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A “suposta” autonomia científica: não adoção de uma “Teoria da Responsabilidade Processual Civil”

V: enunciados aprovados Brasília, Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012 p 22.

3.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL PROCESSUAL: ESCLARECIMENTO SOBRE A TERMINOLOGIAS

3.1.1 A “suposta” autonomia científica: não adoção de uma “Teoria da Responsabilidade Processual Civil”

A questão referente à autonomia científica da ―responsabilidade processual civil‖, segundo Fernando Luso Soares, está associada à própria autonomia do processo civil enquanto ciência. Assim, segundo o autor, creditar à ―responsabilidade processual civil‖ uma colocação de apêndice da responsabilidade civil é retornar aos tempos em que o processo era considerado direito adjetivo822-823.

822Nesse sentido, expõe o autor: ―Desde logo, hoje só podem suspeitar da autonomia da responsabilidade

processual aqueles que porventura não hajam ainda ressuscitado para fora do tempo em que, antes de Chiovenda, o direito do processo desaparecera com ciência, abandonados os seus elementos vitais aos só práticos, precisamente absorvidos na sedução civilista. Porém, como analisará em lugar próprio, tal responsabilidade é bem instituto um instituto autônomo face ao direito material, aliás em consonância com o que acontece nas

193 Defendendo a autonomia da ―responsabilidade processual civil‖, explica que enquanto a responsabilidade civil estaria inserida no contexto da relação de direito material, que tem o poder de provocar o surgimento da relação de direito processual, invocando a atuação do Estado-juiz para forçar o ressarcimento do lesado pelo responsável, a ―responsabilidade processual civil‖ decorre da própria relação processual, isso é, dos ―factos processuais, lícitos ou ilícitos, normais ou patológicos‖ que são ―elementos componentes ou elementos viciantes de uma entidade única, a relação jurídica processual‖ 824

.

Diante do exposto, tanto a instituição das custas quanto o fato ilícito do dolo no processo, as duas espécies de danos processuais que o autor admite, teriam natureza processual e não substantiva. Assim, visa o autor uma relação estanque entre as espécies de responsabilidade, onde haveria a espécie responsabilidade jurídica, compostas por duas subespécies, a responsabilidade civil, cujos gêneros seriam contratual e extracontratual, e responsabilidade processual civil, cujos gêneros seriam objetiva e subjetiva. Para tanto, dedica a terceira parte de sua obra os deslindes de uma ―Teoria da Responsabilidade Processual Civil‖. Como se vê, para o autor a característica principal da responsabilidade é ser processual, por tal razão a nomenclatura adotada, para marcar a autonomia.

No entanto, em que pese os esforços do autor para demonstrar a autonomia científica da ―responsabilidade processual civil‖, entende-se não ser dogmaticamente justificável a circunscrição de uma autonomia nos moldes buscados pelo autor, com verdadeiro afastamento das normas relativas à responsabilidade civil para os danos decorrentes do processo.

Primeiramente, é preciso estabelecer que defender a existência de uma ―Teoria da Responsabilidade Processual Civil‖ puramente a partir da existência de normas no diploma processual que estabelecem responsabilidade por condutas praticadas no contexto do processo, ressaltando-se que não é somente neste âmbito que pode surgir o deve de indenizar,

relações entre este e o direito subjetivo: com efeito, não é por ser instrumental que o direito processual se impossibilita quanto à uma verdadeira independência‖ (SOARES, Fernando Luso. A responsabilidade

processual civil. Coimbra: Almedina, 1987. p. 39).

