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Jorge Luiz Vivan

Resumo

Este é um estudo de sistemas de uso da terra inovadores em florestas tropicais, demandado pelo componente "Projetos Demonstrativos (PD/A)" do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Ele envolve o cultivo de banana em sistemas agroflorestais no Litoral Norte do estado do Rio Grande do Sul, onde a estrutura fundiária dos municípios analisados corresponde a 98% das propriedades rurais avaliadas. Indicadores de eficiência econômica e física do trabalho de maneira integrada com indicadores ecológicos foram avaliados por Análise de Componentes Principais (ACP). A interpretação explorou variações entre estratégias e resultados das diferentes unidades, identificando indicadores prioritários para entender variações. A eficiência econômica da mão de obra na produção de banana se equivale entre 25 produtores convencionais e 25 ecologistas analisados, e 50% do grupo que obtém acima de R$ 100/uth é de produtores ecologistas. A produtividade de banana (kg/ha) nos sistemas orgânicos está em geral abaixo da produção convencional, mas 35% dos produtores que alcançam mais de 10t/ha são produtores orgânicos. Para os agricultores convencionais ou ecologistas, gastos com insumos não se correlacionaram com produtividade. Custos percentuais de agricultores ecologistas que incluem mais árvores no bananal são de 1,7%, contra 8,4% dos que tem menos árvores ou nenhuma, e três entre cinco destes produtores agroflorestais estão acima da mediana para R$/uth e R$/ha na produção de banana. Estas variações na eficiência econômica do trabalho podem estar associadas aos roteiros técnicos e capital natural (fertilidade, umidade, radiação solar, exposição a ventos). Roteiros melhores poderiam reduzir custos e tornar os sistemas agroflorestais atrativos para os produtores de banana da região, ecologistas ou não. Olericultura e ornamentais são as atividades complementares nos bananais em SAF que geram as maiores rendas, mas a olericultura tem grande demanda de mão de obra por hectare. A polpa dos frutos do palmiteiro (Euterpe edulis) pode gerar até R$ 8.000,00/ha/ano de renda bruta nos bananais em SAF, mais R$ 1.698,00/ha/ano em ornamentais. Madeiras como louro e sobragi poderiam agregar cerca de mais R$ 2.947,00/ha/ano em ciclos de 15 e 25 anos, alcançando um bananal em SAF biodiverso cerca de R$ 17.128,50/ha/ano. Este conjunto produziria uma cobertura final de dossel de 56% da área total, que pode se manejada com podas e corte seletivo de indivíduos. Um valor entre R$ 600,00/ha/ano

"#$%&'#!()*! Z+! e R$ 1.420,00 foi identificado como competitivo para incentivar a conversão de atividades concorrentes, como monocultivos ou pastos em bananais em SAF biodiversos. Muitas lacunas de informação sobre custos de implantação deverão ser preenchidas, e o monitoramento deve ser aprofundado para apoiar as iniciativas em curso e políticas públicas relacionadas.

Palavras-chave: Mata Atlântica; Litoral Norte do RS; bananais sombreados; Sistemas Agroflorestais, Euterpe edulis.

Introdução

O estudo de caso se desenvolveu na principal região produtora de banana do estado do Rio Grande do Sul, situada no Litoral Norte, divisa com o estado de Santa Catarina. A Mata Atlântica encontra nesta região o limite meridional, na latitude de 29º S e 49oO. A influência do Oceano Atlântico empresta à região características subtropicais, com temperatura média anual de 19,8oC, sendo 24,4oC para o mês mais quente e 15,4oC para o mês mais frio, com raras geadas. A evaporação é em torno de 1.091 milímetros ao ano, e a precipitação, 1.676 milímetros/ano, com cerca de 123 dias passíveis de precipitação. Os ventos predominantes são de NE e, secundariamente, de SE e SO.

As unidades analisadas neste estudo de caso cultivam banana nos solos predominantes nas áreas declivosas em Dom Pedro de Alcântara e Morrinhos do Sul, que são Chernossolos. De acordo com a EMBRAPA-CNPS (1999), estes são solos minerais que apresentam boa Capacidade de Troca Catiônica e alta saturação por bases, mas o relevo ondulado exige práticas conservacionistas. Nos vales e vertentes este mesmo relevo cria microclimas e ventos direcionados com rajadas, que podem danificar seriamente os bananais não protegidos por quebra-ventos. É nesta paisagem que se situa a maior parte dos bananais, o que aumenta a importância de elementos arbóreos na paisagem e/ou de sistemas complexos com múltiplos estratos, como os Sistemas Agroflorestais Bananeiros.

