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C ASOS DE ESTUDO – B EM ESTAR ANIMAL EM AQUÁRIOS PÚBLICOS O conceito de bem-estar animal tem vindo a mudar ao longo do tempo e não há uma

definição clara; em vez disso, existem várias definições. Por exemplo, a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) (2018), no seu Artigo 7.1.1 do Código Terrestre, afirma que “Bem-estar animal significa o estado físico e mental de um animal em relação às condições em que vive e morre. Um animal experimenta bem-estar se estiver saudável, confortável, bem nutrido, seguro e não apresentar desconforto associado à dor, medo ou angústia. Deve ainda ser capaz de expressar os seus comportamentos naturais, para manter um estado físico e mental saudáveis. O bem- estar dos animais requer assim a prevenção de doenças e cuidados veterinários, abrigo, manutenção e nutrição adequados, um ambiente estimulante e seguro, um maneio respeitoso e, se acontecer, uma eutanásia conscienciosa”. Algumas definições de bem-estar não consideram uma perspetiva tão abrangente como a descrita, e encaixam-se numa das três categorias (ou “3 orientações”): função; natureza ou emoções (Fraser, Weary, Pajor, & Milligan, 1997).

o Definições baseadas na função afirmam que o animal deve ser capaz de se adaptar ao ambiente e permanecer saudável, com todos os seus sistemas biológicos a funcionar adequadamente (Fraser et al., 1997; Huntingford et al., 2006).

o Definições baseadas na natureza referem que cada espécie deve levar uma vida semelhante à que teria na natureza, expressando os seus comportamentos naturais. Consideram que o natural é intrinsecamente bom (Fraser et al., 1997; Huntingford et al., 2006).

o Definições baseadas em sentimentos defendem que o animal se deve sentir bem, tendo acesso a experiências positivas, mantendo-se afastado de experiências negativas que induzam dor ou medo (Fraser et al., 1997; Huntingford et al., 2006). Em 1993 a Farm Animal Welfare Council (FAWC) sugere uma forma alternativa de considerar o bem-estar animal, introduzindo a ideia das “Cinco Liberdades”:

o “Liberdade de fome e de sede” – acesso a alimento e água que permitam ao animal manter a saúde e o vigor completos;

o “Liberdade de desconforto” – acesso a um ambiente apropriado, com zonas de abrigo e descanso confortável;

o “Liberdade de dor, lesão ou doença” – prevenção de doenças e acesso a assistência veterinária quando necessário;

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o “Liberdade para expressar comportamento normal” – ter espaço suficiente, instalações adequadas e companhia;

o “Liberdade do medo e da angústia” – evitando todas as situações que possam gerar sofrimento.

Sendo abrangente, esta definição não está isenta de conflitos entre as liberdades propostas, pois por exemplo: a) para manter os animais “livres de doenças” é possível que se gere algum medo e angústia devido à contenção necessária para a realização de um determinado tratamento, ou b) se os animais tiverem toda a “liberdade para expressar o seu comportamento natural” podem experienciar medo e stresse durante interações sociais normais, negativas para alguns animais. Assim, um dos objetivos não deve ser eliminar o stresse, mas evitar o sofrimento (Webster, 2016). Além disso, o modelo das “Cinco Liberdades” não diferencia entre os elementos físicos/funcionais e afetivos do bem-estar animal (Mellor, 2016).

Embora o modelo das “Cinco Liberdades” seja amplamente aceite e implementado, Mellor e Reid (1994) desenvolveram um modelo de Cinco Domínios como um refinamento do modelo anterior. Foi concebido como uma estrutura para avaliar impactos negativos e positivos no bem-estar. Este modelo avalia parâmetros físicos/funcionais e restrições de comportamento, identificando os efeitos negativos e positivos que podem ser gerados. Os três primeiros domínios são fatores relacionados com a sobrevivência: nutrição, ambiente e saúde, e o quarto é um fator relacionado com a situação: comportamento. Todas as condições físicas terão um impacto no “domínio mental” dos animais, em relação à experiência afetiva, que determinará o estado de bem-estar do animal (Mellor, 2016).

