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Tema II – Úlcera de Pressão

3. Caso de Estudo

M.J. é uma mulher de 70 anos que foi para o lar de idosos tendo uma úlcera de pressão com localização sacrococcígena. É uma doente acamada, anquilosa, muito emagrecida que se alimentava por gastrostomia percutânea endoscópica (PEG). Encontrava-se a ser medicada com paracetamol, perindopril+indapamida e acetilcisteína. Na primeira visita que fiz ao lar de idosos foi perfeitamente percetível pela análise física que a idosa se encontrava num estado de desnutrição, tendo ficado preocupado com a situação.

Após recolha de informação, dentro do que me era permitido, efetuei a validação da prescrição, pois existem medicamentos que interferem com o processo de cicatrização das úlceras de pressão. O perindopril pertence à classe de medicamentos designados por inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina (ECA), atua sobre a dilatação dos

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vasos sanguíneos, tornando mais fácil ao coração bombear o sangue. A indapamida é um diurético, levando a um pequeno aumento da produção de urina. Assim, as substâncias atuam em conjunto no controlo da pressão arterial.42

A acetilcesteína tem uma ação mucolítica e fluidificante, isto é, diminui a viscosidade e a elasticidade da expetoração e estimula os mecanismos que ajudam a deslocar o muco, por aumento da atividade dos cílios. Esta substância ativa é mais indicada para doentes com maiores debilidades, pois podem ter o reflexo da tosse diminuído e como a acetilcisteína fluidifica a expetoração, facilita a sua eliminação.43 Deve ter-se em conta que devido ao seu efeito quelante, o medicamento não deve ser administrado muito próximo de refeições, pois interfere na absorção de cálcio e ferro, que certamente estariam em concentrações deficitárias na idosa.

Por fim, ainda era administrado à idosa paracetamol, com função analgésica, pois a paralisia muscular, leva a que surjam dores que poderão numa primeira fase serem atenuadas pela toma de paracetamol.44 Assim sendo, a nível farmacológico não era administrado nenhum medicamento que interferisse negativamente na cicatrização da úlcera de pressão.

No entanto, atendendo ao atual estado de desnutrição da doente, à presença de uma úlcera de pressão e às suas enormes debilidades físicas achei por bem aconselhar a utilização de suplementos nutricionais orais. Isto porque seria extremamente importante para o processo de cicatrização, melhorar o seu estado nutricional, uma vez que nutrição e cicatrização estão fortemente relacionados. Assim, as deficiências nutricionais dificultam os processos normais de cicatrização, havendo uma tendência para a prevalência da fase inflamatória, diminuição da proliferação de fibroblastos e alteração da síntese de colagénio, bem como o aumento da infeção em doentes desnutridos.45

Por outro lado, a prevalência do processo de cicatrização, agrava o seu estado nutricional, porque implica um gasto superior de energia, pois o metabolismo basal aumenta, aumentando o turnover celular e de colagénio e desidratação, pela saída contínua de água pelo exsudado.

Com base na informação acima descrita, foi por mim aconselhado que a doente deveria fazer um suplemento nutricional oral hipercalórico-hiperproteico, pois a úlcera de pressão aumenta as necessidades energéticas e proteicas e também um suplemento de um aminoácido semi-essencial, a arginina, pois há vários estudos que apontam para uma influência positiva na cicatrização de úlceras de pressão. No entanto, devido aos elevados encargos que este tratamento acarretava para a instituição, fui-me dito que só poderia optar por um deles. Decidi que seria o cubitan®, que é um suplemento nutricional oral hiperproteico, específico de feridas crónicas. É enriquecido em arginina e

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micronutrientes e cada garrafa contém 250 quilocalorias, 3 gramas de arginina e 20 gramas de proteínas.46, 47

Em seguimento da sugestão apresentada à equipa de enfermagem, esta contactou o médico de medicina geral e familiar que aceitou a sugestão e introduziu o suplemento no plano alimentar da utente. A prescrição foi de 2 garrafas de cubitan® por dia, entre as refeições.

Em baixo, encontram-se as fotografias que foram feitas ao longo do processo de tratamento da úlcera de pressão, possibilitando constatar alguns benefícios do tratamento da ferida com os suplementos nutricionais orais.

Na figura 1A é possível ver a úlcera de pressão com muito tecido necrosado, pelo que foi necessário remove-lo por desbridamento mecânico para que fosse possível efetuar a classificação da úlcera de pressão. Na figura 1B ainda se vê algum tecido necrosado que terá de ser totalmente removido para que possa haver uma cicatrização da ferida. Na figura 1C, já é possível visualizar a úlcera sem nenhum tecido necrosado.

Fotografias de 17 de junho Fotografias de 27 de junho Fotografias de 2 de julho

Figura 1 – Fotografias da úlcera de pressão anteriores à administração do cubitan®

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Assim sendo, pelo que é visível a úlcera de pressão encontra-se no estadio III, pois já apresentava algum tecido necrosado que após ser removido se verificou que a ferida já apresentava alguma profundida, sem no entanto ainda ser visível músculos ou ossos.

Nas fotografias da figura 2 é possível ver uma lenta progressão da cicatrização da úlcera de pressão. Na minha opinião, o processo de cicatrização tornou-se mais moroso devido à deficiente administração das quantidades ideais de suplementos nutricionais orais, aliadas a uma má nutrição.

Por outro lado, é possível ver nas fotografias 2A uma substância branca, que são depósitos de fibrina que retardam o processo de granulação e epitelização, pois além de serem uma barreira física que impede a migração dos queratinocitos, também favorecem o desenvolvimento de bactérias que atraem granulócitos que prolongam o processo de inflamação e atrasam a cicatrização.48

Fotografias de 21 de julho Fotografias de 31 de julho Fotografias de 18 de agosto

Figura 2 – Fotografias da úlcera de pressão após a prescrição de cubitan®

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Com o acompanhamento do caso foi possível verificar o quão penoso é para um doente já bastante debilitado ter uma úlcera de pressão. Portanto, mais do que efetuar um bom tratamento, todos os profissionais de saúde devem empenhar-se na prevenção. Os doentes com úlceras de pressão para além de terem maior número de dias de internamento e readmissões, trazendo mais gastos para o SNS, têm a sua qualidade de vida diminuída.36 Assim sendo, os farmacêuticos têm uma importante função na prevenção se fizerem um acompanhamento do estado nutricional dos utentes que regularmente vão à farmácia e que se encontram em maior risco de desnutrição, particularmente os idosos. O aconselhamento aos cuidadores também é um importante setor que os farmacêuticos podem atuar para prevenir complicações.

4. Conclusão

Com a elaboração deste tema pude compreender a importância do estado nutricional na prevenção das úlceras de pressão. Foi uma experiência muito enriquecedora, pois permitiu-me acompanhar a evolução do processo de cicatrização. Pude constatar que é uma patologia que está em crescimento, não sendo exclusiva de países em vias de desenvolvimento e também que idosos institucionalizados apresentam maior preponderância para o seu aparecimento, muitas vezes devido à degradação do seu estado nutricional. Assim, decidi elaborar um pequeno resumo para afixação no lar (ANEXO X) de medidas que podem ser adotadas para prevenir o aparecimento destas feridas, bem como a tabela que auxilia na classificação do seu estadio. Verifiquei que o panfleto também é útil na farmácia, pois há vários utentes que têm familiares no domicílio com mobilidade reduzida e que muitas vezes têm dúvidas de como os tratar/adotar medidas preventivas. Assim, toda a informação acima referida bem como o resumo foram deixados na farmácia para uma rápida consulta pelos profissionais de saúde que aí exercem as suas funções.

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