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Estudo da terceira epígrafe em nível mito-simbólico

2.2 ESTUDO DAS TRÊS EPÍGRAFES EM NÍVEL MITO-SIMBÓLICO

2.2.3 Estudo da terceira epígrafe em nível mito-simbólico

Nota-se que a primeira epígrafe origina-se da “Ia. TABULETA.” (p.146), enquanto a

segunda, por sua vez, origina-se “Das EFERMÉRIDES ORAIS” (p.148). Metaforiza-se, portanto, neste caso, a linguagem quando grafada em uma “Ia. TABULETA” e quando falada pelas

“EFEMÉRIDES ORAIS”. Ao ascender da instância física (tabuleta) à instância verbal

(oralidade), a tríade de epígrafes culmina concebendo a originareidade da linguagem como o humano propriamente dito, vez que a terceira epígrafe, como já se sabe, é referida à pessoa de SEXTUS EMPIRICUS: ““Necessariamente, pois, as diferenças entre os homens são ainda outra razão para que se aplique a suspensão de julgamento. SEXTUS EMPIRICUS”.” (p.146).

Adentra-se na constituição simbólica do texto rosiano e constata-se que – conquanto refira-se a pensador que factualmente existiu na antiguidade – a linguagem da terceira epígrafe faz Sexto Empírico ser nome processado em alquímica transformação. Atente-se que, ao dizer “SEXTUS EMPIRICUS” (p.146), o texto, além de apresentar nome da tradição grega,

pode apontar, também, para o universo da tradição hermética.

Mais que se expressar em latim, a linguagem rosiana insinua-se como alquimia que labora o triadismo da dialética empiricista potencializada ao dobro, ou seja, sugere que três vezes dois resulta seis não apenas como cálculo lógico-matemático, mas, também, como operação algébrica da magia rosiana.

Note-se que o triadismo implica em três movimentos: 1) tese, 2) antítese e 3) síntese. Já o movimento dialético, por sua vez, ocorre como relação dos opostos em pares, simbolicamente, consoantes com o número dois (díada). Assim, a relação numerológica entre o dois e o três, neste caso, produz o seis, que, simbolicamente, é o nome SEXTUS. Ademais, a palavra EMPIRICUS ironiza aquele sensorialismo que se prende à imanência, vez que, se por um lado a expressão EMPIRICUS pode apontar para a experiência da realidade sensorial, para o plano da manifestação visível, por outro não deixa de remeter para a possibilidade de experiência no plano da origem das essências, ou seja, no plano orginário-causal. O triadismo dialético, aqui, portanto, sugere-se via de apresentação do dualismo característico do mundo empírico-material bem como possibilidade de superação da dialética.

Nota-se que, em todo o prefácio Sobre a Escova e a Dúvida, ainda a insinuar a simbologia do triadismo, o nome “SEXTUS EMPIRICUS” aparece três vezes:

1. Na estória “— I —”: ““Necessariamente, pois, as diferenças entre os homens são ainda outra razão para que se aplique a suspensão de julgamento”. SEXTUS EMPIRICUS” (p.146):

2. Na estória “— V — ” (p.156): “A fim, porém, de poder-se ter mais exata compreensão de tais antíteses, darei os modos de conseguir-se a suspensão de julgamento. SEXTUS EMPIRICUS”. (p.156).

3. Na estória “— VII —” (p.161): “‘Agora, que já mostramos seguir-se a tranqüilidade à suspensão de julgamento, seja nossa próxima tarefa dizer como essa suspensão se obtém.’ SEXTUS EMPIRICUS.”” (p.160).

Nos três momentos, a fala de SEXTUS EMPIRICUS refere-se à suspensão de julgamento, mas em nenhum parte do texto rosiano fica explicitado o que vem a ser a “suspensão de julgamento” (p.140), quais são “os modos de conseguir-se a suspensão de julgamento”

(p.150), ou “como essa suspensão se obtém” (p.160).

Assim, pode-se suspeitar que a própria narrativa rosiana se põe como efeméride favorável ao exercício da epochè131. Se é assim, ironicamente, para além das considerações que o pensador grego Sexto Empírico tenha feito sobre o assunto, os “modos de suspensão de julgamento”, concebidos no cadinho textual rosiano, serão tantos quantos emergirem

poiesicamente na atividade hermenêutica132.

Daí, visto se tratar de arte consentânea ao desenvolvimento espiritual, a palavra “suspensão” poder ainda ser entendida em sentidos próximos aos sugeridos pela prática da

suspeição jurídica e pelos verbos suspender e elevar, isto é, nos sentidos de ascensão rumo ao amor que sabe julgar sem julgar. Ademais, no “Agora” (p.160) dito pela epígrafe rosiana a

própria “suspensão se obtém.” (p.160).