Os modelos referidos partilham uma base comum, mas podem ser utilizados para diferentes fins (figura 37). Enquanto as “Cinco Liberdades” recorrem a resultados específicos para identificar e avaliar ações que promovam o bem-estar, o objetivo dos “Cinco Domínios” é avaliar como os ambientes físico e social afetam o estado mental do animal (Webster, 2016).

Existe ainda o conceito de “Qualidade de Vida” (QdV), centrado no equilíbrio entre experiências positivas e negativas (Webster, 2016). Assim, a FAWC desenvolveu as noções de “uma vida que não vale a pena viver”, “uma vida que vale a pena viver” e “uma vida boa” (FAWC, 2009), a partir da qual Green e Mellor (2011) formularam uma escala de QdV com duas categorias negativas (“uma vida que não vale a pena viver”

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e “uma vida que vale a pena evitar”), um ponto de equilíbrio neutro e duas categorias positivas (“uma vida que vale a pena viver” e “uma boa vida ”).

No entanto, a interpretação humana dos sentimentos do animal pode ser subjetiva, não sendo fácil determinar o estado mental de um animal (Webster, 2016). Deste modo, os conceitos de “uma vida digna de ser vivida” e “uma boa vida” são baseados

TRÊSORIENTAÇÕES FUNÇÃO Resposta ao stresse, estado nutricional e saúde SENTIMENTOS Confortável, seguro, sem desconforto NATUREZA Capaz de expressar o seu comportamento natural CINCOLIBERDADES Livre de fome e sede Livre de desconforto Livre de dor ou doença Livre para expressar o seu comportamento Livre de medo e angústia CINCODOMÍNIOS

NUTRIÇÃO AMBIENTE SAÚDE

ESTADO MENTAL

ESTATUTO DE BEM-ESTAR

COMPORTAMENTO

Figura 37. Diferentes perspetivas sobre bem-estar animal: Três Orientações, Cinco Liberdades e Cinco Domínios.

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num julgamento subjetivo feito pelos seres humanos, e não pelos animais (Webster, 2016). Além disso, como o conceito de QdV é definido como uma soma de experiências positivas e negativas, a ideia de que um dano pode ser contrabalançado por algum bem deve ser abandonada; se houver um dano significativo, este deve ser remediado (Webster, 2016).

Independentemente do modelo adotado para implementar medidas de bem-estar, também é possível adaptar a “Teoria da Motivação Humana” de Maslow (1943) ao bem-estar animal. Nela, existem pelo menos cinco conjuntos de metas ou necessidades básicas. São eles: Fisiologia (homeostase, fome, sexo e sede); Segurança (preferência por coisas familiares, segurança da saúde, da família, dos recursos); Amor (amizade, família, intimidade sexual); Estima (confiança, conquista, autoestima) e Auto-atualização (criatividade, espontaneidade, resolução de problemas, moralidade). Estes são organizados numa hierarquia de prepotência (figura 38 a). No entanto, essa hierarquia também pode ser aplicada às condições que se acredita serem necessárias ao bem-estar animal.

De facto, existem organizações como a WAZA (2015) que não apenas o aplicam, mas também fazem modificações para distinguir entre cuidado e bem-estar animal (figura 38 b). O nível mais baixo da pirâmide (necessidades fisiológicas) representaria os requisitos básicos para a sobrevivência, incluindo a nutrição, abrigo e condições de vida. Ainda na categoria “cuidado animal”, existem cuidados de saúde (tratamento de lesões e doenças) e necessidades de segurança. Dentro da categoria “bem-estar animal”, colocam necessidades sociais, estímulo mental e escolha, que são atividades que devem ser disponibilizadas aos animais em cativeiro. Através destes, seria possível proporcionar bem-estar aos animais. O interesse da WAZA seria direcionar as ações de zoos e aquários para os níveis mais altos da pirâmide.

•Auto-atualização •Estima •Amor •Segurança •Fisiologia a)

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Figura 38. Comparação entre pirâmides de motivação. Em cima (a), uma pirâmide adaptada do trabalho de Maslow (1943). Em baixo (b), uma pirâmide adaptada da WAZA (2015). O bem-estar animal em aquários públicos tem cativado a atenção de muitos profissionais e investigadores, empenhados em melhorar a vida dos animais nos parques zoológicos (Barber, 2009), que estão cada vez mais expostos ao escrutínio público, capaz de exercer uma pressão enorme quando aspira por mudanças, tendencionalmente lentas (Young, 2003). Num estudo realizado por Maynard (2018), que avalia o enquadramento usado pelos media ao retratar o papel dos jardins zoológicos e aquários na sociedade (avaliando assim a perceção pública dessas instituições), a maioria dos artigos (89%) era positiva e apoiava os jardins zoológicos. Para além disso, o assunto mais abordado foi o bem-estar animal (31%), seguido por negócios e receitas (28%), entretenimento e recreação (26%), oportunidades educativas (11%), conservação e ciência (9%), tecnologia (9%), oportunidades de emprego (9%) e notícias (8%) (Maynard, 2018).

A Estratégia de Bem-Estar Animal da WAZA, Caring for Wildlife (2015), recomenda que os zoos e aquários apliquem o modelo dos Cinco Domínios, promovendo o treino e a educação contínua dos funcionários em bem-estar animal, um compromisso com a investigação em bem-estar animal e a aplicação desse conhecimento no design da exibição. Isso significa que deve ser adotada uma abordagem multidisciplinar, baseada em fatos científicos, para garantir que as necessidades dos animais são atendidas. Além disso, devem ser garantidos os devidos requisitos nutricionais, cuidados veterinários e os indivíduos devem experienciar situações positivas que lhes permita desempenhar os seus comportamentos naturais (WAZA, 2015). Assim, é importante compreender as necessidades nutricionais, físicas e comportamentais de cada animal (EAZA, 2013; WAZA, 2015), uma vez que a importância da complexidade do ambiente varia entre os taxa (Rose, Nash & Riley, 2017).

•Escolha •Estimulação mental •Necessidades sociais •Necessidades de segurança •Cuidado veterinário •Necessidades fisiológicas Bem-estar animal Cuidado animal b)

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Algumas diferenças no comportamento dos peixes, anfíbios e répteis (relativamente a outros vertebrados) têm implicações diretas no seu bem-estar, pelo que será difícil extrapolar a partir de aves ou mamíferos (Huntingford et al., 2006). No entanto, esses taxa têm uma grande riqueza de espécies, logo assume-se que existam diferenças interespecíficas e intraespecíficas a ser consideradas (Burghardt, 2013; Rose et al., 2017). Deste modo, é importante entender como a estrutura baseada nos modelos das “Cinco Liberdades” ou dos “Cinco Domínios” pode ser aplicada a grupos de animais em aquários. Quando necessário, devem ser feitas intervenções para encontrar comportamentos que aliviem qualquer stresse ou potencial redução do bem-estar dos animais (Rose et al., 2017). Por exemplo, os répteis em cativeiro ganharam a reputação de serem inertes em termos comportamentais (Burghardt, 2013). Assim, um ambiente que não forneça os requisitos térmicos e estruturais para algumas espécies será incapaz de fornecer as condições necessárias para a exibição de comportamentos naturais (Rose et al., 2017).

Num aquário público pode haver várias fontes de stresse e mal-estar: alimentação inadequada, baixa qualidade da água, densidade/combinação inadequada de espécies, contacto inevitável com predadores ou visitantes, restrição em espaços confinados, privação de contacto social, métodos prejudiciais de captura e transporte, mau maneio dos animais, tratamento médico inadequado, entre outros (EAZA, 2013; Hofer & East, 2012; Huntingford et al., 2006). As condições que promovem o bem- estar dos peixes (e outros taxa) são muito pouco conhecidas, mas começam a emergir ideias de como várias atividades humanas afetam o bem-estar desses animais e, portanto, do que pode ser feito para o melhorar (Huntingford et al., 2006). Dessa forma, os aquários devem seguir diretrizes que garantam o bem-estar de todos os animais, proporcionando boas condições de acomodação, reprodução, criação, manutenção e maneio aos animais. Se os animais não tiverem boas condições ou não se puderem adaptar ao cativeiro, não deverão ser mantidos (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012).