823O processo possuir quatro fases metodológicas: praxista, processualista, instrumentalista e formalista-

valorativa. Na fase sincrética ou praxista concebia-se a ação como decorrente do direito material, pois considerando o viés privatista imperante, o direito processual era visto como adjetivo ao direito material. Nesse período a ação era considerada como típica a direitos materiais previstos, e como desdobramento de direitos subjetivos, portanto, a perspectiva era predominantemente substancial. A jurisdição era compreendida como sistema a disposição dos indivíduos para tutelar direitos subjetivos particulares, sendo que o processo era visto como um simples procedimento, um emaranhado de atos seguidos. O processo somente existia enquanto uma realidade empírica perante os tribunais e os juízes. Esse momento corresponde ao período paleolítico do direito, pois não se podia vislumbrar pólo metodológico qualquer, haja vista o processo não existir enquanto ciência, e, portanto, não havia preocupações com a sua afirmação enquanto tal (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no

Processo Civil: Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos. 3ª ed. São Paulo: RT, 2015. p. 29-32).

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194 é possível que este se estabeleça por condutas ligadas ao processo, mas externas ao ambiente processual, é confundir linguagem do Direito e a linguagem da Ciência do Direito.

Isso, todavia, não implica dizer que não se reconhece que o estudo da responsabilidade civil no processo possui especificidades em decorrência do ambiente onde a atuação do agente causador do dano ocorre: o processo, considerando esse é o meio pelo qual o dano se concretiza. Essas peculiaridades são dignas de serem notadas, estudadas e respeitadas, mas não importa em negar estrutura basilar da responsabilidade civil, enquanto uma ―Teoria da Responsabilidade Civil‖ e propagar uma autonomia científica.

Conforme dito no começo do presente estudo [item 1.1.1], a responsabilidade civil, embora tenha como meio mais fecundo o Direito Civil não está refém dessa seara, como é sabido, o Direito é uno, apesar de divisões epistemológicas e metodológicas realizadas pela Ciência do Direito, as normas jurídicas não conhecem essas circunscrições.

Assim, é possível observar a responsabilidade civil se enraizando em distintos ramos do Direito, nesse contexto, segundo Maria Helena Diniz825, seria objeto de estudo da ―Teoria Geral do Direito‖, na medida em que há uma estrutura formal básica, conservando-se, também os princípios estruturantes, os fundamentos e regimes jurídicos. Datavênia, não se concorda com a exposição da autora.

A ―Teoria Geral do Direito‖ preocupa-se com conceitos lógico-jurídicos, a ―Teoria da Responsabilidade Civil‖ com conceitos lógico-formais, restritos no espaço e no tempo, basta observar a concepção dano, como se alterou no último quadrante do século XX [cf. item 2.2.1.2 e 2.2.1.5]. O que não implica dizer que no âmbito normativo, do Direito positivo, a responsabilidade civil não tenha se espraiado no ordenamento jurídico, são linguagens diferentes.

Destarte, é possível verificar normas que estabelecem a responsabilização civil no âmbito constitucional, tributário, ambiental, processual826, econômico, trabalhista etc, como ramos científicos metodologicamente circunscritos. Diante disso, a responsabilidade civil acaba por se tornar um dos muitos, institutos convergentes do conhecimento jurídico,

825DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. v. 7. 2°. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2009. p. 4.

826 A respeito da responsabilidade civil no Código de Processo Civil, ensina Humberto Theodoro Júnior que a

fonte legal da responsabilidade civil não se localiza apenas na disciplina do direito material, considerando que ao exercer as faculdades inerentes ao processo e ao direito processual prevê a possibilidade de o litigante contrair a obrigação de reparar dano que sua conduta em juízo tenha causado ao adversário (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela. Revista Jus Navigandi. Teresina, a. 7, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2905>. Acesso em: 22 dez. 2018).

195 reunindo enunciados descritivos de diferentes ciências, ditas autônomas. Tais conhecimentos específicos aderem à ―Teoria da Responsabilidade Civil‖.

A questão é que os princípios estruturantes, os fundamentos e regimes jurídicos da responsabilidade civil, na medida em que se desenvolvem, já que a ciência jurídica não é estanque, são aplicáveis a tais ramos de repercussão sem que isso dê origem a novas searas autônomas de conhecimento científico.

O que se pode dizer hoje, e nisso se concorda com professora Maria Helena Diniz, é que a responsabilidade civil não está mais restrita ao estudo científico do Direito Civil, pois extrapolou essa seara. Inquestionavelmente, os civilistas desempenharam papel importantíssimo no desenvolvimento do instituto, pois mesmo que as linguagens sejam distintas, a doutrina é uma fonte formal do Direito, no entanto, outras searas, onde as normas de responsabilização foram implantadas, tiveram seu contributo, até mesmo o evolucionismo jurídico se encarregou da renovação científica, como se observa do preenchimento do estudo da responsabilidade civil por elementos próprios da seara constitucional.

Como exemplo, o artigo 79 prevê que ―responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente‖, não é viável aplicação dessa regra sem recorrer aos fundamentos e elementos da responsabilidade civil, é necessário, portanto, identificar que se trata de um fator de atribuição subjetivo (dolo), o que é considerado dano, qual a extensão da indenização. Por certo, também, existem conceitos próprios do processo, que são relevantes, quem é considerado autor ou réu, quem pode ser categorizado como interveniente. No entanto, isso não isola a estrutura da responsabilidade que não pode ser afastada.

Nesse sentir, partilha-se do entendimento de Pedro de Albuquerque, quando aduz que o legislador português não realizou distinção de danos causados por uma atividade processual ou extraprocessual, da mesma maneira que o legislador pátrio também não o fez. Partindo dessa lacuna, entende o autor que defender a suposta autonomia requer seja realizada uma ―rigorosa interpretação complementadora e praeter legem das normas e interesses em jogo de modo a oferecer uma fundamentação dogmática suscetível de representar uma base capaz de justificar a não aplicação das normas da responsabilidade civil a estes casos‖ 827

-828.

827ALBUQUERQUE, Pedro de. Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e

responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo. Coimbra: Almedina, 2006. p. 95.

828Conclui o autor que ―em virtude da diversidade de fins de uma e outras, as regras de processo não se sobrepõe

às normas materiais e às exigências de cuidado por elas impostas através do sistema de responsabilidade penal‖ (ALBUQUERQUE, Pedro de. Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e

196 Vê-se que mesmo adeptos de uma ―Teoria da Responsabilidade Processual Civil‖, como Fernando Luso Soares e Alexandre Câmara829 ou de uma autonomia relativamente à relação espécie-gênero, como faz Cristiane Druve Tavares Fagundes830, afirmam que em que pese a autonomia, a responsabilidade processual civil lida com os conceitos comuns à responsabilidade civil ou, como diz o autor português, ―efectivamente, a responsabilidade processual encontra-se «matriciada» em geral pela responsabilidade civil‖ 831-832.

Não se prolongará o presente tópico além do necessário, pois como criticamente dizem Guibourg, Ghigliani e Guarinoni833 ―en este juego de inventar debates estériles hay verdaderos campeones: los hombres de leyes, dedicados desde hace muchos siglos a inventar clasificaciones y a trazar sutiles (y siempre convenientes) distinciones‖. No entanto, mesmo que o leitor considere tardia a explicação, era fundamental explicar a opção do presente estudo em não tratar de uma ―Teoria da Responsabilidade Civil Processual‖, mas sim da ―Teoria da Responsabilidade Processual‖, mesmo que já se tenha apresentado a premissa da unidade estrutural do estudo da responsabilidade civil no item 1.1.1.

Por fim, em referência ao que foi dito no item supra, explica-se que a opção de referir- se à responsabilidade civil processual (e as derivações necessárias), é simplesmente para identificar a seara onde as normas estão sendo aplicadas, ou como diz Piero Pijardi o ―mezzo‖ pelo qual o dano é causado, não se tratando, portanto, de um quartium genus834. É a mesma ideia de quando se aduz à responsabilidade civil ambiental ou trabalhista, ou mesmo, responsabilidade civil do Estado. No entanto, referir-se apenas à responsabilidade civil, puramente, trás o mesmo efeito prático.

3.1.2 O dano processual e a classificação da responsabilidade civil no processo civil em