• Nenhum resultado encontrado

Nesta se¸c˜ao descreveremos uma estrutura de variedade diferenci´avel no conjunto dos subespa¸cos k-dimensionais de IRn.

Se n, k s˜ao inteiros com n ≥ 0 e 0 ≤ k ≤ n, denotaremos por Gk(n) o conjunto de todos os subespa¸cos (vetoriais) de dimens˜ao k de IRn; dizemos que Gk(n) ´e o Grassmanniano de subespa¸cos k-dimensionais de IRn.

Considere uma decomposi¸c˜ao em soma direta IRn= W0⊕ W1, onde W0 ´

e um subespa¸co k-dimensional de IRn. Obviamente dim(W1) = n − k. Para cada operador linear T : W0→ W1 o gr´afico de T dado por:

Gr(T ) =v + T (v) : v ∈ W0

´e um elemento de Gk(n). Al´em do mais, um elemento W ∈ Gk(n) ´e da forma Gr(T ) para algum T se e somente se W ´e um complementar de W1, i.e., se e somente se W pertence ao conjunto:

G0k(n, W1) = W ∈ Gk(n) : W ∩ W1= {0} ⊂ Gk(n).

O operador T ´e unicamente determinado por W . Podemos ent˜ao definir uma bije¸c˜ao:

(2.2.1) φW0,W1: G

0

k(n, W1) −→ L(W0, W1), fazendo φW0,W1(W ) = T quando W = Gr(T ).

Concretamente falando, se denotamos por π0 e π1 respectivamente as proje¸c˜oes sobre W0 e W1 na decomposi¸c˜ao IRn = W0⊕ W1, temos que o operador T = φW0,W1(W ) ´e dado por:

T = (π1|W) ◦ (π0|W)−1.

A condi¸c˜ao que W seja um complementar de W1 ´e justamente equivalente a condi¸c˜ao que π0|W seja um isomorfismo sobre W0.

Queremos mostrar agora que as cartas φW0,W1 formam um atlas dife-

renci´avel para o conjunto Gk(n), quando (W0, W1) percorre o conjunto de todas as decomposi¸c˜oes em soma direta de IRncom dim(W0) = k. Devemos estudar ent˜ao as fun¸c˜oes de transi¸c˜ao entre essas cartas. A seguinte defini¸c˜ao ser´a ´util.

Definic¸˜ao 2.2.1. Dados subespa¸cos W0, W00 ⊂ IRn e dado um comple- mentar comum W1 ⊂ IRn, i.e., IRn= W0⊕ W1 = W00⊕ W1 ent˜ao temos um isomorfismo:

η = ηW1

W0,W00: W0

−→ W00,

obtido pela restri¸c˜ao a W0 da proje¸c˜ao sobre W00 relativa `a decomposi¸c˜ao IRn = W00 ⊕ W1. Dizemos que ηWW1

0,W00 ´e o isomorfismo de W0 sobre W

0 0 determinado pelo complementar comum W1.

O inverso de ηW1

W0,W00 ´e simplesmente η

W1

W0

0,W0; temos o seguinte diagrama

comutativo de isomorfismos: IRn/W1 W0 q|W0www;;w w w w w w ηW1 W0,W00 //W0 0 q|W 0 0 ccGGGG GGGGG onde q : IRn→ IRn/W

1 denota a aplica¸c˜ao quociente.

Consideramos agora cartas φW0,W1 e φW00,W1 em Gk(n), onde IR

n =

W0 ⊕ W1 = W00 ⊕ W1 e dim(W0) = dim(W00) = k; ´e f´acil ent˜ao obter a seguinte f´ormula para a fun¸c˜ao de transi¸c˜ao:

(2.2.2) φW0 0,W1◦ (φW0,W1) −1(T ) = (π0 1|W0+ T ) ◦ η W1 W0 0,W0,

onde π10 denota a proje¸c˜ao sobre W1relativa `a decomposi¸c˜ao IRn= W00⊕W1. Escrevemos agora IRn = W0 ⊕ W1 = W0 ⊕ W10, com dim(W0) = k. Obtemos:

(2.2.3) φW0,W10 ◦ (φW0,W1)

−1(T ) = ηW0

W1,W10

◦ T ◦ Id + (π00|W1) ◦ T−1,

onde π00 denota a proje¸c˜ao sobre W0relativa `a decomposi¸c˜ao IRn= W0⊕ W10 e Id denota o operador identidade de W0. O dom´ınio da fun¸c˜ao de transi¸c˜ao (2.2.3) consiste nos operadores T ∈ L(W0, W1) tais que Gr(T ) ∈ G0k(n, W10). ´

E f´acil ver que isso equivale exatamente `a inversibilidade de Id + (π00|W1) ◦ T .

Acabamos de mostrar a seguinte.

Proposic¸˜ao 2.2.2. O conjunto das cartas φW0,W1 em Gk(n), onde o par

(W0, W1) percorre todas as decomposi¸c˜oes em soma direta de IRn tais que dim(W0) = k, ´e um atlas diferenci´avel para Gk(n).

