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ESTUDO DOS GASTOS CATASTRÓFICOS EM SAÚDE NO BRASIL

4 O DEBATE SOBRE OS GASTOS CATASTRÓFICOS E AS IMPLICAÇÕES DO GASTO OUT-OF-POCKET

4.1 ESTUDO DOS GASTOS CATASTRÓFICOS EM SAÚDE NO BRASIL

O debate sobre gastos catastróficos em saúde no Brasil é recente e se construiu sobre o trabalho de Xu (XU et al., 2003), os poucos trabalhos que estão disponíveis foram produzidos na tentativa de corroborar ou contestar os resultados encontrados nesse estudo. Como afirma Diniz e outros (2007) existe uma vasta quantidade de trabalhos que analisam os gastos das famílias com saúde, no entanto, poucos procuraram discutir quão catastróficos são esses gastos no Brasil.

Diniz e outros (2007) se propuseram a contribuir para o debate sobre a distribuição dos gastos em saúde das famílias e justiça social, também apresentaram uma discussão sobre a metodologia para estimação de gastos catastróficos. Adotando a mesma metodologia empregada por Xu e outros (2003) e Xu (2005), e utilizando os dados da POF 2002-2003, estimou que menos de 1% das famílias brasileiras teriam enfrentado gastos catastróficos.

Segundo Diniz e outros (2007) a principal razão pela disparidade nos resultados encontrados pelos dois estudos está na utilização de base de dados distintas, em que consta não somente o

aspecto temporal, mas também a diferença entre os escopos das pesquisas. Enquanto a POF 2002-2003 é uma pesquisa domiciliar com intuito de levantar informações sobre o orçamento das famílias, tem abrangência nacional e incluiu a renda e os gastos não-monetários dos domicílios, a PPV foi uma pesquisa sobre condições de vida domiciliar realizada entre 1996 e 1997, direcionada a identificar os determinantes do bem-estar social e dos diferentes níveis de pobreza da população. Além disso, a PPV se restringiu a recolher informações das regiões metropolitanas, outras áreas urbanas e na área rural das regiões Nordeste e Sudeste. A PPV também não levou em consideração os gastos não-monetários das famílias, fato que, provavelmente, interfere diretamente nos resultados.

Outros trabalhos alcançaram resultados bastante semelhantes aos de Diniz e outros (2007). Buscando investigar como os gastos catastróficos incidem sobre as regiões brasileiras, Díaz e outros (2012), identificaram desigualdades regionais tanto no padrão de gastos com saúde quanto na ocorrência de gastos catastróficos. A estimação dos gastos catastróficos consistiu em medir a proporção dos gastos totais em saúde (incluindo os gastos com planos e seguros de saúde) sobre a capacidade de pagamento do domicílio (CTP). A CTP foi estabelecida por meio de dois métodos. O primeiro (CHE1), mais simples, foi calculado como a diferença entre o total de gastos informado pelos membros do domicílio e a soma de todos os gastos com alimentação.

O segundo método (CHE2), sugerido por Wagstaff e van Doorslaer (2003), foi definido como a diferença entre o total de gastos informado pelos membros do domicílio e a linha de pobreza nacional. Foram usados três diferentes pontos de corte de 20%, 30% e 40%, se a porcentagem de gastos com saúde excede um dado ponto de corte, é considerado que o domicílio incorreu em gastos catastróficos (DÍAZ et al, 2012). Usando como base a POF 2002-2003, foram somados gastos monetários e não-monetários para compor os gastos totais do domicílio. Para o ponto de corte de 40%, os resultados encontrados por Díaz e outros (2012) para CHE1 e CHE2 foram 0,9% e 9,4%, respectivamente.

Outro ponto de discussão é a inclusão ou não dos gastos destinados ao pagamento de planos e seguros de saúde. A ideia em que se que baseia a utilização dos gastos totais em saúde como medição da prevalência de gastos catastróficos é a de que ao contratar um plano de saúde, a família reduz o risco de incorrer em gastos catastróficos, mas não está completamente protegida, já que, os planos ou seguros de saúde teriam que ser suficientemente

compreensivos para cobrir todas as despesas com saúde dos pacientes, do contrário, as famílias estariam ainda vulneráveis a ocorrência de gastos catastróficos (BÓS; WATERS, 2008) e (DÍAZ et al., 2012).

Os pagamentos a planos de e seguros de saúde são efetuados por aqueles indivíduos que buscam se precaver contra as incertezas do futuro, para isso, contratam planos e seguros de saúde, para que em caso de um possível adoecimento, eles obtenham cuidados médicos sem que sejam forçados a pagar altos valores nominais com tratamento médico. Apesar de esperar- se que exista uma correlação negativa entre possuir plano de saúde e ter incorrido em gastos catastróficos, o trabalho realizado por Díaz e outros (2012) concluiu que a adesão a um plano privado de saúde não diminuiu a probabilidade de os domicílios brasileiros incorrerem em gastos catastróficos, pelo contrário, ser beneficiário de um plano privado de saúde teve um efeito marginal positivo com a ocorrência de gastos catastróficos. Essa conclusão reforça os resultados encontrados por Bós e Waters (2008) em que plano de saúde está associado a um aumento de 36% na probabilidade gastos catastróficos nos domicílios brasileiros. Ao contrário do esperado, o plano de saúde não teve caráter protetivo.

Com base na regressão da equação de seleção utilizada em seu estudo, Bós e Waters (2008) apontam que o acesso a serviços de melhor qualidade e confiabilidade é o principal motivo pelo qual os indivíduos adquirem planos privados de saúde e possuir um plano de saúde encoraja o indivíduo a procurar cuidados médicos quando doente. Outro fator apontado é a não cobertura de todos os indivíduos do domicílio, já que em 40% dos domicílios com plano de saúde, pelo menos um indivíduo não está coberto pelo plano (BÓS; WATERS, 2008).

Além dos planos privados, o medicamento é outro item de saúde que compromete substancialmente a renda das famílias. Díaz e outros (2012) argumentam que a correlação positiva entre a incidência de gastos catastróficos e a aquisição de plano de saúde estar relacionada com o fato dos planos de saúde não oferecerem cobertura para os custos com medicamentos e pelo um baixo investimento do SUS na área. Segundo os autores a maioria dos domicílios que incorreram em gastos catastróficos no Brasil, tiveram esses gastos predominantemente destinados para aquisição de medicamentos, que são também chamados de gastos curativos.

Na literatura empírica, os gastos curativos são aqueles efetuados posteriormente ao diagnóstico do estado de enfermidade do paciente, sendo assim, as famílias mais pobres são as que em média mais gastam com medicamentos em relação aos gastos totais com saúde (ANDRADE; NORONHA; OLIVEIRA, 2006). Usando os dados da POF 2002-2003, Diniz e outros (2007) concluíram que o gasto médio mensal com medicamentos das famílias do último décimo de renda era aproximadamente 8 vezes maior do que para o primeiro décimo de renda.

Por meio da PNAD de 2008, Boing e outros (2013) verificaram que apenas 45,3% dos usuários do SUS que receberam prescrição medicamentosa pós-atendimento, receberam todos os medicamentos gratuitamente. Dentre os que os obtiveram pelo SUS, 78,1% tiveram que recorrer ao setor privado. O principal motivo apontado para não aquisição dos medicamentos foi a falta de dinheiro para compra-los (51,5%) (BOING et al., 2013). Além da medição da prevalência dos gastos catastróficos, os mais recentes trabalhos buscam analisar as outras características socioeconômicas dos domicílios a fim de identificar determinados subgrupos mais vulneráveis aos gastos catastróficos com saúde (BÓS; WATERS, 2008; KNAUL et al., 2011; DÍAZ et al., 2012; BOING et al., 2014).

De acordo com Alves (2001) a idade é um fator que desempenha grande relevância para explicar os gastos com saúde. A presença de crianças e idosos no domicílio contribui com o aumento da demanda por saúde. Um padrão a ser ressaltado é que enquanto as famílias mais ricas tendem a possuir uma maior proporção de idosos, as famílias mais pobres tendem a possuir um número maior de crianças.

Ainda há de se destacar que as famílias dos estratos de rendas superior dispendem maior parcela dos gastos com saúde com o pagamento de planos e seguros privados em comparação com as famílias dos estratos mais baixos. Ainda assim, muitos trabalhos identificaram que a presença de idoso no domicílio está relacionada com um aumento na probabilidade de ocorrência de gastos catastróficos (BÓS; WATERS, 2008; KNAUL et al., 2012; DÍAZ et al., 2012).

Outra importante variável a ser analisada é o tamanho do domicílio. Apesar de ser esperado que domicílios com maior número de membros estejam mais propensos a incorrer em gastos catastróficos (ZUCCHI et al., 2000; KNAUL et al., 2011), os resultados encontrados por Díaz

e outros (2012) apontam uma relação inversa entre tamanho do domicílio e incorrência de gastos catastróficos no Brasil entre 2008 e 2009. Entretanto, é necessário levar em consideração que o número maior de membros no domicílio pode já estar relacionado com um mecanismo utilizado pelas famílias para enfrentar os custos com saúde, por meio da redução dos custos fixos com moradia e outros (KNAUL et al., 2012).

Além da renda e idade, outros dois fatores socioeconômicos são usados na análise dos gastos catastróficos em saúde: nível educacional do chefe do domicílio e a empregabilidade. A presença de um chefe do domicílio com nível superior e a empregabilidade dos membros do domicílio no setor formal está negativamente relacionada com a prevalência de gastos catastróficos (DÍAZ et al., 2012; FLÓREZI et al., 2011).

Quanto à empregabilidade, Choi e outros (2016) utilizando dados em painel de domicílios sul- coreanos entre 2009 e 2012, encontraram que domicílios que possuem moradores que enfrentaram uma mudança no status de emprego no período apresentaram maior probabilidade em incorrer em gastos catastróficos em relação àqueles que tiveram empregos mais estáveis. No entanto, nos países menos desenvolvidos, o status de emprego pode ser ainda mais determinante. Como afirma Diaz e outros (2011) a larga proporção de empregados no setor informal em países de renda média e baixa é um importante fator explicativo para os vastos segmentos da população que vivem sem nenhuma cobertura de saúde e consequentemente despendem maior parte da renda em gastos out-of-pocket do que os mais ricos.

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