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Estudo 2: Focus group para avaliação das necessidades e expetativas dos profissionais de saúde

CAPÍTULO II CONCEÇÃO DA APLICAÇÃO MÓVEL weCope

2.3. Estudo 2: Focus group para avaliação das necessidades e expetativas dos profissionais de saúde

Este estudo é apresentado no formato de artigo científico submetido em Setembro 2017 e que se encontra ainda em avaliação. O texto nesta tese consiste numa versão traduzida e adaptada deste artigo.

2 Almeida, R.S., Sousa, A., Marques & Queirós, C. (submetido Setembro 2017). Mobile Application for individuals with schizophrenia: professionals’ perspective. Revista Portuguesa de Saúde Pública.

103 2.3.1. Introdução

A esquizofrenia é a doença mental grave mais comum, que reporta uma incidência media de 15.2 em cada 100,000 pessoas e uma prevalência de 0.40% (Simeone, Ward, Rotella, Collins, & Windisch, 2015). É uma doença neuropsiquiátrica crónica e uma das dez causas principais de incapacidade a longo termo (Tandon, Nasrallah, & Keshavan, 2009). É caracterizada pela presença e persistência de sintomas positivos e negativos, durante pelo menos 6 meses (APA, 2013; Tandon, Nasrallah, & Keshavan, 2009). Esta patologia apresenta um impacto negativo na funcionalidade em vários domínios da vida dos indivíduos com esquizofrenia, incluindo défice nos autocuidados, gestão da doença, funcionamento social e interpessoal, entre outros (Lepage, Bodnar, & Bowie, 2014).

A autogestão da doença é uma ferramenta crucial nas intervenções não farmacológicas nesta população, devido à sua evolução crónica e porque, na maioria dos casos, os recursos de apoio são insuficientes e desarticulados (Mitsonis et al., 2012). Estas abordagens promovem a remissão dos sintomas e, consequentemente, uma vida satisfatória e funcional (Chan et al., 2014; Davidson, Schmutte, Dinzeo, & Andres- Hyman, 2008). A autogestão de uma doença crónica é um processo dinâmico e interativo (Schulman-Green et al., 2012). Esta abordagem refere-se à capacidade do indivíduo, em conjunto com a família, comunidade e os profissionais de saúde, gerir os sintomas, tratamentos, mudanças no estilo de vida, assim como as consequências psicológicas, culturais e espirituais da sua condição de saúde (Barlow, Wright, Sheasby, Turner, & Hainsworth, 2002; Richard & Shea, 2011; Schulman-Green et al., 2012). Neste contexto, as novas tecnologias podem ser uma ferramenta útil em promover e facilitar os processos de autogestão.

De facto, a tecnologia apresenta um grande potencial em promover a qualidade e efetividade dos serviços de saúde mental (Aboujaoude & Salame, 2016; Ben-Zeev et al., 2012; Institute of Medicine, 2006; New Freedom Commission on Mental Health, 2003). Contudo, existe a falta de evidência cientifica e, consequentemente, uma ausência de

guidelines sobre a incorporação destas novas tendências nos serviços que abordam

indivíduos com doença mental (Ben-Zeev et al., 2012). No entanto, intervenções baseadas nas novas tecnologias estão a emergir e a atrair a atenção de investigadores e entusiastas nesta área (Ben-Zeev, 2014). Estas intervenções incluem intervenções psicoterapêuticas via web (e.g. Alvarez-Jimenez et al., 2013; Proudfoot et al., 2007; Rotondi et al., 2010),

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SMS que suportam o cuidado psiquiátrico (e.g. Granholm et al., 2011; Sims et al., 2012), tratamento aplicado através de chamadas telefónicas e videoconferências (e.g. Mohr et al., 2012; Nelson et al., 2003), treino de competências e reabilitação funcional através de paradigmas virtuais (e.g. Cipresso, Serino, & Riva, 2016; Wiederhold, Riva, & Gutierrez- Maldonado, 2016) e aplicações móveis para promover o recovery de indivíduos com doença mental (e.g. Ben-Zeev, 2014; Burns et al., 2011; Corripio et al., 2016; Rizvi et al., 2011; Wilhide, Peeples, & Kouyaté, 2016). Embora escassa, a evidência existente é promissora, demonstrando que a eficiência de intervenções desenvolvidas é igual e, em alguns casos, melhor que os modelos tradicionais (Barak et al., 2008; Ben-Zeev, 2014; Mohr et al., 2012). Uma revisão sistemática conduzida por Alvarez-Jimenez e colaboradores (2014), de forma a analisar a evidência existente sobre intervenções móveis, examinou 12 estudos recentes que avaliam a aceitabilidade, viabilidade e segurança destas intervenções em indivíduos com doença mental. Resultados mostraram que 74-86% dos indivíduos utilizam estas intervenções efetivamente, 75-92% mencionou-as como uma ferramenta positiva e útil e 70-86% completou o tratamento e pretende continuar o mesmo. O estudo permitiu perceber que as intervenções móveis são efetivas na remissão dos sintomas psicóticos positivos, prevenção de hospitalizações, aumento da conexão social, diminuição da depressão e promoção da adesão à medicação (Alvarez-Jimenez et al., 2014). Além disso, é importante destacar que estas abordagens são um meio efetivo de combater o estigma e o autoestigma (Ben-Zeev, Frounfelker, Morris, & Corrigan, 2012).

