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CAPÍTULO IV – CONFLITOS RELACIONADOS COM USO E/OU ACESSO A

4.1. P ROPRIEDADE

4.1.2. Propriedade, Meio Ambiente e Água

O direito de propriedade, quando recai sobre um bem ambiental, seja esse sob domínio público ou privado, tem subjacente o interesse da coletividade.

O Código Civil, no artigo 1.228 ao tratar do uso da propriedade, no parágrafo primeiro trata da proteção do meio ambiente:

“§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

O artigo 1.228 está estritamente ligado ao artigo 225 da Constituição Federal, que trata do meio ambiente como um bem de uso comum do povo, assim como o inciso II do artigo 186 da Carta Magna, que trata da propriedade rural e une a função social à preservação do meio ambiente, assim como o artigo 170,

128 DERANI, Cristiane. A Propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da “função social”.

Revista de Direito Ambiental. p. 60.

que traz entre seus princípios gerais a atividade econômica, a propriedade privada, a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente.

A função social da propriedade tem como elemento a preservação do meio ambiente e de seus recursos naturais, é essa a função sócio-ambiental da propriedade. E sendo esses bens pertencentes a todos, não podem estar vinculado a uma só pessoa, o proprietário, e sim a toda a coletividade.

Cristiane Derani trata do assunto da seguinte maneira:

Quando tratamos de apropriação de recursos naturais, do ponto de vista da apropriação privada de bens coletivos, existe uma condição que se incorpora ao domínio, qual seja a de responder individualmente pela construção do bem-estar social, sem o que a apropriação privada se torna usurpação, e o direito sobre coisa não encontra abrigo no mundo jurídico. O sujeito, ao apropriar-se de elementos que compõem o meio surgem normas infraconstitucionais de proteção da natureza ou do meio ambiente, criando direitos a todos os cidadãos – direitos coletivos ou difusos – que se impõem juntamente com os direitos individuais. Este novo direito da coletividade pode ser traduzido como o direito de todos de terem protegido o ambiente. Limites ao exercício do direito individual de propriedade e os parâmetros para as práticas dos proprietários são impostos, a fim de que a ação de apropriação não se vincule exclusivamente à vontade do sujeito detentor da coisa, porque deve compreender os valores de fruição a que tem direito a coletividade. Pelo princípio da função social da propriedade, são estabelecidos direitos de todos sobre coisa alheia, que não obstante continuam sob o domínio do detentor legítimo130.

129 DERANI, Cristiane. A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”.

p. 66/67.

130 DERANI, Cristiane. Tutela Jurídica da Apropriação do Meio Ambiente e as Três Dimensões da Propriedade. p. 71.

Ao estudar o direito de propriedade e sua função social, temos que analisá-lo, sob dois enfoques. A função social descrita pelos artigos 182, § 2°131 e 186, II132 da Constituição Federal, refere-se tanto à propriedade privada quanto pública, tanto urbana quanto rural, quando visam à proteção, entre outros itens, do meio ambiente.

Ainda sobre função social da propriedade, Helita Barreira Custódio ensina:

Com o advento do progresso científico, industrial, econômico, tecnológico e o incremento demográfico, proporcionando novas exigências notadamente sociais e públicas, o exercício da propriedade se sujeita a limitações cada vez mais crescentes, previstas nas leis e nos regulamentos naturais e culturais, dando ensejo à verdadeira transformação conceitual do antigo direito absoluto, inviolável e exclusivo da propriedade imóvel para o conceito de direito relativo, no sentido de atender às circunstâncias de interesse geral133.

A autora escreve ainda que “função” como idéia de “vínculo” é de difícil definição, equivaleria às expressões “bem estar social”, “interesse social”, “fins sociais”. Já a expressão “função social” equivale ao aspecto “não individualísco”, ou seja, de “utilidade social134”.

Assim, a propriedade atenderá sua função social quando toda a coletividade for beneficiada. No que se refere à água, como já mencionado, essa passou ao domínio público desde a Constituição de 1946. Posteriormente, a Lei 9.433/97 só veio reforçar essa publicização, pois em seu artigo 1° I declara expressamente o domínio público das águas.

Dessa forma, o proprietário, mesmo tendo o direito de proteção de seus bens, não pode impedir o direito de acesso à água, podendo, dessa forma,

131 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

132 Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

133 CUSTÓDIO, Helita Barreira. A Questão Constitucional: Propriedade, Ordem Econômica e Dano Ambiental. Competência Legislativa Concorrente. In Dano Ambiental: prevenção e repressão.

Coordenador Antônio Herman V. Benjamim. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1993. p.

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134 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Ob cit. p. 119/120.

ser invocada a função social que essa propriedade deva exercer, e também o direito à vida que emana desse bem ambiental.

Portanto, a função social da propriedade, além do dever de preservação dos recursos naturais pelo proprietário, ainda deve dar o direito de fruição para toda a coletividade, direito esse intrínseco, já que o meio ambiente e seus recursos ambientais135 são de uso comum do povo, como preconiza o artigo 225 da Constituição Federal.

É dessa forma que os nossos tribunais estão decidindo tal questão, invocando o direito de propriedade para que todos tenham direito de acesso à água, entendo esse ser um bem “não individualísco” e sim que deve atender a

“utilidade social”.