NOÇÕES GERAIS

Um aquário deve, portanto, assegurar uma série de características e condições adequadas às espécies mantidas, como: dimensões, corrente, filtração, iluminação, substrato, profundidade, entre outras. Nessas circunstâncias os animais deverão ser capazes de exibir os seus comportamentos naturais, satisfazer necessidades

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fisiológicas e preservar características sociais, considerando a espécie, idade e necessidades específicas de sexo (Corcoran, 2015; Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto- Lei n.º 104/2012).

Além disso, o ambiente de um animal deve ter um design que o desafie a usar o seu modo normal de locomoção e manter a forma e força físicas (Young, 2003). Outro aspeto a considerar é a componente social, que afeta o desenvolvimento e respostas sociais subsequentes. Deste modo, as práticas de maneio devem garantir que os animais se desenvolvam num ambiente que facilite a formação desses

grupos (Rose et al., 2017), como é o caso dos cardumes de peixes (figura 39).

ACOMODAÇÃO E MANEIO

Boas práticas de acomodação e maneio são essenciais para promover o bem-estar dos animais. Apesar das recomendações sobre como manter os animais em cativeiro (por exemplo, da WAZA e da EAZA), não há legislação ou diretrizes específicas para alguns grupos de animais (Tonkins, Tyers & Cooke, 2015). Assim, ao manter animais em cativeiro deve-se prestar o melhor cuidado possível. Todos os animais devem ser inspecionados diariamente, para avaliar se há sinais de doenças, lesões e/ou alterações comportamentais. O maneio dos animais não deve causar dor, sofrimento ou stresse desnecessário. Além disso, os animais não devem ser provocados para entretenimento do público (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012). Segundo Young (2003), o ambiente em que um animal está contido é composto de duas partes: o recinto real do animal (intrínseco ou microambiente) e a área em torno do recinto (extrínseco ou macro ambiente), ambos influenciando o bem-estar do animal. De notar que as áreas do macro ambiente também exercem uma forte influência sobre as variáveis físicas mais importantes no microambiente do animal, como a temperatura, humidade e ventilação. No entanto, elas também são fonte potencial de estimulação sensorial, dependendo do que elas contêm e das barreiras que restringem o animal (Young, 2003).

Figura 39. Cardume de cavalas (Scomber

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Em termos de saúde e saneamento, deve-se considerar a segurança e a qualidade do ar, da água e do substrato (Young, 2003). Além da filtração mecânica, o ambiente aquático pode ser mantido seguro contra patogénios usando produtos químicos, ou filtros biológicos, cada um com aspetos positivos e negativos (Boness, 1996). Os bio filtros não apresentam risco para a saúde, mas não conseguem lidar com um alto teor de matéria orgânica morta, tornando difícil alimentar os animais na água, afetando assim o potencial de fornecer oportunidades comportamentais aos animais (Young, 2003). Já os produtos químicos podem ter efeitos adversos na saúde dos animais, mas oferecem uma oportunidade para alimentá-los na água (Boness, 1996), apesar de também implicar o tratamento de efluentes, importante para garantir a saúde pública (Mohan & Aiken, 2004). Além disso, a higiene pessoal dos tratadores e outras pessoas que entrem em contato com animais, instalações e todas as estruturas de apoio deve ser tida em consideração (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto- Lei n.º 104/2012).

