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1.5 Biossensores do tipo FET

1.5.2 Estrutura do biossensor

A dependˆencia da condutˆancia do dispositivo com a tens˜ao aplicada no gate faz com que os transistores de efeito de campo sejam dispositivos promissores em aplica¸c˜oes de sensoriamento. Por exemplo o ISFET (Ion Sensitive Field Ef- fect Transistor), comumente aplicado na detec¸c˜ao de pH, ´e uma modifica¸c˜ao do MOSFET (Metal-Oxide Semicondutor Field Effect Transistor ) em que o contato met´alico da porta ´e substitu´ıdo por uma solu¸c˜ao eletrol´ıtica e um eletrodo de referˆencia [54,55].

No caso deste biossensor, o campo el´etrico das biomol´eculas na superf´ıcie pode ser associado `a tens˜ao aplicada na porta, modulando a deple¸c˜ao ou acumula¸c˜ao de portadores. A Figura 1.11 ilustra o funcionamento de um FET baseado em Si tipo-p. A aplica¸c˜ao de um potencial negativo na porta leva a um ac´umulo de portadores majorit´arios pr´oximo `a superf´ıcie e, portanto, a um aumento da condutˆancia. Em analogia, substituindo o contato da porta por uma camada de biomol´eculas com carga negativa, tamb´em ocorrer´a um ac´umulo de cargas positivas pr´oximo `a superf´ıcie [56].

Figura 1.11: Princ´ıpio de funcionamento de um transistor de efeito de campo, ou FET (a) e um biossensor tipo FET (b), baseados em Si. Nos dois casos, cargas negativas no contato da porta ou na superf´ıcie do nanofio levam ao aumento da

condutˆancia entre fonte (F) e dreno (D), adaptado de [56].

O processo de funcionaliza¸c˜ao da superf´ıcie constitui um fator cr´ıtico para a sensi- bilidade e especificidade do biossensor. O caso ideal para dispositivos do tipo FET ´

e a imobiliza¸c˜ao covalente de biomol´eculas na superf´ıcie limpa de um substrato se- micondutor, utilizando linkers espec´ıficos, com o objetivo de obter uma alta den- sidade de s´ıtios doadores para a liga¸c˜ao espec´ıfica das biomol´eculas. Al´em disso, isto permite passivar a superf´ıcie para obter uma densidade suficientemente baixa de estados eletrˆonicos na superf´ıcie do semicondutor, que podem interferir nas propriedades eletrˆonicas da heteroestrutura semicondutor/biomol´eculas [57,58]. As propriedades das biomol´eculas dependem fortemente das condi¸c˜oes do meio (solu¸c˜ao). Na estrutura de uma prote´ına, existem grupos que podem sofrer pro- tona¸c˜ao (adi¸c˜ao de H) ou desprotona¸c˜ao (retirada de H), alterando a carga el´etrica total da mol´ecula. Assim, a configura¸c˜ao de cargas depende do pH da solu¸c˜ao [59,60].

O pH, ou potencial hidrogeniˆonico, est´a relacionado `a atividade dos ´ıons H+ presentes na solu¸c˜ao:

A atividade iˆonica aH+ ´e proporcional `a concentra¸c˜ao por um coeficiente de ati-

vidade que depende da intera¸c˜ao com os ´ıons da solu¸c˜ao. Para solu¸c˜oes dilu´ıdas, abaixo de 0,1 mol dm−3, o coeficiente de atividade ´e approximadamente 1 de modo que: aH+ ' [H+]. Desse modo:

pH = − log10[H+] (1.4)

Ou seja, quanto maior a concentra¸c˜ao de ´ıons H+, menor o pH. O ponto isoel´etrico (pI) de uma biomol´ecula ´e o pH onde ela se encontra eletricamente neutra; quando o pH ´e menor que o pI de uma prote´ına, esta encontra-se carregada positivamente e quando pH ´e maior que o pI, encontra-se carregada negativamente.

Portanto, os processos de funcionaliza¸c˜ao da superf´ıcie, imobiliza¸c˜ao de biomol´e- culas e medidas de detec¸c˜ao devem ser realizados em solu¸c˜oes tamp˜oes (buffers) para manter a for¸ca iˆonica do meio est´avel.

