• Nenhum resultado encontrado

Estudo Jurisprudencial à luz do Direito de Propriedade

CAPÍTULO IV – CONFLITOS RELACIONADOS COM USO E/OU ACESSO A

4.1. P ROPRIEDADE

4.1.3. Estudo Jurisprudencial à luz do Direito de Propriedade

As águas são bens públicos de uso comum do povo, devendo ser usadas por todos de forma equitativa e igualitária, principalmente por constituir um elemento essencial à vida. Mas nem sempre as águas foram consideradas públicas, como aludido existia a previsão de águas particulares pelo Código de Águas.

A título de ilustração e como informação histórica, um julgado do Supremo Tribunal Federal, de 14 de abril de 1952, em que através do mandado de segurança n° 1.519, o impetrante reclama direito líquido e certo sobre águas particulares que, pelo Decreto n.° 29.559 de maio d e 1951, assinado pelo Presidente da República, considerou o rio Quiririm, da cidade de Taubaté- SP, como rio de domínio público pertencente ao Estado de São Paulo, para fins de navegabilidade. Veja-se a pretensão do impetrante apresentada em Juízo, extraída do relatório do julgado:

O SR. MINISTRO BARROS BARRETO – Insurgindo-se contra o ato do Sr. Presidente da República, contido no Decreto n°

29.559 de 15 de Maio de 1951, que considerou como curso de águas públicas do domínio do Estado de São Paulo o ribeirão Quiririm, situado no município de Taubaté, daquele Estado – Joaquim Mendes de Castilho e outros requereram mandado

135 Lei 6.938/81 art. 3° V - recursos ambientais: a at mosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

de segurança, dizendo ferido seu direito liquido e certo, por isso que as mencionadas águas são particulares, reconhecidas como tal pelo Poder Judiciário.

A jurisprudência ainda traz o parecer do Procurador Geral da República que, em linhas gerais, afirma que o ato é constitucional, pois o Decreto foi amparado por diversos outros instrumentos legais, tais como o artigo 5°136 do Decreto- Lei n°2.281, de 5-6-1940, no artigo 3°137 do Decreto- lei n°852, de 11-11-1938, documento esse que modificou alguns artigos do Decreto n° 24.643/34, Código de Águas, a fim de adaptá-lo às normas contidas na Constituição Federal de 1937, também baseado no artigo 6°138 do Decreto – lei n°2.281, de 5-6-1940, onde se define navegabilidade.

Tal mandado foi indeferido, pois os Ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam ser o rio de domínio público, conforme se infere abaixo pelo voto do Ministro Barros Barreto.

Foi em cumprimento ao disposto no art. 5° do Decret o – lei n°

2.201 de 5 de junho de 1940, que o Decreto Federal n° 29.559 de 15 de maio de 1951, declarou públicas de uso comum e do domínio do Estado de São Paulo as águas do ribeirão Quiririm, sitas no Município de Taubaté.

Fez-se o processo respectivo, com obediência dos trâmites legais, e atendeu-se ao conceito de navegabilidade, para efeito de classificação, consubstanciado no art. 6° do cit ado diploma de 1940.

E, no pertinente à alegação dos requerentes, de ofensa à coisa julgada, mostrou que a mesma não existe o douto parecer da Procuradoria Geral, em tópico incisivo, porquanto os impetrantes invocam uma decisão da justiça paulista em ação de nunciação de obra nova, não sendo parte a União Federal, e de cujo recurso extraordinário não tomou o conhecimento a acordo com o processo regulado nos parágrafos seguintes.

137 Decreto- Lei n° 852/38 Art. 3º - São públicas de u so comum, em toda a sua extensão, as águas dos lagos, bem como dos cursos d'água naturais, que, em algum trecho, sejam flutuáveis ou navegáveis por um tipo qualquer de embarcação.

138 Decreto-Lei n°2.281/40 Art. 6° - É navegável para os efeitos de classificação, o curso de água no qual, pleníssimo flumine, isto é, coberto todo o álveo, seja possível a navegação por embarcações de qualquer natureza, inclusive jangadas, num trecho não inferior á sua largura;

para os mesmos efeitos, é navegável o lago ou a lagoa que, em águas médias, permita a navegação, em iguais condições num trecho qualquer de sua superfície.

esforçasse o nobre patrono dos postulantes, ficou sem onde o proprietário limitou o uso de um açude, no interior de sua propriedade, à comunidade local, que fazia uso desse recurso havia mais de 20 anos.

O Agravante visa a alterar a decisão interlocutória do Juízo a quo, em face da impetração de Ação de Reintegração de Posse (fls. 15/21) ajuizada na Comarca de Major Izidoro, donde aduziu que o requerente limitou o direito de utilizar o açude, direito este, que estava sendo utilizado há mais de 20 (vinte) anos pela comunidade local. O Juízo de Instância Singela por vislumbrar presentes os requisitos da medida liminar, reintegrou a Agrava na posse do lugar denominado “Crua”, no qual ocorreu a construção da barragem, de uso coletivo, com idêntico nome.

(...) Consta nos autos, mais precisamente ás fls. 56/60, que o açude constitui uma barragem comunitária, através da qual a comunidade local retira o precioso liquido (água) de que necessita para sobreviver. Percebeu-se que o bem em questão além de satisfazer as utilidades básicas daqueles que próximo a ela vivem, também fora construído com recursos públicos (União), sendo a Agravada o custeador de todo o processo de limpeza e conservação de tal barragem ao longo desses 20 (vinte) anos de posse efetiva.

Pela falta de requisitos essenciais é que foi indeferido o efeito suspensivo, pois não foi vislumbrado por essa relatoria o periculum in mora a favor do Agravante, visto que o mesmo possibilitou apenas ao seu rebanho de gado ter acesso ao açude. Por conseguinte, a Agravada pediu guarida ao Poder Judicante de 1° Grau, para sanar tal conflito em vi rtude do principio humanitário de que a propriedade deve atender a sua função social, dispositivo este tão bem recepcionado em nossa Carta Magna em seu art. 5°, inciso XXII139. (...)[grifo nosso]

O relator, ao discutir o meritum causae ainda menciona: “no caso em tela, vejo cerceamento do direito de uso coletivo pela Agravada, que foi construído pela União Federal, para atender a necessidade daquela região, onde a pobreza e miséria, diante da falta de perspectiva de trabalho e do difícil talho de prosperidade incomum, chama água”.

139 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. Disponível em

<http://tj.siged.com.br/publico/lePDF.aspx?codigoDV=97€nomelmg=1496%202004.PDF>

Consulta realizada 07/06/2007.

O Tribunal, por unanimidade de votos, manteve a decisão a quo, em que reintegra a posse à comunidade e ainda mantém o direito de servidão à comunidade e o direito de acesso à água.

Assim, vê-se que já há algum tempo o Poder Público vem demonstrando que a água, por ser um bem de uso comum, não pode ficar restrita ao particular sem um controle específico140, devendo, portanto, atender à sua função social e disponibilizada a toda a coletividade.