As intervenções móveis estão a influenciar as abordagens psicológicas (Morris & Aguilera, 2012). São ainda mais sofisticadas, oferecendo um valor terapêutico para pessoas que não apresentam acesso a essas abordagens e aumentando a efetividade para as pessoas que apresentam tratamento cara-a-cara (Morris & Aguilera, 2012). Atualmente, os esforços que estão a ser realizados para a avaliação destes dispositivos e plataformas em indivíduos com perturbações psicóticas estão a crescer consideravelmente (Ben-Zeev, Frounfelker, Morris, & Corrigan, 2012; Granholm, Ben- Zeev, Link, Bradshaw, & Holden, 2011). Adicionalmente, o número de consumidores diretos das aplicações móveis relacionadas com saúde emocional estão a seguir a mesma tendência (Morris & Aguilera, 2012).

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Estas novas abordagens levaram à criação do conceito “Mobile Health” (mHealth) (Aranda-Jan, Mohutsiwa-Dibe, & Loukanova, 2014), e embora não exista nenhuma definição standard do termo, mHealth refere-se ao uso de tecnologias móveis de comunicação de modo a promover a saúde através de intervenções baseadas na evidência (Kay, Santos, & Takane, 2011; World Health Organization, 2009). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2009), é um termo que está a emergir para a prática médica e de saúde pública suportada por dispositivos móveis, como telemóveis, dispositivos de monitorização de pacientes, assistentes digitais pessoais e outros dispositivos de wireless. As aplicações de mHealth incluem o uso de dispositivos móveis na recolha de dados da saúde comunitária e clínica, fornecer informação sobre os cuidados de saúde, monitorização em tempo real dos sinais vitais do paciente, e prestação direta de cuidados (Heron & Smyth, 2010).

É importante compreender como é que as intervenções mHealth devem ser projetadas e construídas. O Design Centrado no Utilizador (DCU), como o nome implica, envolve a consideração do utilizador em todos os estádios do processo de design (McCurdie et al., 2012; Zhang, Adipat, & Mowafi, 2009). Na prática da mHealth, representa um processo sistemático que é essencial para assegurar que as aplicações permanecem focadas na pessoa com problema de saúde mental (McCurdie et al., 2012). No processo de DCU, os utilizadores devem ser identificados numa fase inicial (Schnall et al., 2016; Youngho, 2010). Posteriormente, uma investigação completa das suas necessidades e expetativas é conduzida de modo a compreender o uso pretendido e o objetivo da aplicação de mHealth (Rhee, Lee, & Chang, 2010; Schnall et al., 2016). Técnicas de pesquisa de fatores humanos como estudos de campo no contexto (etnografia), focus groups, questionários e entrevistas individuais, contribuem para a avaliação das necessidades dos utilizadores (Rhee, Lee, & Chang, 2010; Schnall et al., 2016). Este método é altamente reconhecido internacionalmente e bem suportado por evidência científica (Mao, Vredenburg, Smith, & Carey, 2005). Contudo, o processo de

design de aplicações móveis em mHealth está correntemente a sofrer alterações de

perspetiva. A maior parte dos investigadores discutem a aplicação do novo conceito nomeado de Design Participativo do Utilizador (Kang, Choo, & Watters, 2015). Este conceito considera que os utilizadores podem contribuir ativamente para o design da aplicação, ou seja, não só o design da aplicação para o utilizador mas com o utilizador

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através de ferramentas apropriadas como a reflexão partilhada, análise de tarefas e desenho de rascunhos (Kang, Choo, & Watters, 2015).