Demonstrac¸˜ao. Como todo subespa¸co de IRnadmite um complemen- tar, os dom´ınios das cartas φW0,W1 cobrem Gk(n). As fun¸c˜oes de tran-

si¸c˜ao (2.2.2) e (2.2.3) s˜ao aplica¸c˜oes diferenci´aveis definidas em abertos de L(W0, W1). A compatibilidade entre duas cartas arbitr´arias φW0,W1 e φW00,W10

segue ent˜ao por transitividade: escolhemos W ∈ G0k(n, W1)∩G0k(n, W10) e da´ı φW0,W1 ´e compat´ıvel com φW,W1, que por sua vez ´e compat´ıvel com φW,W10

e essa ´ultima ´e compat´ıvel com φW0

0,W10 (vide tamb´em Observa¸c˜oes 2.2.3 e

2.2.5 adiante). 

Observac¸˜ao 2.2.3. Sobre o argumento de transitividade mencionado na demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 2.2.2, observamos que em geral a compati- bilidade entre cartas num conjunto n˜ao ´e transitiva. Por´em, se ψ0, ψ1, ψ2 s˜ao cartas tais que ψ0 ´e compat´ıvel com ψ1, ψ1 ´e compat´ıvel com ψ2 e o dom´ınio de ψ0 coincide com o dom´ınio de ψ1 ent˜ao ψ0´e compat´ıvel com ψ2. Observac¸˜ao 2.2.4. Na verdade, as f´ormulas (2.2.2) e (2.2.3) mostram que as cartas φW0,W1 formam um atlas real-anal´ıtico para Gk(n).

Observac¸˜ao 2.2.5. Dada uma cole¸c˜ao finita V1, . . . , Vr de subespa¸cos k-dimensionais de IRn, podemos encontrar um complementar comum W em IRn para todos os subespa¸cos Vi. De fato, se k < n, podemos escolher v1 ∈ IRn com v1 6∈ SiVi. Consideramos agora os subespa¸cos Vi ⊕ IRv1 de dimens˜ao k + 1 e constru´ımos indutivamente vetores v2, . . . , vn−k que formam um base para o complementar comum W . Esse argumento mostra que todo subconjunto finito4de Gk(n) est´a contido no dom´ınio de uma carta da forma φW0,W1.

Obtemos afinal que o Grassmanniano Gk(n) ´e uma variedade.

Teorema 2.2.6. O atlas diferenci´avel considerado no enunciado da Pro- posi¸c˜ao 2.2.2 faz de Gk(n) uma variedade diferenci´avel de dimens˜ao k(n−k). Demonstrac¸˜ao. Resta provar que a topologia definida pelo atlas em quest˜ao ´e Hausdorff e satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade. A propriedade de Hausdorff segue do fato que todo par de pontos pertence simultaneamente ao dom´ınio de uma carta (Observa¸c˜ao 2.2.5). O segundo axioma da enumerabilidade segue do fato que, considerando apenas cartas φW0,W1 onde W0 e W1 s˜ao gerados por elementos da base canˆonica de IR

n,

obtemos um atlas finito para Gk(n). 

Observac¸˜ao 2.2.7. Segue da defini¸c˜ao da topologia associada a um atlas diferenci´avel que os subconjuntos G0k(n, W1) ⊂ Gk(n) s˜ao abertos; al´em do mais, como as cartas (2.2.1) s˜ao sobrejetoras, segue que G0k(n, W1) ´

e homeomorfo (e difeomorfo) ao espa¸co Euclideano L(W0, W1).

Exemplo 2.2.8. O Grassmanniano G1(n) das retas de IRnpassando pela origem ´e tamb´em conhecido como o espa¸co projetivo real IRPn−1. Fazendo W0 = {0}n−1 ⊕ IR e W1 = IRn−1 ⊕ {0}, a carta φW0,W1 nos fornece o

que ´e normalmente conhecido em geometria projetiva como coordenadas homogˆeneas. O espa¸co IRPn−1 tamb´em pode ser descrito como o quociente da esfera Sn−1obtido identificando pontos ant´ıpodas. A reta projetiva IRP1 ´

e difeomorfa ao c´ırculo S1; de fato, considerando S1⊂ C, a aplica¸c˜ao z 7→ z2 ´

e um recobrimento de S1 sobre si mesmo que identifica pontos ant´ıpodas. Observac¸˜ao 2.2.9. A teoria desta se¸c˜ao pode ser repetida de maneira idˆentica para definir uma estrutura de variedade no Grassmanniano de su- bespa¸cos complexos k-dimensionais de Cn. As f´ormulas de transi¸c˜ao (2.2.2) e (2.2.3) s˜ao holomorfas e mostram que tal Grassmanniano ´e uma variedade complexa de dimens˜ao (complexa) k(n − k). N˜ao faremos uso do Grass- manniano complexo neste texto, mas observe que poder´ıamos at´e mesmo considerar um corpo arbitr´ario no lugar de IR ou C; nesse caso, as fun¸c˜oes de transi¸c˜ao seriam fun¸c˜oes racionais.

4Na verdade o mesmo argumento funciona no caso de uma cole¸ao enumer´avel de

espa¸cos Vi. Apenas observe que a uni˜ao enumer´avel de subespa¸cos pr´oprios de IRnainda

deve ser um subconjunto pr´oprio de IRn, pois o mesmo ´e um conjunto de medida nula (ou porque tal conjunto tem interior vazio, o que segue do Teorema de Baire).