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Estrutura formal da responsabilidade civil do Estado: a conexão com a Teoria Geral do Direito e com o Direito Processual

1.1 COLOCAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

1.1.1 Estrutura formal da responsabilidade civil do Estado: a conexão com a Teoria Geral do Direito e com o Direito Processual

A estrutura formal da heterorresponsabilidade, conforme definição de Klaus Günther, é a ―responsabilidade de uma pessoa por uma ação (ou omissão) ou conseqüência de uma ação perante outras pessoas‖ 85

. Como se vê, trata-se de uma espécie de relação e, como tal, está sujeita à estrutura formal padrão, observável em todas as demais relações, pois como ensina Lourival Vilanova ―o conteúdo das relações, sua diferenciação, dá-se em virtude da peculiaridade dos campos – matemático, físico, social etc., como estrutura, todavia, são universais‖ 86

. No campo do Direito diz-se relação jurídica.

O Direito é um sistema de normas de referência objetiva, que aludem, especificamente, aos fatos naturais e de conduta. Tais normas, ao incidirem sobre fatos condicionantes de condutas, entretecem um sistema de relações jurídicas87. Estas, por sua vez, são o relacionamento intersubjetivo estabelecido, modificado ou desfeito pelas normas do sistema do Direito88 e, quando as relações sociais passam sob a ação desse facho normativo,

84GÜNTHER, Klaus. Responsabilidade na Sociedade Civil. Revista Novos Estudos. São Paulo. n. 63, p. 105-

118, jul. 2002. p. 116.

85GÜNTHER, Klaus. Responsabilidade na Sociedade Civil. Revista Novos Estudos. São Paulo. n. 63, p. 105-

118, jul. 2002. p. 107.

86VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 73. 87VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 68. 88

Tárek M. Moussallém ensina que a definição de direito não estaria completa sem a ideia de conjunto, ordem ou sistema, e isso ocorre porque ao se conferir caráter sistemático à realidade que se pretende estudar, no âmbito cientifico, impõe-se caráter de unidade ao objeto, outorgando, consequentemente segurança ao seu conhecimento (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. São Paulo: Noeses, 2006. p. 63-68). No entanto, é relevante o alerta de Francisco Amaral, segundo o autor ―o sistema jurídico, embora apresentando características de uniformidade, plenitude e coerência, não pode ser considerado, todavia, produto de puras conexões lógicas, deduzidas de princípios fundamentais harmonicamente dispostos, de modo estático e fechado. Deve ser concebido como uma totalidade social e dinâmica, suficientemente aberta para acolher os problemas

36 elas adquirem o significado de relações jurídicas, passando de alguma forma a ser relevante para o universo jurídico.

Quanto à estrutura, aplica-se às relações jurídicas o minimun estrutural de qualquer relação: são formalmente decompostas em termos que se encontram interligados por um operador relacionante89. Acrescida, ainda, do elemento normativo, típico das relações de cunho social90.

Sendo interpessoais, tanto em um termo como noutro da relação verificam-se sujeitos que no âmbito jurídico são denominados ―sujeitos-de-direito‖. Estes se encontram em posições contrapostas e, para marcar tais posições, passam a ser denominados de ―sujeito-de- direito ativo‖ e ―sujeito-de-direito passivo‖ 91. Todavia, além da intersubjetividade, há ainda outro requisito para a constituição de uma relação jurídica: a correspondência integral de um fato social a uma hipótese normativa, afim de que, no plano concreto resultem obrigatoriamente as consequências jurídicas aos sujeitos relacionados.

Dentro do universo jurídico os fatos físicos e sociais que satisfazem a relação de correspondência com as hipóteses fáticas (species facti ou fattispecie astratti) tomam forma de causa, para diversos efeitos92. Esse processo também se dá com a relação de responsabilidade e, uma vez havendo a confirmação da hipótese, o efeito é o surgimento de um liame entre os sujeitos onde um torna-se juridicamente responsável perante o outro. É nesse sentido a afirmação de Lourival Vilanova segundo o qual ―onde quer que se dê norma e fato, sobrevém relação jurídica‖ 93

-94.

que se renovam, sem prejuízo de sua ordenação sistemática‖ (AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 39).

89VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 68.

90Esclarece Lourival Vilanova que ―as relações jurídicas são jurídicas pelo conteúdo social da conduta e dos

fatos naturais relevantes para a conduta juridicamente conformada‖ e, enquanto espécie de relações sociais são constitutivamente normadas, pois ―sempre há norma, ou do uso e costume, ou moral, ou religiosa, ou econômica, ou de cortesia, de urbanidade, ou de regra de linguagem, de comunicação, do vestir, do trabalho e do lazer; há regramento no conduzir um veículo, no andar a pé, no horário de dormir, de acordar, de fazer refeições etc.; no estar num templo, numa festividade cívica, numa oficina, numa universidade, num campo de jogos‖ (VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 67-69).

91VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: Saraiva. p. 73-74. 92VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: Saraiva. p. 71. 93VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. São Paulo: Saraiva. p. 75.

94Nesse sentido é pertinente a colocação de Fabiano André Mendonça acerca da necessidade de ―realizabilidade‖

da norma jurídica em importante obra acerca dos limites da responsabilidade civil do Estado. Disse o autor: ―A diferença do texto da lei, em relação a outro (como um romance), por mais que tenham elementos em comum (como sonhos, gramática, emoções, etc), é que ele pode ser realizado. O texto que representa uma cristalização política em torno de determinados objetivos pode reunir as devidas características e ser exigido. Ou seja, a diferença do que comanda não está na chancela oficial, mas na possibilidade de reunir elementos de realização. Sobretudo, a norma não pode ser irrealizável. Noutras palavras, não pode exigir algo impossível nem tampouco limitar-se à constatação física. Esses são os dois extremos que devem ser evitados (MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Limites da responsabilidade do Estado: Teoria dos limites da responsabilidade

37 Essa é a concepção de Kelsen quando na Teoria Pura do Direito inicia a abordagem da estática jurídica tratando a questão da responsabilidade e sua conexão com a sanção e o dever jurídico. Nesse sentido, apresenta a responsabilidade como espécie de sanção em sentido estrito, a qual se subdivide em pena e execução, a primeira voltada para a privação de um bem jurídico e tem finalidade eminentemente pública e a segunda para a indenização do ato ilícito lato sensu, visando à recomposição patrimonial95.

Tem-se, portanto, que a determinação de uma conduta como antijurídica, para o Direito, em termos normativos, é tornar o próprio fato jurídico, fazendo incidir uma sanção para o ato contrário o Direito. É a lógica jurídica, está pautada não no ser, mas no dever-ser, o que existe é o dever-ser de um comportamento conseguinte ao Direito, mas o que faticamente se concretiza é uma conduta oposta, é justamente essa que será matéria prima para a incidência da norma atuando como pressuposto de fato.

Ao prescrever a conduta como deve-ser a norma caracteriza-se como dever jurídico, de maneira que é possível concluir, tal como fez Kelsen que ―a norma jurídica que prescreve a indenização de um prejuízo causado a outrem estatui – ou melhor: é – um dever jurídico geral‖ 96

. Esse dever jurídico é o de não lesionar ou ofender o outro, ou ainda, como preferem os mais tradicionais, o neminem laedere.

Diante disso, Aguiar Dias diferencia a responsabilidade jurídica da responsabilidade moral a partir da noção de prejuízo, pois segundo o autor ―a finalidade da regra jurídica se esgota com manter a paz social, e esta só é atingida quando a violação se traduz em prejuízo‖ 97

. Portanto, como se vê, o escopo da responsabilidade jurídica acaba por confundir-se com o próprio problema do direito: restabelecimento da harmonia ou do equilíbrio dissolvido. O dever de não lesar presente na relação jurídica da responsabilidade não ficou restrito a esta ou aquela seara jurídica, mas rompeu com as distinções exclusivamente pedagógicas, de maneira que aos poucos acabou por invadir os domínios da ciência jurídica.

Assim, na medida em que é verificado o respectivo desfazimento da harmonia, que é em síntese a desobediência a um dever com consequente prejuízo, conforme já abordado, surge o instituto da responsabilidade jurídica, visando restabelecê-lo. Pois a responsabilidade é o momento seguinte, decorrente da concretização do fato contrário ao dever jurídico, é a

extracontratual do Estado na Constituição Federal Brasileira de 1988. Tese (Doutorado em Direito) –

Faculdade de Direito do Recife, Recife, 2002. p. 38-39).

95

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 93-96.

96KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,

1994. p. 128.

38 consequência de uma conduta antijurídica que causou dano injusto a alguém, de maneira que se poder chamar de responsável aquele contra quem se forma a relação jurídica com vistas a reparar e indenizar o dano causado, por ele mesmo ou por outrem, quando há responsabilidade de terceiro. Se, por ventura, não há reparação incide sanção também sobre essa conduta antijurídica98.

É dizer que no âmbito da responsabilidade há dois deveres jurídicos em pauta: primeiramente, não lesar, em segundo, se lesar, indenizar o dano injusto. E, cumpre ressaltar que já em Kelsen é possível que o dever de indenização se dê independentemente de um juízo sobre o elemento subjetivo, é o que ele denominou de responsabilidade pelo resultado, e que transposta para o atual cenário da responsabilidade civil, poderia se dizer responsabilidade objetiva.

A questão da responsabilização está intimamente relacionada outro conceito desenvolvido por Kelsen: a imputação. Necessário é estabelecer que o responsável a quem se atribui a conduta contrária ao Direito deve ser capaz de responder pelo ato, ou nas palavras de Kelsen, imputável, compreendido este como ―aquele que pode ser punido pela sua conduta, isto é, aquele que pode ser responsabilizado por ela‖99.

Ao processo que culmina na responsabilidade jurídica chamamos de responsabilização jurídica, que nas palavras de Maurício Bunazar é a responsabilidade jurídica em potência, ou, ainda, ―o resultado da deflagração do funcionamento da estrutura jurídica de imputação de consequências aos sujeitos‖ 100

.

98Transcreve-se a exposição de Hans Kelsen, pela importância elucidativa: ―O fato de que a ordem jurídica

obriga à indenização de um prejuízo é corretamente descrito na seguinte proposição jurídica: se um indivíduo causa a outrem um prejuízo e este prejuízo não é indenizado, deve ser dirigido contra o patrimônio de um outro indivíduo um ato coercitivo como sanção, quer dizer, deve retirar-se compulsoriamente a outro indivíduo um valor patrimonial e atribuí-lo ao indivíduo prejudicado, para ressarcimento do prejuízo. Um indivíduo poderia - como já foi notado - ser constituído no dever de não causar a outrem um prejuízo, sem ser obrigado a indenizar o prejuízo causado com a infração daquele dever. Tal seria o caso se ele não pudesse evitar a sanção através da indenização do prejuízo. Segundo o Direito positivo, porém, ele pode - normalmente - evitar a sanção pela indenização do prejuízo. Quer dizer: ele não só é obrigado a não causar a outrem qualquer prejuízo com a sua conduta mas ainda, no caso de, com essa sua conduta, ter causado um prejuízo a outrem, a indenizar esse prejuízo‖ (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 139).

99KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,

1994. p. 81.

100

BUNAZAR, Maurício B. Taxonomia da sanção civil para uma caracterização do objeto da responsabilidade civil. Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Lisboa, a. 1, n. 2, 2012. p. 640. 101Ensina Paulo de Barros que ―o direito é uno, tecido por normas que falam do comportamento social, nos mais diferentes setores de atividade e distribuídas em vários escalões hierárquicos‖ (Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 39-41). Sendo assim para o outro é ―intolerável desconsiderá-lo como tal‖, sendo assim, as pretensões de autonomia científica que determinados autores visam sustentar são uma falácia, uma tentativa de ―cisão do incindível‖ ou de ―seção do inseccionável‖, assim a autonomia é somente para fins didáticos. Assim sendo um fato gerado poderá ser estudado por este ou aquele ramo direito, ou até mesmo por

39 O fato que origina a responsabilidade jurídica pode ter repercussão em distintas searas do Direito, conforme a natureza da norma jurídica que estabelece o dever jurídico se amolde as divisões didaticamente realizadas pelos cientistas jurídicos, bem como poderá ser objetivo de investigação de diferentes teorias, que o decompõe abstratamente101. Essa variação propicia espécies diversas de responsabilidade jurídica e permitem que o mesmo fato possa ensejar responsabilidade em mais de um domínio jurídico, porque autônomas as normas.

É nesse contexto que surgem as responsabilidades civil, penal e administrativa, no entanto, como bem ressalta José Cretella Jr., ―o ponto que liga os campos específicos de conhecimento jurídico é a parte geral de cada campo ou as denominadas teorias gerais‖, concluindo o autor que ―a Teoria Geral do Direito é uma parcialização metódica do conhecimento jurídico. Põe entre parênteses temas jurídicos que complementam sua visão parcial‖ 102

. Desta feita, é a responsabilidade jurídica do domínio da Teoria Geral do Direito, especificamente, do aspecto teórico-normativo, conforme se espera ter demonstrado.

A responsabilidade jurídica, portanto, não está relacionada a este ou aquele documento legal, nem mesmo a construção doutrinária historicamente considerada103. Trata-se de um conceito jurídico fundamental, típico mesmo da epistemologia jurídica, cuja tarefa primordial é auxiliar a compreensão do fenômeno jurídico, onde e quando ocorrer104, servindo de base para elaboração dos conceitos jurídico-positivos e auxiliando o operador do direito na árdua tarefa que é compreender, interpretar e aplicar o ordenamento jurídico105. É o que Cretella Jr. chama, com base em Rudolf Stammler, de ―categoria‖, isso é, ―formulações genéricas, in

mais de um ao mesmo tempo, na medida em que se encaixe em um antecedente normativo, sem que com isso se entenda estar o direito cindido, apenas que para fins científicos houve uma autonomia metodológica.

101Ensina Paulo de Barros que ―o direito é uno, tecido por normas que falam do comportamento social, nos mais

diferentes setores de atividade e distribuídas em vários escalões hierárquicos‖ (Carvalho, Paulo de Barros. Curso

de Direito Tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 39-41). Sendo assim para o outro é ―intolerável

desconsiderá-lo como tal‖, sendo assim, as pretensões de autonomia científica que determinados autores visam sustentar são uma falácia, uma tentativa de ―cisão do incindível‖ ou de ―seção do inseccionável‖, assim a autonomia é somente para fins didáticos. Assim sendo um fato gerado poderá ser estudado por este ou aquele ramo direito, ou até mesmo por mais de um ao mesmo tempo, na medida em que se encaixe em um antecedente normativo, sem que com isso se entenda estar o direito cindido, apenas que para fins científicos houve uma autonomia metodológica.

102

CRETELLA Jr., José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 14.

103MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Limites da responsabilidade do Estado: Teoria dos limites da

responsabilidade extracontratual do Estado na Constituição Federal Brasileira de 1988. Tese (Doutorado

em Direito) – Faculdade de Direito do Recife, Recife, 2002. p. 49.

104

DIDIER JR., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. 4ª ed. Salvador: JusPodvm, 2017. p. 55

105DIDIER JR., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. 4ª ed. Salvador: JusPodvm,

40 abstrato, com as respectivas conotações especiais, ainda não comprometida com nenhum dos ramos em que se bifurca a ciência jurídica‖ 106

.

Pode-se, portanto, falar que a responsabilidade jurídica é conceito que adere à ―Teoria Geral do Direito‖, tratando-se de uma teoria parcial que serve de base para as teorias individuais, que surgem visando estudar as normas de distintas searas jurídicas, cuja descrição é referente às relações sociais que visa regular e pacificar, sendo esse o fim precípuo o Direito. Uma destas é Direito Civil, no qual o instituto toma forma da responsabilidade civil e se diz haver no âmbito científico uma ―Teoria da Responsabilidade Civil‖. Por certo houve um caminho histórico-evolutivo para o surgimento da responsabilidade civil, no entanto não é objetivo do presente percorrê-lo, conforme já exposto quando se tratou no tópico introdutivo da metodologia.