Também é necessário garantir a saúde física e mental dos animais através de cuidados veterinários (incluindo instalações veterinárias e manutenção de registos veterinários), saneamento e controlo de doenças, observações de rotina e quarentenas (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012; EAZA, 2013). Certos problemas de saúde são frequentes em cativeiro, não se observando quando os animais estão na natureza, indicando indiretamente que se desconhecem os requisitos específicos para manter alguns animais saudáveis (Rose et al., 2017). Alguns aquários também podem desenvolver medicina de conservação, combinando aspetos dos cuidados veterinários da vida selvagem (para melhorar e manter a saúde e o bem-estar) com a monitorização e investigação em saúde (WAZA, 2015).

ALIMENTAÇÃO

Ocasionalmente, em cativeiro, existem limitações alimentares. Assim, os aquários devem ter um programa nutricional bem definido, com alimentos distribuídos em quantidade suficiente para atender às necessidades alimentares dos indivíduos, de acordo com espécie, idade, sexo ou algum estado específico (Decreto-Lei n.º 59/2003 Decreto-Lei n.º 104/2012). Além disso, o conhecimento do comportamento alimentar, sistema de suporte de vida e técnicas de maneio são importantes para escolher o que fornecer a cada animal (Corcoran, 2015).

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O regime de alimentação e a dieta que é fornecida aos animais deve ser projetada para se assemelhar à forma como os animais se alimentariam no meio natural, numa proporção adequada de elementos nutricionais (Corcoran, 2015; EAZA, 2013). As refeições devem ser variadas e saudáveis (com possível adoção de rotinas definidas para as espécies) para manter o comportamento alimentar natural e, ao fornecer alimentos, a sua apresentação é importante e a concorrência excessiva deve ser evitada (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012). A água deve ser limpa e segura e os alimentos devem ser preparados e armazenados de acordo com rígidos padrões de higiene, em ambientes limpos e isentos de agentes patogénicos e produtos tóxicos (Corcoran, 2015; Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012; EAZA, 2013).

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Em relação à manutenção de animais em aquários públicos é também importante considerar que espécies podem conviver harmoniosamente (evitando interações potencialmente stressoras ou que causam muita agitação), prever refúgios para as diferentes espécies, determinar uma densidade ótima de animais, investir no design da exposição, materiais e brinquedos que podem ser utilizados, localização de entradas e saídas de água, design de áreas de serviço, entre outros (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012; Powell, Wisner & Rupp, 2004; Young, 2003). Além disso, todas as instituições devem manter registos individuais dos animais, onde ficarão listadas todas as informações relevantes (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012).

Embora as instituições apliquem padrões e requisitos semelhantes, o bem-estar observado pode divergir bastante, pois a influência dos tratadores pode ser significativa (Cole & Fraser, 2018). Assim, deve ser ainda considerada uma “dimensão humana” como determinante do bem-estar animal. Pode-se pensar que num aquário público a influência da equipa de aquaristas não é tão importante como num zoo, uma vez que os animais estão em aquários e têm menos contato direto com os seres humanos. No entanto há sempre interações (mesmo que seja apenas para alimentação) e com elas a oportunidade de melhorar ou não o bem-estar desses animais, logo essa “dimensão humana/do tratador” deve ser considerada. Para além disso, em aquários existem espécies muito diferentes, que requerem contactos

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diferentes, por isso é importante ter essa relação humano-animal em consideração. Assim, Cole e Fraser (2018) propõem vários aspetos que deveriam ser avaliados: o Interação humano-animal positiva.

o Consistência e familiaridade dos tratadores.

o Tratar os animais como indivíduos (com personalidades próprias). o Atitude e personalidade dos tratadores.

o Conhecimento e experiência dos tratadores. o Bem-estar dos próprios tratadores.

o Como os tratadores e outras pessoas interagem com os animais (considerando o design das instalações).

ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL

O enriquecimento ambiental é “o conjunto de técnicas de maneio e conceção dos alojamentos que visam aumentar a diversidade do ambiente potenciando comportamentos variáveis do animal” (Decreto-Lei n.º 59/2003; Decreto-Lei n.º 104/2012). O enriquecimento ambiental em animais que se encontram em cativeiro é uma necessidade, pois o tédio pode gerar stresse e desconforto (Corcoran, 2015). Ambientes que não possuem nenhum tipo de enriquecimento podem alterar e reduzir a expressão dos comportamentos naturais e, eventualmente, a adoção de comportamentos inadequados que podem colocar em causa o bem-estar (e a saúde geral) dos animais (Dawkins, 1988).

O uso do enriquecimento depende de várias variáveis como a espécie, idade, sexo e estado reprodutivo e deve considerar as identidades individuais dos animais (Corcoran, 2015; Rose et al., 2017). Em aquários públicos, geralmente há um compromisso entre os benefícios para os animais e o apelo aos visitantes (Näslund & Johnsson, 2016). O modelo das “Cinco Liberdades” é normalmente empregue como uma estrutura para programas de enriquecimento de animais terrestres, a fim de diminuir o stresse e aumentar a apresentação de comportamentos naturais (Corcoran, 2015). Embora haja desafios apresentados no ambiente aquático, também é possível aplicar esses mesmos princípios (Corcoran, 2015).

Quando há falta de estímulo ambiental podem surgir certos comportamentos como a frustração, o tédio ou passividade inespecífica e comportamentos anormais - como as estereotipias (Mason & Burn, 2011; Rose et al., 2017). A ocorrência de

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estereotipias é comumente usada para indicar stresse em animais em cativeiro (Dawkins, 1988; Mason, Clubb, Latham, & Vickery, 2007), podendo ocorrer quando o animal está num ambiente com o qual não consegue lidar adequadamente (por exemplo, um espaço pequeno e fechado), induzindo stresse e motivando uma resposta comportamental inadequada, que pode até afetar a função cerebral (Mason et al., 2007). No entanto, o comportamento estereotipado pode não ser devido às condições presentes, mas um resultado de experiências passadas (Swaisgood & Shepherdson, 2005).

Parece haver uma relação entre estereotipias e enriquecimento, pois o aumento do enriquecimento e o alívio desses comportamentos parecem beneficiar o bem-estar animal (Swaisgood & Shepherdson, 2005). Os programas de enriquecimento diminuem os períodos de descanso aumentando o comportamento exploratório (Corcoran, 2015), permitindo assim momentos estimulantes em que os animais podem controlar e escolher algo no seu ambiente, melhorando o seu bem-estar (Rose et al., 2017).

ENRIQUECIMENTO ALIMENTAR

O enriquecimento relacionado com a comida envolve a manipulação dos métodos de alimentação e os próprios alimentos (Makecha & Highfill, 2018; Maple & Perdue, 2013). Atualmente, em vez de fornecer a ração diária ao mesmo tempo e de maneira acessível, são utilizadas diferentes práticas, imitando condições mais próximas da natureza, como alimentação dispersa (levando ao movimento do animal) (EAZA, 2013) ou a manipulação de dispositivos que exigem determinados comportamentos (Maple & Perdue, 2013). Variações na dieta também podem ser consideradas como enriquecimento (Corcoran, 2015), um método mais natural para aumentar os comportamentos específicos das espécies (Makecha & Highfill, 2018). Uma possibilidade a considerar durante a alimentação é fornecer alimentos vivos em vez dos congelados típicos (Tonkins et al., 2015). No entanto, esta estratégia deve ser analisada para cada caso, pois pode não ser significativo para todas as espécies, tendo o potencial de introduzir doenças e parasitas no aquário (Corcoran, 2015).

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Caso 1: Alimentação das lontras-marinhas

As lontras marinhas são um dos menores mamíferos marinhos, mas não têm a característica camada de gordura espessa, sendo o animal com mais pêlo do planeta. Comparando com a maioria dos carnívoros terrestres, as lontras marinhas têm uma taxa metabólica relativamente alta (para manter a temperatura), consumindo 200- 400 kcal/kg/dia, o que equivale a 20-25% do seu peso corporal (AZA Marine Mammal