Nesta perspectiva, as três vezes em que o sugestivo nome de SEXTUS EMPIRICUS aparece não deixam de sugerir que o triadismo dialético, tal como encontrado no texto rosiano, seja via de elevação do empirismo materialista à condição de experimento empírico que visa provar da Transcendência. Dinâmica dialética para além da dialética.

131

Para explanação mais detalhada da epochè (suspensão do julgamento) e do ceticismo ver capítulo I desta pesquisa bem como PORCHAT, Oswaldo Pereira. Rumo ao ceticismo. São Paulo: UNESP, 2007.

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Neste sentido, a poética rosiana ecoaria consoante à pratica da epochè tal como a concebe a fenomenologia já no século XX. Ver HUSSERL, Edmund. A idéia da fenomenologia. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1990. Ver também GADAMER, Hans-George. Verdade e método. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

Outrossim, como no texto O que é isto – a fenomenologia de Husserl, silenciosamente atroam as palavras de Galeffi: “De qualquer modo, resta sempre a cada um decidir se quer ou não pensar com liberdade e altivez, superando as antinomias do ser e do aparecer, da essência e da aparência — continuar no caminho interrogante: meditação infinita”. (GALEFFI, 2000, p.36).

Através da emancipação poética legada pela arte rosiana é possível que se torne palpável à experiência humana aquela experiência outra que é sentir as impalpáveis mãos de Deus.

Na epígrafe rosiana, portanto, o cetismo integra-se às grandes tradições éticas do ocidente e do oriente, e a dúvida passa a ser o modo de suspensão que promove a descensão da certeza em verdade. Elevando a postura cética aos cumes experienciais que possibilitam a Graça, a literatura rosiana, epistemologia da Poesia133, possibilita a emergência de singular e originalíssima síntese entre ceticismo, fé e conhecimento: antídoto contra a rigidez do acriticismo dogmático; nutritiva seiva cultural para as novas gerações.

Ao duvidar do conhecimento que se limita à sensação material, em nível mito- simbólico, o texto rosiano enobrece o empírico, agora, concebido não apenas como experiência em nível sensorial, mas, também, como experienciação direta da realidade da Transcendência na imanência. Engrandecendo graficamente a palavra “EMPIRICUS” (p.146)

em caixa alta, a linguagem rosiana acaba por sugerir que a leitura pode galgar superação dos dualismos e aporias através do conto “— I —” do prefácio Sobre a Escova e a Dúvida. Trata- se, pois, de experimentação que a subjetividade pessoal faz quanto à objetividade da realidade transpessoal, ou seja, experienciação que medita com a Transcendência. Outrossim, pode ser também efeméride de superação das antinomias, suspensão judicativa e autenticação das diferenças.

Assinadas pela identidade do Infinito, as singularidades, portanto, podem instaurar-se com respeitável dignidade, possibilitado conhecimento que é portal da Ágora do Agora134: amorosa comunidade entre os homens, comunhão que em tudo e a tudo nutre, encontro que é, para além dos discursos lógico-metafísicos, vívida possibilidade de conhecimento e relação entre os seres e o Ser.

Como se pode constatar, perpassando pelas três epígrafes da estória “— I —” do prefácio Sobre a Escova e a Dúvida, a ironia rosiana convida o leitor a experienciar perspectivas paradoxais que assimiladas fazem sobejar experiência poiésica. Tais experiências

133 Em entrevista a Günter Lorenz, Guimarães Rosa lancina: “A personalidade do escritor, ao escrever, é sempre o seu maior obstáculo, já que deve trabalhar como um cientista e segundo as leis da ciência; ela o faz perder seu equilíbrio, torna-o subjetivo quando deveria buscar objetividade”. (ROSA, 1995, p.53).

Nesta perspectiva, a ciência deverá ser meditação que se faz como caminho de superação da aporia subjetividade-objetividade: conhecimento de Libertação.

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A Ágora – praça onde os gregos exerciam-se politicamente – aqui é compreendida como metáfora que expressa o lugar da liberdade. Já o Agora é o tempo onde os homens podem exercer humanidade em liberdade. Na Ágora do Agora a linguagem se acentua, ecoa-se: as palavras podem ser lugar e tempo de Libertação.

poiésicas hão de constituir dieta que nutre a leitura rumo à experiência daquele paradoxo em torno do qual giram todas as tensões e potencialidades do texto.

Assim, indo ao encontro do paradoxo que congerga todo o texto rosiano, faz-se mister seguir ritualização textual que favorece fortalecimento da leitura através da liberação poiésica.