A responsabilidade civil, como espécie de responsabilidade jurídica, subdivide-se e engendra a responsabilidade civil contratual e extracontratual, esta última, se subdivide, ainda, em responsabilidade civil extracontratual em ―sentido amplo‖ e em ―sentido estrito‖, sendo apenas este último o objeto do presente estudo, sendo todas essas estudas por uma ―Teoria da Responsabilidade Civil‖, aplicável ao Direito brasileiro, mas, irrefutavelmente repleta de conhecimento adquirido do Direito comparado.

Em ―sentido amplo‖, como ensina Maurício Bunazar a partir da responsabilidade jurídica possível aplicar as sanções de invalidação de ato jurídico em sentido estrito ou negócio jurídico, de perda de uma posição jurídica ativa, de imposição do dever de imputação patrimonial, de imposição do dever de fazer ou não fazer algo, sem que necessariamente tenha ocorrido, ou antes que ocorra, dano injusto e, ainda, de imposição do dever de fazer algo a título de indenização107.

Por outro lado, no que se refere à responsabilidade em ―sentido estrito‖, tem-se que se encontra a adstrita à indenização pelo dano sofrido, neste trabalho esse conceito será referido simplesmente por responsabilidade civil. A norma jurídica que a fundamenta possui como descrição lógico-formal ―não se deve causar dano injusto‖, uma vez concretizado o dano injusto, que é a atuação contrária ao Direito, a incidência normativa determina que ―se for causado dano injusto, então haverá obrigação de indenizá-lo‖ 108 e, ainda, conforme ensina Kelsen, se descumprida essa obrigação, ―deve ser aplicação de sanção sobre o patrimônio do

106CRETELLA Jr., José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 14. 107

BUNAZAR, Maurício B. Taxonomia da sanção civil para uma caracterização do objeto da responsabilidade civil. Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Lisboa, a. 1, n. 2, 2012. p. 643-645.

108BUNAZAR, Maurício B. Taxonomia da sanção civil para uma caracterização do objeto da responsabilidade

41 responsável para a reparação do dano‖, esta última sempre com participação do Estado-juiz. Essa construção é aplicável à seara contratual e extracontratual, quanto à última é a abordagem.

A responsabilidade civil em sentido estrito do Estado é, portanto, aquela que se dá em decorrência das atividades estatais sem qualquer conotação pactual109, embasada na ideia de que, como qualquer outro sujeito-de-direito, se o Estado encontrar-se na posição de quem causou dano injusto a alguém, deve indenizar a vítima, sendo esse hoje entendimento prevalecente 110.

Ressalta-se que o Estado enquanto pessoa jurídica é ser intangível e fisicamente incapaz de realizar atos, mas capaz de ter personalidade jurídica a partir da consagração da ―Teoria da Realidade Técnica‖ 111

. Sendo assim, o Estado somente faz-se presente no mundo jurídico por meio de seus agentes, estes são quem de fato podem lesar terceiros, embora o dano injusto seja imputado ao Estado112.

Nesse sentido, é preciso destacar que na relação jurídica de responsabilização civil do Estado o fato jurídico que a enseja é concretizado pela atuação de um agente, ensejando, nesse cenário três elementos: Estado, agente estatal – termo empregado como referência a todo aquele que atua em nome do Estado. – o e lesado E, diante disso é possível se falar em duas relações jurídicas de responsabilização: a primeira formada entre o Estado e vítima, e uma segunda, formada entre o Estado e o agente causador do dano, nos termos do art. 37, §6° da Constituição Federal113.

A relação jurídica entre o Estado e a vítima visa indenizar esta de seu prejuízo, tem por fundamento a responsabilidade objetiva, de outro lado a relação entre o Estado e o agente

109

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. E-book (p. 666). ISBN 978-85-97-01589-8.

110MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008. p. 983.

111Nesse sentido, ensina: Oswaldo A. Bandeira de Mello: ―a atividade funcional do Estado, como ser abstrato,

realidade acidental, formada de relações de seres substanciais, os seres humanos, se efetiva mediante a ação destes, pessoas físicas, seus agentes, mas no seu nome e por sua conta, como centro de atribuições e operações. A cada um desses agentes corresponde um círculo de atribuições, para ser objeto do exercício de poderes e cumprimento de deveres, que exteriorizam a personalidade do Estado, como ser capaz de direitos e obrigações.