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1.3 SISTEMA JURÍDICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS

1.3.1 Os Textos Normativos

Os textos normativos têm importância capital para o objeto deste estudo, pois a eles estão ligadas as questões da legalidade e da tipicidade tributárias, temas que têm influência direta nos limites do poder regulamentar.

Tais textos145 são expressos pela linguagem normativa do legislador, aqui

entendido o legislador no seu sentido lato, abrangendo tanto o Parlamento como as

autoridades que editam atos normativos,146 mesmo aqueles atos que apenas

contribuem para o esclarecimento do conteúdo normativo das leis do Parlamento, como os decretos regulamentares e outros atos normativos expedidos por autoridades subalternas, como atos normativos expedidos pela Fazenda Pública (instruções normativas, pareceres normativos, etc.), respeitados evidentemente os âmbitos normativos de validade de cada um desses atos, decorrentes da competência constitucionalmente determinada, dos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art. 1º), do sistema republicano (CRFB, preâmbulo, arts. 1º, 3º e 4º), da soberania popular (CRFB, arts. 1º, par. único, e 14), da separação dos Poderes

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A expressão ‘textos normativos’ é aqui empregada como texto bruto decorrente das chamadas fontes do direito, textos esses com caráter imperativo e vinculante e impostos pelo poder de império do Estado, os quais são aptos a dar vida e formar as normas jurídicas, segundo a noção que a estas é emprestada nesta investigação.

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Tendo em vista o objeto do presente estudo, o interesse e o foco particular de análise recairá sobre os atos normativos editados pelo Poder Executivo no exercício do poder regulamentar.

(CRFB, arts. 2º e 60, § 4º, III), do sistema federativo (CRFB, preâmbulo, arts. 1º, 3º, 4º e 60, § 4º, I), da legalidade (CRFB, arts. 5º, II, e 150, I), etc., de cujo contexto se infere que a inovação originária e primária da ordem jurídica, no sentido de criação, modificação ou extinção de direitos e deveres, somente pode ocorrer por lei, em seu sentido formal e material, como ato do Parlamento, ressalvada apenas as hipóteses de delegação legislativa, como a lei delegada e a lei complementar de delegação (CRFB, arts. 68 e 22, par. único), e por fim os casos de deslocamento147 constitucional parcial

do poder de legislar,148 como os da medida provisória e de decretos do Executivo

(CRFB, arts. 62, 87, XXVI, e 153, § 1º), tudo quando expressamente previsto em disposição constitucional decorrente do poder constituinte originário.149

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HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4.ed. Revista e Atualizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 570. O autor referido, assim se pronuncia sobre o tema dos deslocamentos constitucionais do poder de legislar: “No mundo contemporâneo, o monopólio da lei reside no Poder Legislativo. A Lei é o ato do órgão legislativo, nas suas várias denominações de Parlamento, Congresso, Câmaras, Assembleias, conforme a preferência da Constituição, sancionado ou promulgado pelo Poder Executivo. Aí temos a ineliminável lei formal que a matéria da lei acrescenta o conteúdo da lei material. A localização da lei no Poder Legislativo é constante e generalizada nos sistemas jurídicos do mundo contemporâneo. A mudança ocorreu em outro plano, o do deslocamento da atividade legislativa para o Governo, através do Decreto-Lei, da Legislação delegada, dos provvedimenti

provvisori e das Medidas Provisórias, reduzindo a intensidade do monopólio legislativo, sem a perda

da competência exclusiva de elaboração da lei. A atividade legislativa paralela do Poder Executivo, em períodos normais ou em períodos de crises, passou a compartilhar do exercício da atividade legislativa, atingindo a exclusividade da competência legislativa que o Poder Legislativo deteve no esplendor da democracia clássica e do liberalismo político e econômico.” (Os destaques são do original).

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FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 5.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 142, referindo que autoridade significa competência, acentua que “Quanto ao conteúdo, a competência é soberania, isto é, poder de obrigar os outros mesmo sem o seu consentimento.” Assim, com a expressão ‘poder de legislar’ quer-se significar o poder atribuído pela Constituição Federal, a um ou mais órgãos do Estado, de inovar primária e originariamente a ordem jurídica por meio da edição de textos normativos com aptidão jurídica de interferir na esfera de direitos das pessoas, criando modificando ou extinguindo direitos e deveres. O poder de legislar, assim, no Estado Constitucional, e particularmente no Brasil, é prevalentemente do Parlamento. O veículo próprio, em regra geral, para inovação da ordem jurídica é a lei ordinária. Outras figuras subalternas, como o decreto regulamentar do Poder Executivo ou a instrução normativa da Receita Federal do Brasil não podem inovar a ordem jurídica no sentido que aqui se atribui a essa expressão.