No caso da mol´ecula de DNA, a concentra¸c˜ao iˆonica da solu¸c˜ao vai interferir na conforma¸c˜ao da mol´ecula e no processo de hibridiza¸c˜ao. A solu¸c˜ao comumente uti- lizada ´e o buffer TRIS (tris(hydroxymethyl)aminomethane), que possui pH 7,4, que corresponde ao pH do meio intracelular, onde as mol´eculas de DNA s˜ao est´aveis. Como as medidas de detec¸c˜ao no biossensor do tipo FET s˜ao feitas em buffer a resposta do dispositivo tamb´em ser´a influenciada pela concentra¸c˜ao iˆonica, visto que biomol´eculas carregadas ser˜ao eletricamente ’blindadas’, pelos ´ıons de carga oposta, na solu¸c˜ao em um comprimento caracter´ıstico conhecido como compri- mento de Debye (λD). Como a mol´ecula de DNA que possui carga negativa, haver´a por intera¸c˜ao eletrost´atica a presen¸ca de ´ıons positivos da solu¸c˜ao ao seu redor. No comprimento λD o n´umero de cargas positivas se aproxima do n´umero de cargas negativas, fazendo com que o potencial eletrost´atico do DNA decaia exponencialmente com a distˆancia [61]. Para solu¸c˜oes aquosas em temperatura ambiente, o comprimento de Debye pode ser expresso como [61]:

λD =

1

p4πlBPiρizi2

, (1.5)

lB ´e o comprimento Bjerrum (= 0,7 nm, para solu¸c˜oes aquosas em 300 K), ρi ´e a densidade e zi a valˆencia dos ´ıons, e o somat´orio ´e feito sobre todas as esp´ecies

iˆonicas da solu¸c˜ao. Essa express˜ao mostra a dependˆencia de λD com a concentra¸c˜ao iˆonica da solu¸c˜ao.

O comprimento de Debye representa um fator importante no desempenho de bi- ossensores de efeito de campo, de modo que a detec¸c˜ao ser´a feita apenas para mol´eculas que est˜ao at´e uma distˆancia λD da superf´ıcie. A Figura 1.12 ilustra uma compara¸c˜ao do comprimento de Debye para solu¸c˜oes com diferentes for¸cas iˆonicas, no caso de uma mol´ecula de DNA imobilizada na superf´ıcie do sensor.

Figura 1.12: Representa¸c˜ao esquem´atica de uma mol´ecula de DNA imobi- lizada covalentemente na superf´ıcie de um sensor FET e os comprimentos de

Debye λD para solu¸c˜oes com diferentes for¸cas iˆonicas, adaptado de [47].

Portanto, reduzindo a for¸ca iˆonica do buffer, ´e poss´ıvel detectar eventos de reco- nhecimento biol´ogico em comprimentos maiores acima da superf´ıcie do biossensor. A intera¸c˜ao do buffer com a camada funcionalizada tamb´em leva a a uma varia¸c˜ao do potencial el´etrico no semicondutor devido a um efeito capacitivo que surge por conta dos ´ıons pr´oximos a superf´ıcie. Esse efeito modula a configura¸c˜ao dos

portadores no biossensor. Ent˜ao ´e necess´ario um tempo para estabiliza¸c˜ao quando a solu¸c˜ao ´e inserida no dispositivo.

Os biossensores do tipo FET tamb´em podem ser aplicados no estudo da afinidade de liga¸c˜ao molecular das esp´ecies biol´ogicas, utilizando um modelo baseado em isoterma de Langmuir [6, 40]. As constantes de associa¸c˜ao e de equil´ıbrio podem ser quantificadas de acordo com a resposta do sensor. Resumidamente, para bi- ossensores a varia¸c˜ao da condutˆancia (ou resistˆencia) pode ser ajustada a uma fun¸c˜ao F (x), relacionada `a concentra¸c˜ao de ligantes, onde:

F (x) = Kmax· x x + Kd

(1.6)

No modelo de Langmuir, Kmax ´e a constante de adsor¸c˜ao m´axima das biomol´e- culas do analito (ligantes) na superf´ıcie, e KD ´e a constante de equil´ıbrio, que depende da intera¸c˜ao dos ligantes com o solvente (buffer TRIS) e com os recep- tores imobilizados na superf´ıcie. Essa constante de equil´ıbrio est´a relacionada `a afinidade de liga¸c˜ao entre as biomol´eculas, representando a concentra¸c˜ao do ligante para a qual metade dos receptores estar˜ao ligados [62].

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