As pessoas com doença mental afirmam-se interessadas em utilizar aplicações para monitorizar a sua condição de saúde mental e adquirir smartphones com a capacidade para as executar (Torous et al., 2014), contudo eles não são os únicos utilizadores e necessitam que alguém os acompanhe na gestão da sua condição. Nesse sentido, os profissionais de saúde mental têm um papel fulcral para uma implementação otimizada da abordagem mHealth. No entanto, os profissionais de saúde possuem algumas preocupações sobre os riscos de utilizar as novas tecnologias para auxiliar as suas terapias (Wykes & Brown, 2016; Wu, Li, & Fu, 2011). Este estudo pretende explorar a perspetiva dos profissionais de saúde mental e as preocupações sobre as aplicações móveis para a autogestão da doença, bem como discutir formas de superá-las.

2.3.2. Método

A presente investigação trata-se de um estudo qualitativo e exploratório. Considerando os nossos objetivos, esta metodologia científica demonstra-se relevante porque, de acordo com Merriam (2009), os métodos qualitativos permitem estudar em profundidade o significado de um fenómeno numa perspetiva subjetiva daqueles que o vivenciam num contexto específico. Particularmente na saúde mental, estes são assumidos como métodos-chave, considerando a influência da perspetiva subjetiva e os contextos sociais nas práticas clínicas nesta área (Flick, 2009).

2.3.2.1. Participantes

Na primeira instância, foram delineados dois critérios de inclusão: os participantes devem apresentar experiência profissional em Reabilitação Psicossocial com indivíduos com perturbações psicóticas; a amostra deve possuir uma diversidade de profissões para assegurar um contexto multidisciplinar. Considerando estes critérios, os participantes foram recrutados através de uma amostra intencional de especialistas. A amostragem por peritos é um tipo de técnica de amostragem intencional utilizada quando a investigação necessita de recolher informações de indivíduos que possuem conhecimentos específicos (Lohr, 2009). Dessa forma, o contacto com os profissionais foi conduzido através de

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Após o recrutamento, foi obtida uma amostra de 5 profissionais cumpridores dos critérios acima descritos (Tabela 10), com idades entre 25 e 39 anos. São: uma psicóloga mestre, aluna de doutoramento em psicologia; um terapeuta ocupacional bacharel, aluna de mestrado em psiquiatria e saúde mental; uma assistente social licenciada; uma médica especialista em psiquiatria; uma enfermeira especialista em psiquiatria; e, finalmente, uma psicóloga mestre, na área de reabilitação psicossocial.

Tabela 10. Características da amostra

Participante Género Profissão Anos experiência Idade

A Fem Ass. Social 4 29

B Fem Enfermeira 15 36

C Fem Psicóloga 10 32

D Fem Psiquiatra 13 39

E Mas Tp. Ocupacional 2 25

2.3.2.2. Procedimento

A recolha de dados foi conduzida por um focus group multidisciplinar, formato escolhido porque as opiniões são detetadas e compartilhadas nos padrões de comunicação da vida diária e estes são geralmente experienciados em grupo. Assim, os focus group são um método privilegiado, uma vez que representam como as opiniões são produzidas, expressas e compartilhadas no contexto laboral do profissional. Este método de recolha de dados foi cuidadosamente desenhado para ser o mais rigoroso possível. Inicialmente, realizou-se uma revisão da literatura para compreender a melhor forma de colher dados, considerando o campo da presente investigação. Posteriormente, percebeu-se que o focus

group é o método mais promissor para explorar o tema atual por uma variedade de razões.

Em primeiro lugar, os focus group são um método privilegiado porque representam como as opiniões são produzidas, expressas e compartilhadas e, em segundo lugar, a riqueza da interação em grupo fornece informações muito poderosas para uma melhor compreensão de perspetivas e opiniões, bem como padrões de comportamentais sociais na presença de tópicos específicos (Flick, 2009). Além disso, é importante notar que este método é uma ferramenta muito eficaz e de baixo custo.

Para realizar o método acima mencionado, foi construído um guião semiestruturado. Realizou-se uma revisão da literatura para compreender as recomendações dos autores para construir um guião de qualidade. Assim, os tópicos de

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discussão foram cuidadosamente definidos e organizados seguindo uma sequência específica, começando com a maioria dos assuntos genéricos e especificando as questões- chave. Diante disso, foram delineados seis domínios (D): D1 para questões de abertura; D2 para questões introdutórias; D3 para questões de transição; D4 para questões-chave; D5 para questões relacionadas com metodologias de estudo futuro para testar e validar uma intervenção de mHealth; e finalmente, D6 para encerrar e finalizar pontos. Após a delineação dos domínios e construção de tópicos, o guião foi submetido a um painel de três especialistas em Reabilitação Psicossocial e TICs. De acordo com o feedback recebido, o guião foi reformulado tendo em conta a precisão da linguagem utilizada, para evitar interpretações desviantes e alguns aspetos formais. O guião final apresenta 23 tópicos distribuídos entre os domínios mencionados anteriormente.

Guião Focus Group