"#$%&'#!()*! Z,! Figura 1. Localização da área de estudo. Fonte: Google Earth.

Por volta de 1826 e até o final do século XIX, a colonização alemã e, mais tarde, a italiana em menor escala, mantiveram cultivos como cana-de-açúcar e a mandioca. O arroz irrigado e a pecuária substituíram, entre os anos 1950-1960, grande parte dos banhados e da floresta paludosa que caracterizavam a planície costeira. A bananicultura comercial, por sua vez, só foi introduzida nos anos 1960. Ela ocupou os espaços da antiga floresta nas áreas de piemonte, substituiu em grande parte a cana-de-açúcar, constituindo hoje na principal atividade econômica de minifúndios entre cinco e 25 hectares. São hoje em torno de 3600 ha de banana plantada entre Dom Pedro (500ha) e Três Cachoeiras (3100ha), que geram juntos cerca de R$ 25milhões/ano.

A demanda do estudo partiu do componente Projetos Demonstrativos (PD/A), que integra o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. O PDA, desde os primeiros projetos apoiados em 1996, tem promovido ações em SAF com parte de estratégias para o uso sustentável e conservação da biodiversidade em diferentes biomas brasileiros. Por sua vez, a organização não-governamental Centro Ecológico Litoral Norte apoiou localmente o levantamento de dados. Esta organização está envolvida desde 1991 com a produção ecológica na região, e tem estimulado a adoção de práticas agroflorestais entre os produtores com os quais se relaciona. Este é um universo de cinco municípios e em torno de 100 famílias, organizadas em grupos e associações.

A viabilização da comercialização da banana tem propiciado melhores preços, ao eliminara necessidade de intermediários, e feiras e pontos de venda têm permitido a diversificação de atividades produtivas e a agroindústria de base local. Estas atividades incluem a produção de mudas de ornamentais, olericultura e fruticultura diversificada. Seguindo os passos de outras experiências em Santa Catarina, o Centro

Dom Pedro de Alcântara Morrinhos do Sul

"#$%&'#!()*! Z-! Ecológico tem apoiado a produção de polpa congelada dos frutos do palmiteiro (Euterpe edulis), que está sendo denominado de “açaí da Mata Atlântica”. Esta atividade estimula o plantio de uma espécie nativa ameaçada de extinção, e que tem grande compatibilidade com o ambiente dos bananais e fragmentos florestais na região de estudo.

Tabela 1. Indicadores de uso da terra regionais para dois municípios do Litoral Norte do RS, 2008.

Indicadores Altitude (m) Fundação hab/ km2 Área total (km2) Floresta até 2006 (km2) Déficit de Reserva Legal*(%) Dom Pedro de Alcântara, RS

(29o22’12’’ S; 49o78’50’’ W 15 1826 35 78 4,77 69,4 Morrinhos do Sul, RS

(29º21’56’’ S; 49º55’38’’ W) 150 1825 42 19,6 2,59 33,9 * 20% da área total para a Mata Atlântica.

Fonte: Fonte: (IBGE, 2008).

O trabalho que se desenvolve com SAF ganha ainda maior relevância quando se analisam os dados de cobertura florestal e do passivo ambiental dos dois municípios de inserção para as unidades produtivas analisadas, entre 33,9 a 69,4% sobre a área de 20% preconizada pela legislação para a Mata Atlântica (Tabela 1). A presença ainda incipiente de produtos florestais madeireiros também indica tanto a exaustão dos recursos madeireiros nativos, como uma incipiente cultura de plantio de essências florestais (Tabela 2).

O público preferencial da assistência técnica rural oficial e não-governamental é de pequenas propriedades rurais familiares. Considerando a estrutura fundiária no município de Dom Pedro de Alcântara (Caldeira, 2006), o reflexo de uma iniciativa agroflorestal de maior peso na região poderia abarcar 98% das propriedades rurais destes dois municípios. O objetivo deste estudo é assim fornecer uma análise dos sistemas inovadores da produção familiar na região com impactos positivos em termos Tabela 2. Indicadores ecológicos e econômicos de dois municípios de inserção de agricultores

ecologistas no Litoral Norte do RS, 2008. Município Gado/ hab. PFM (mil R$) PIB agricultura (mil R$)

Renda bruta por hectare desmatado (R$/ha)

Dom Pedro de Alcântara, RS 1,2 47 6661 512

Morrinhos do Sul, RS 1,6 174 7321 526

"#$%&'#!()*! Z.! de funcionalidade ecológica econômica, bem como indicativos de parâmetros e ações que possam alimentar políticas públicas.

Materiais e Métodos

A abordagem que foi utilizada é de pesquisa qualitativa. Isto implica na utilização de dados oriundos de depoimentos, imagens, mapas e croquis, relatos e fontes de dados secundários. O método utiliza o estudo comparativo de unidades amostrais (propriedades agrícolas com sistemas inovadores). A amostragem é dirigida às unidades com relevância teórica e prática para os objetivos do estudo. A análise envolve múltiplos níveis ou escalas, indo da paisagem de inserção das unidades amostrais até as espécies prioritárias utilizadas nos sistemas. No processo, utiliza-se um leque de indicadores ecológicos e econômicos, e lança-se mão da Análise de Componentes Principais-ACP (Valentim, 2000) para apoiar o processo de análise.

A ACP é uma técnica de análise multivariada que permite avaliar ordenamento de amostras em grupos similares em caráter exploratório através da distância euclidiana entre valores atribuídos às amostras. No processo de análise, permite considerar a influência de múltiplos indicadores (variáveis) neste ordenamento. Isto permite ordenar amostras como municípios, sistemas produtivos e atividades produtivas, de modo que se identifique tanto os grupos formados como os principais vetores para a ordenação. No caso, estes são indicadores ecológicos e econômicos que caracterizam nestas amostras. A análise feita aqui utilizou o programa Fitopac 1.6 (Shepherd, 2006). A análise utilizou apenas os dois primeiros eixos de ordenamento, que geralmente acumulam a maior parte da variação significativa entre as unidades amostrais. Para a interpretação, foi fundamental o conhecimento de aspectos qualitativos e quantitativos das unidades amostrais e de seus contextos, bem como da natureza dos indicadores adotados. Ela permitiu gerar as escalas de avaliação, que constam do DVD anexo aos relatórios.

Participantes (amostragem)

As unidades produtivas que participaram neste estudo têm áreas entre 11,5ha e 15ha, sendo uma localizada em Dom Pedro de Alcântara e três em Morrinhos do Sul (ver na Figura 1). Seus sistemas de uso da terra variam entre exclusividade para SAF e bananais, até uma proporção entre 26,1 a 20,3% de área devotada a outras atividades.

"#$%&'#!()*! Z/! Tabela 3. Uso da terra para quatro unidades de produção de orientação agroecológica no Litoral

Norte do RS, 2008. Área total

(ha)

Cobertura florestal (ha) %

Área total com

banana (ha) % Pasto % Anuais %

Toninho 14,3 8 55,9 5,3 37,1 0 0 0 0

Vilmar 15 6 40 9 60 0 0 0,1 0,7

Valdeci 14,8 3,5 23,6 2,5 16,9 3 20,3 0,3 2

Jorge 11,5 3,5 30,4 2,5 21,7 3 26,1 2 17,4

Quatro agricultores tiveram informação levantada com ajuda da organização apoiadora e produziram dados suficientes para a análise. Uma oficina teórico-prática foi realizada em Dom Pedro de Alcântara, com presença de técnicos e agricultores. Após a oficina e nivelamento de objetivos e procedimentos, se seguiram atividades de coleta de dados a campo, completadas por entrevistas e dados secundários. (Tabela 4).

Tabela 4. Oficina de capacitação de agricultores e técnicos realizada em 23 de junho de 2008, Dom

Pedro de Alcântara, RS, organizada pelo Centro Ecológico Litoral Norte.

Participante Organização Localização

Vilmar B. da Luz APELCAM Canto dos Magnus, Dom Pedro de Alcântara, RS Maria E. O. Gomes G E Rio Bonito Morro do Forno, Morrinhos do Sul, RS

Eliseu S. Spido ACEVAM Alvorada, Praia Grande, SC

Jorge E. Steffen Grupo do Morro do Forno Morro do Forno, Morrinhos do Sul, RS Valdeci S. Evaldt APEMSUL Vila Três Passos, Morrinhos do Sul, RS

Agostinho S. Borges GE Chapecózinho Rio Bonito/Chapecózinho, Morrinhos do Sul, RS Renato C. Leal GESA Santo Anjo da Guarda, Três Cachoeiras, RS José R. Scheffer ACERT Três Cachoeiras, RS

