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Estudo da primeira epígrafe em nível mito simbólico

2.2 ESTUDO DAS TRÊS EPÍGRAFES EM NÍVEL MITO-SIMBÓLICO

2.2.1 Estudo da primeira epígrafe em nível mito simbólico

Como foi visto no capítulo anterior, considerada em nível de verossimilhança, a primeira epígrafe rosiana parece chamar a atenção do leitor quanto aos perigos que permeiam o desejo e a busca do conhecimento: “Atenção: Plínio o Velho morreu de ver de perto a erupção do Vesúvio. Ia. TABULETA.” (p.146). Nota-se, no entanto, que ao usar a palavra “Atenção”126 o texto rosiano não apenas admoesta e exorta o leitor como também, auferindo caráter simbólico e epifânico à linguagem verbal, exorta atividade meditativa que ritualiza o ato da leitura. Grafada em fonte diminuta, em itálico e seguida de dois pontos, a palavra “Atenção” enfatiza

ígnea expressão. Segue-se daí que, apresentando o caso de “Plínio”, dá-se a possibilidade da

leitura experienciar a ironia, o paradoxo, a poiésis na primeira epígrafe. Este rosiano chamado de “Atenção” é mais que a referência à faculdade cognoscitiva do atentar, vez que, ao fazer-se

como atividade investigativa, acaba por provocar e inaugurar novo modo de sensibilidade. Não mais apenas o sensismo empiricista; não mais apenas a percepção fenomenológica, mas a integração destas faculdades na desubstancialização meditativa que apura a substanciosa experiênca do Mistério. Conhecer é verbo motivado em nome da dúvida, da curiosidade e deve implicar a aproximação e a distância certas entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Não levada em consideração, a palavra “Atenção”, neste caso rosiano, faz-se cratera na qual a

leitura pode se precipitar.

O chamado de “Atenção”, portanto, admoesta que conhecer é liberdade a consequenciar

responsabilidade, caminho que conduz tanto à aventura quanto ao perigo. Assim, enquanto metáfora, o método de pesquisa de “Plínio” acaba por se referir aos perigos implicados no ato

de ler e de interpretar o texto que é erupção de magma rosiano. Deste modo, quem põe a mão no fogo dos fatos reduzindo a vida apenas às verdades ensejadas sensorialmente, pelos fatos será queimado: a vida é magma explodindo do vulcão poiésico.

Portanto, a referência que o texto faz à figura de “Plínio” é ironia incinerando aquele

positivismo reducionista que, ao reduzir a realidade ao âmbito da percepção sensório- intelectual, carboniza a experiência viva. Ao acometer à sabedoria que afasta dos olhos aquilo

126 Atenta-se também para o fato de que, como se observara no capítulo anterior, as epígrafes estejam grafadas com uso de fontes diminutas. Em nível simbólico, tal fato ecdótico pode ser interpretado poiesicamente como expressão da qualidade seminal que vigora nas epígrafes, ou seja, pode-se compreender as letras que escrevem as epígrafes como sementes que guardam os gens de todo o texto.

Assim, a estória II do prefácio Sobre a Escova e a Dúvida vem tematizar a relação entre o mundo manifesto e as sementes arquetípicas, germinais. Neste indicado conto, não sem razão, referindo-se ao personagem Tio Cândido, o narrador rosiano conta: “Dizia o que dizia, apontava à árvore: — Quantas mangas perfaz uma mangueira, enquanto vive. —isto apenas. Mais, qualquer manga em si traz, em caroço, o maquinismo de outra, mangueira igualzinho, do obrigado tamanho e formato.” (p.149).

que melhor se quer enxergar e bem se quer ver, o “Plínio” da ficção rosiana funde-se com o

que contempla, vive a morte, observa a existência, vai aos altos abismos de si-mesmo.

A observar o texto nesta perspectiva, destarte, devém paradoxal situação, vez que a separação entre o sujeito conhecedor e o objeto de conhecimento cessa de existir. Desta maneira, para além das cotidianas percepções, a linguagem rosiana propõe caminho de meditação que contempla e encara a existência enquanto possibilidade de vida e de morte.

Inscrito na “Ia. TABULETA” — portanto, simbolicamente, talhado na obra

(“TABULETA”) primeva (“Ia”) que é a vida enquanto linguagem que comunica Transcendência

— o caso de “Plínio” (o velho) pode transformar o conhecer em experiência de Ser127, de modo que, em paradoxal conheSer, este conhecimento que é Ser possa desposar a Plenitude Inaugural (a jovem).

Almas do mundo, os gases do “Vesúvio” são produtos daquela ironia que,

alquimicamente, sublima a dúvida da vida em libertadora certeza da morte: vívida consciência da finitude a se projetar vislumbre da eternidade do Agora.

Deste modo, a primeira epígrafe não apenas admoesta ao leitor que se aproxima do texto rosiano, como também insinua a medida certa desta aproximação, ou seja, faz-se como evocação poética que ultrapassa o separatismo egoísta. Ver de perto o vulcão que é o texto rosiano pode concretizar – efetivamente – o conhecimento de poiésico magma a explodir do útero originário: viver que se faz morte do egoísmo.

Esta união entre sujeito do conhecimento e objeto conhecido, entre homem e Infinito faz-se como paradoxo que incita o leitor a perscrutar contemplativamente as forças criativas. Eis, então, magmática metáfora epifanizando aquilo que se re-vela por si e em ti, leitor. Ob- Ser-vês128? Se sim, ou não, em nível mito-simbólico que se projeta experiência originária, digira-se, então a segunda epígrafe.

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Para explanação que relaciona o problema do conhecimento e Experiência Mística ver LIMA VAZ, Henrique.

Experiência mística e filosófica da tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2000.

128 Vez que quer reforçar o caráter dialogal e dialético do texto rosiano, tal pergunta labora-se como palavra que traz possibildade de poiésica resposta. Assim, a partir da conjugação do verbo observar (observeis) cria-se o neologismo Ob-Ser-Vês.

A pergunta Ob-Ser-vês? – ao trazer o radical latino “Ob” que, significando trazer para si – sugere-se como tomada da responsabilidade. Neste caso, a palavra “Ser” insinua o caráter metafísico envolvido na situação. Por seu turno, a partícula “Vês” – além de remeter ao verbo ver – traz a mesma sonoridade de vez, que significa instantaneidade, efeméride de liberação.

Ao trazer o neologismo Ob-Ser-Vês, intenta-se, pois, ironia que pode remeter o leitor desta pesquisa à experienciação consciente, observada, daquilo que é dúvida e certeza ao mesmo tempo. Nutrida pela potência poéisica liberada na leitura do texto rosiano, esta pesquisa, também, quer laborar-se em função do advento daquela experiência que vigora sobre a certeza e a dúvida, que é além do paradoxo, além do tempo.