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HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4ª ed. Revista e Atualizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 107, utiliza as expressões ‘poder constituinte originário’ e ‘poder constituinte derivado’, as quais são também aqui adotadas por serem, segundo aquele mesmo autor, expressões consagradas na doutrina e na jurisprudência. Em tais circunstâncias, a expressão ‘poder constituinte originário’ é entendida como o poder decorrente da Assembleia Nacional Constituinte, e ‘poder constituinte derivado’ como o poder meramente congressual, do Congresso ordinário, não proveniente de uma assembleia constituinte, decorrente de convocação específica do povo, para a instauração de uma nova ordem constitucional.

Os textos normativos compreendem, então, além da própria Constituição Federal, as figuras componentes do processo legislativo (CRFB, art. 59), como as constituídas pelas emendas à Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos, e as resoluções. Além dessas figuras, também existem os decretos regulamentares do Executivo (CRFB, art. 84, IV), os regimentos dos tribunais (CFRB, art. 96, I, ‘a’), e outros atos normativos de autoridades subalternas como, v. g., os da Receita Federal, que edita instruções normativas, atos declaratórios normativos, pareceres normativos, etc.

Entre essas categorias que integram o processo legislativo, merecem destaque a medida provisória, a lei delegada e a lei complementar de delegação, por representarem exceções à competência parlamentar relativa ao poder de legislar. E entre as demais figuras, a relevância que se empresta nesta investigação é aos decretos regulamentares do Executivo, especialmente diante das indagações quanto ao seu alcance de inovação ou não da ordem jurídica.

A medida provisória representa deslocamento constitucional parcial do

poder de legislar do Parlamento para o Executivo.150 É editada nos casos de urgência e

relevância, em determinadas matérias e, sendo exceção à regra geral da competência parlamentar, como tal deve ser interpretada (CFRB, arts. 62 e 87, XXVI).

A lei delegada e a lei complementar de delegação constituem delegação constitucional legislativa para o Presidente da República e para os Estados-membros.

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Ibid., p. 563, ferindo o tema do aludido deslocamento da atividade legislativa, identificando aí um fenômeno generalizado nos sistemas jurídicos contemporâneos, com propriedade, assim se expressa sobre a matéria: “Não é o monopólio da lei formal e da lei material que está em causa no mundo contemporâneo. Trata-se do deslocamento parcial da atividade legislativa para outros titulares, aos quais as Constituições contemporâneas permitem, através de técnicas e de procedimentos apropriados, o exercício da competência legislativa, para emanar atos distintos da lei, mas que possuem força e valor de lei. Essas técnicas e procedimentos não são criações do mundo contemporâneo. Lançam raízes no passado e denunciam, pelo menos, a desconfiança na competência do Poder Legislativo para legislar rapidamente ou atender situações de emergência. O deslocamento parcial da atividade legislativa do Parlamento para outros centros de legislação não constitui procedimento raro e restrito a este ou aquele Estado. É fenômeno generalizado, que se disseminou nos sistemas jurídicos contemporâneos e ingressou nas democracias clássicas e nas democracias modernas, nos regimes republicanos e nos regimes monárquicos, nas Constituições presidencialistas e nas Constituições parlamentaristas. Após o choque inicial, que feriu os preceitos da doutrina constitucional fundada na separação dos poderes e na distribuição orgânica de competências, acenando com a ameaça da ditadura, o procedimento e as técnicas que preconizaram a adoção de novas formas de atividade legislativa, além da lei formal e da lei material, encontraram consagração nos textos constitucionais do Governo representativo.”

Ambas são editadas nas matérias em que é constitucionalmente possível a delegação, sendo que a lei delegada tem os limites estabelecidos na autorização do Congresso Nacional. Essas duas hipóteses de delegação, como exceções à regra geral da competência parlamentar, como tal também devem ser interpretadas (CFRB, arts. 68 e 22, par. único).151

Os decretos regulamentares do Executivo, como se verá adiante, somente operam nas situações expressamente previstas e autorizadas na Constituição Federal. O papel desses decretos tem especial relevância neste estudo, na medida em que os objetivos desta investigação dizem com os limites do poder regulamentar, o qual é normalmente veiculado por decreto.

Demonstrar-se-á adiante que, na ordem constitucional brasileira, não pode haver delegação legislativa com base em lei inferior, sendo vedado às autoridades do Poder Executivo inovar primariamente a ordem jurídica por meio de atos regulamentares.152

Os textos normativos, portanto, de maneira abrangente, compreendem a Constituição Federal, as Emendas à Constituição, as Constituições dos Estados- membros, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, os decretos-leis decorrentes da ordem constitucional anterior, recepcionados pela Constituição Federal de 1988, os

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Ver subitem 3.6, Figura 3, Quadro Comparativo. 152

MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão. Trad. do Prof. Dr. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 25, a propósito do tema, com relação à situação da Alemanha, assim anota: “O executivo, somente em virtude de uma autorização legal, pode tornar-se ativo dispondo direito e promulgar regulamentos jurídicos. Uma autorização universalmente formulada (autorização geral) não basta. Ao contrário, o dador de leis deve mesmo indicar o conteúdo, finalidade e dimensão do regulamento jurídico no futuro e, com isso, determinar seu quadro e sua direção de objetivo (autorização especial). A dação de regulamento é, assim, disposição de direito, mas não disposição de direito original, e sim, derivado. Ela não apresenta uma infração verdadeira da divisão de poderes, porque o dador de regulamentos somente pode tornar-se ativo segundo o ajuste do dador de leis.” No Brasil, como será visto neste estudo, diversamente do sistema Alemão, descrito pelo autor citado, não há possibilidade de delegação pelo legislador ordinário ao Executivo, e as possibilidades e limites do regulamento já estão definidas na Constituição Federal, podendo o regulamento ser editado apenas para a fiel execução das leis (CF, art. 84, IV), não podendo ampliar nem diminuir o conteúdo da lei regulamentada, de modo que o Executivo não está autorizado a inovar a ordem jurídica. As exceções em que o Executivo pode fazer essa inovação já estão expressamente no Texto Constitucional, nos casos da Medida Provisória (art. 62), da Lei Delegada (art. 68) e nos casos manipulação de alíquotas de alguns impostos (art. 153, § 1º), o que demonstra que o legislador inferior não poderia fazer delegações ‘brancas’ para o poder Executivo por meio de leis inferiores que não a Lei Delegada.

decretos legislativos, os tratados e convenções internacionais, as resoluções do Senado e do Congresso, os regimentos internos dos tribunais, os decretos regulamentares, as instruções normativas, as portarias, as circulares, os pareceres normativos, etc.

Em conclusão, os textos normativos compreendem as categorias jurídicas previstas no art. 59 e no art. 84, inciso IV, ambos da CRFB, além de outras figuras ou formas que são autorizadas pela própria Constituição Federal e pela legislação inferior.

O manto normatizador do Direito encampa condutas humanas pertencentes e pertinentes a outros sistemas não-jurídicos e as juridiciza, fenômeno

que pode dar-se não só pela lei, mas também pela jurisprudência153 e pelo costume.

Essa encampação jurídica pode ser constatada, v. g., quando se pensa nos organismos geneticamente modificados, nos abortos eugênicos por anencefalia, na inseminação artificial, no útero de aluguel, na doação de sêmen, entre outros inúmeros e instigantes temas.

Os textos normativos, portanto, produzem, modificam e recompõem o Direito a partir de seu próprio interior e permitem, nas relações com os outros sistemas, a encampação do dado bruto desses outros sistemas, para ser juridicizado no seio do Direito.

Os textos normativos, especialmente aqueles decorrentes das leis em sentido material e formal, têm grande importância na formação das normas jurídicas, já que existem áreas do sistema jurídico, como, v. g., o Direito Penal e o Direito Tributário, em que avulta sobremaneira o chamado princípio da legalidade, de modo que o texto legal tem especial relevância na formulação da norma jurídica penal e da norma jurídica tributária.

Assim, os textos normativos contribuem de maneira fundamental, como fatores normativos, para a formulação da norma jurídica.

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Confira-se na jurisprudência, entre outras, as seguintes decisões que autorizaram a interrupção da gravidez por anencefalia: BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Terceira Câmara Criminal. Apelação Crime nº 70011918026. Relatora Desa. Elba Aparecida Nicolli Bastos. Julgada em 09 jun. 2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2006. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Segunda Câmara Criminal. Mandado de Segurança nº 70005577424. Relator Des. José Antônio Cidade Pitrez. Julgado em 20 fev. 2003. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2006.