Nelson Bellé Técnico, Centro Ecológico Dom Pedro de Alcântara, RS Sidilon M.F. Mendes ECONATIVA Três Cachoeiras, RS

Cristiano Motter Técnico, Centro Ecológico Dom Pedro de Alcântara, RS

Protocolo para a coleta de dados

Croqui, calendário de mão de obra e síntese do sistema produtivo Os agricultores desenvolveram duas atividades seqüenciais:

3. Elaboração de um croqui (mapa mental) da propriedade, onde deveriam constar as atividades desenvolvidas, cobertura florestal, acesso, tamanho das áreas dos subsistemas;

4. Preenchimento de dados (descritivos) e valores (associados às atividades produtivas) em forma de um calendário de atividades econômicas prioritárias. Nela, duas perguntas deveriam ser respondidas em base mensal:

-Atividade demandante (colheita, venda, trato cultural, etc.);

"#$%&'#!()*! Z0! Por restrições de tempo dos agricultores para uma oficina de dois dias, a atividade focou no nivelamento e debate de método e objetivos, e iniciou o preenchimento das planilhas. A seguir, os agricultores levaram o material para completar em casa, o que foi feito com o auxílio dos técnicos da organização apoiadora.

Contraste e aprofundamento de campo

Para este objetivo, foram utilizados dados de dois transectos, um de 2003 (800m2) e outro de 2008 (100m2) de uma mesma unidade. Esta foi escolhida por ser representativa do sistema de consórcio encontrado entre os produtores de banana em sistemas agroflorestais, e as parcelas corresponderam a 1,7% da área total de SAF existente na propriedade. Os dados produzidos pelo conjunto de atividades, bem como dados secundários obtidos no processo da pesquisa foram organizados em planilhas que formaram o banco de dados sobre o estudo de caso. Estes documentos e bancos de dados estão disponíveis para consulta e constituem em DVD anexo ao relatório final.

Lista de indicadores utilizados

Os indicadores ecológicos e econômicos utilizados na análise estão apresentados na Tabela 6. Eles foram selecionados a partir dos dados locais disponíveis e de estudos análogos (Vivan e Floriani, 2000; Vivan, 2008), e foram utilizados em estudos anteriores em sistemas agrários, incluindo sistemas agroflorestais. A lista completa de indicadores, resultados obtidos em valores, escalas para conversão para notas, bem como resultados da ACP (gráficos e tabelas de autovalores) estão disponíveis no banco de dados digital anexo ao relatório final.

"#$%&'#!()*! Z?! Tabela 5. Indicadores utilizados em diferentes escalas de análise para estudo comparativo de

sistemas de produção inovadores que adotam Sistemas Agroflorestais no Litoral Norte do RS, 2008.

Indicadores econômicos 1 PFM (mil R$): fluxo anual de produtos florestais não-madeireiros. 2 PFNM (mil R$): fluxo anual de produtos florestais madeireiros.

3 % UTH disp: saldo percentual de unidades de trabalho humano disponíveis na propriedade. 4 % UTH invest: percentual de unidades de trabalho humano investidas por subsistema. 5 R$/ha: Renda Bruta por hectare.

6 R$/UTH: Renda Bruta por unidade de trabalho humana investida.

7 SAF vs SP (%): Percentual da Renda Bruta obtida dos Sistsemas Agroflorestais sobre o total da renda bruta da propriedade.

8 UTH/ha: unidades de trabalho humano investidas por hectare em um sistema ou subsistema.

Indicadores ecológico-econômicos 9 Acesso (km): distância da propriedade ao centro urbano mais próximo. 10 Área: área total da propriedade.

12 Gado/hab: proporção de cabeças de gado por habitante, em nível de município ou de propriedade rural.

Indicadores ecológicos

13 Conect: conectividade medida pela distância entre sistemas agroflorestais, entre fragmentos florestais ou entre estes e áreas protegidas.

14 Flor (%): cobertura florestal percentual.

15 Forma: forma do fragmento florestal ou sistema agroflorestal.

16 IRL (%): mede o déficit percentual de Reserva Legal, considerando para este estudo o valor legal de 80% da propriedade.

17 Padrão de fragmentação: avalia o padrão de distribuição espacial de sistemas agroflorestais ou fragmentos florestais na paisagem ou na propriedade rural.

18 Regeneração no SAF: avalia a proporção de espécies nativas das matas circundantes aos sistemas produtivos que são intencionalmente manejadas dentro dos sistemas agroflorestais.

"#$%&'#!()*! ZZ!

Resultados e discussão