogni norma la quale contenga un termine che fa rinvio ad altre norme, o comunque pressuppone l’interpretazione di altre norme.”

245

GUASTINI, Riccardo. La sintassi del diritto. Torino: G. Giappichelli Editore, 2011, p. 53. Após citar exemplos de normas em sentido genérico, na mesma obra aqui referida, na p. 54, o autor conclui: “Come si vede, tutte le norme non prescrittive, o norme in senso generico, svolgono una qualche funzione in relazione alle prescrizioni. Per questa ragioni si usa dire che esse non sono norme ‘autonome’ – dotate, cioè, di un funzione indipendente – ma sono invece ‘frammenti’ delle prescrizioni cui si referiscono. Così, ad esempio, una norma di competenza, in un certo senso, non è altro che un frammento di tutte le prescrizioni che saranno create dall’autorità da essa istituita; una norma definitoria non à altro che un frammento di tutte le prescrizioni nelle quali è impiegato il termine definito; e così avanti.” Na mesma obra, mais adiante, na p. 56, ao referir às normas não-expressas, o autor assim se pronuncia: “Sono inespresse, per contro, le norme ricavate dalle norme formulate (o da una combinazione di norme formulate, o da una combinazione de frammenti di norme formulete) mediante procedimenti argomentativi di varia natura, ora logici (i. e., deduttivi), ora pseudo-logici (ad esempio, per via di analogia). Ogni norma inespressa, como avremo occasione di vedere, è frutto (non di promulgazione o emanazione, ma) di un ragionamento degli interpreti.” (O destaque em negrito e sublinhado foi acrescentado).

Assim, se o intérprete e aplicador não consegue solucionar as lacunas, contradições, conflitos ou exceções, certamente é problema de insuficiência do intérprete na formulação da norma.

A atividade do intérprete e aplicador resultará então numa norma que terá uma estrutura deôntica que se expressa numa hipótese de incidência e numa conseqüência jurídica, ligadas pelo functor ‘proibido’, ‘permitido’ ou ‘obrigatório’.

A norma tributária pode ter na hipótese de incidência a descrição de um fato tributável (CTN, art. 114) ou a descrição do exercício de uma atividade potencial ou conceitualmente passível de imposição tributária (CTN, art. 115).

No primeiro caso, na consequência estará descrito o dever de pagar tributo (CTN, arts. 3º, 113 e 121) e, no segundo, na consequência estará descrito um dever de fazer, não fazer ou suportar, constituindo os casos das chamadas obrigações acessórias (CTN, arts. 113, § 2º, 122).

Além disso, há uma norma tributária que pode ser chamada de tributário- sancionatória na qual estará descrita, na hipótese de incidência, uma conduta que caracteriza violação do dever de pagamento de tributo ou do dever de cumprimento da obrigação acessória (CTN, art. 113, §§ 1º e 3º), e na respectiva consequência estará descrita uma penalidade pecuniária.

Assim, a norma tributária possui uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica.