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Dentre os estudos contemporâneos que abordam as questões culturais, situam-se os Estudos Culturais, que apresentam novas perspectivas para a análise da diferença cultural e das relações de poder e dominação que devem ser questionadas. Ele surge no final da Segunda Guerra Mundial como um novo paradigma dos movimentos intelectuais que passaram a considerar a cultura e a forma de organização social dos povos, antes desconsiderados, como fonte de estudos e pesquisas.

Dos anos 1940 ao início dos anos 1950, destaca-se o projeto de um grupo de historiadores do Partido Comunista, também conhecidos como marxistas humanistas, que adaptaram o marxismo à situação britânica da época. Esses intelectuais9 estavam mais preocupados com a compreensão da longa transição britânica, que passou do feudalismo para o capitalismo, assim como com as lutas populares e as tradições híbridas que estavam associadas a essa transição, do que com a cultura contemporânea ou mesmo com o século XX.

Depois disso, surgem as primeiras publicações com relação aos Estudos Culturais, a partir das obras The uses of literacy (Richard Hoggard, 1957), Culture and society (Raymond Williams, 1958) e The making of the english working-class (E.

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Sob a influência de Maurice Dobb estavam: Christopher Hill, John Saville, Raphael S amuel, Raymond Williams, Eric Hobsbawm, Dorothy e Edward Thompson.

P. Thompson, 1963). Esses trabalhos precursores dos Estudos Culturais10, apesar de não serem realizados dentro de uma mesma perspectiva de problematização, aproximam-se na abordagem cuja ênfase se dá na relevância da análise do conjunto das produções e das práticas culturais de uma sociedade. Foram eles que estabeleceram as bases dos ECs.

Duas das contribuições importantes para o surgimento e desenvolvimento dos ECs foram a reorganização do campo das relações culturais, devido ao impacto do capitalismo, e o fenecimento do império britânico em decorrência, principalmente, da experiência diaspórica que traz para um primeiro plano as preocupações com as questões coloniais.

Silva justifica as influências do marxismo nos ECs, baseando-se em três premissas principais:

A primeira é que os processos culturais estão intimamente vinculados com as relações sociais, especialmente com as formações de classe, com as divisões sexuais, com a estruturação racial das relações sociais e com as opressões de idade. A segunda é que cultura envolve poder, contribuindo para produzir assim etrias nas capacidades dos indivíduos e dos grupos sociais para definir e satisfazer suas necessidades. E a terceira, que se deduz das outras duas, é que a cultura não é um campo autônomo nem externamente determinado, mas um local de diferenças e de lutas sociais (2006, p.13).

Ainda tratando da ligação dos ECs com o marxismo, Hall (2003), considerado um dos pais desses estudos, aproximou-se inicialmente de Marx, devido à Teoria do Capital que trata das questões de classe social, de poder e exploração e da prática da produção de conhecimentos críticos. No entanto, distanciou-se dele ao discordar do pequeno espaço que a teoria marxista dava à cultura e à ideologia.

Os ECs atribuem à cultura uma relevância que não pode ser totalmente compreendida a partir das perspectivas de esferas econômicas, base da Teoria Marxista. De acordo com Escosteguy,

A relação entre o marxismo e os Estudos Culturais inicia-se e desenvolve-se através da crítica de um certo reducionismo e economicismo daquela perspectiva, resultando na contestação do modelo base-superestrutura (2006, p. 144).

Conforme Hall (2006), nesse distanciamento do Marxismo, os ECs se aproximam de Gramsci, trazendo suas contribuições, sobretudo, no que diz respeito

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às questões importantes nos estudos de culturas, destacando a hegemonia. Ou seja, o estudo da cultura a partir do ponto de vista da produção , com um enfoque mais geral nas dimensões culturais das lutas e das estratégias como um todo. Para Silva (2006), Gramsci foi talvez o primeiro importante teórico marxista e líder comunista a considerar as culturas de classes populares como objeto sério de estudo e de prática política.

O campo dos ECs surge, então, de forma organizada, sistematizada e institucionalizada através do Centre for Contemporany Cultural Studi es (CCCS), da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, em 1964, dirigido inicialmente por Richard Hoggard. Porém, foi sob a direção de Stuart Hall, de 1968 a 1979, que os ECs se consolidaram, pois ele, ao substituir Hoggard, incentivou o desenvolvimento de estudos etnográficos, as análises dos meios massivos e a investigação de práticas de resistência dentro de subculturas.

Nesse período, os ECs transformaram-se em objetivo de estudo da cultura intelectual de esquerda, mudando sua base, de forma que o conceito de classe deixou de ser o conceito crítico central para ser uma das variáveis. Desde então, na maioria das vezes, começa a ser entendido como um modo de opressão, de pobreza enquanto que a atenção principal deslocou-se para questões subjetivas e identitárias.

Ainda entre os anos 1960 e 1970, outras questões se inserem no campo dos ECs; entre elas estão as questões de gênero, que se insere m na discussão através do movimento feminista. Esse movimento começou a mostrar, entre outras coisas, que o poder da sociedade estava alicerçado não apenas no capitalismo, mas também no patriarcado.

Uma das principais contribuições desse movimento, nessa época, foi um maior reconhecimento de que resultados produtivos dependiam também de relações que se baseiam em apoio mútuo, influenciando diretamente nas formas de trabalho. A partir de então, a presença da crítica feminista dentro dos EC s tem alcançado grande relevância nas análises culturais que traduzem como as mulheres estão ocupando os espaços dentro da sociedade contemporânea.

Além da discussão de gênero, outras questões como raça, etnia e sexualidade, por exemplo, também fizeram e fazem parte do campo e das discussões dos ECs, sendo totalmente necessárias para a compreensão do objeto desta pesquisa, que discute a diferença cultural a partir dessas quatro dimensões. É

no seio dessa abordagem dos ECs que o problema da diferença cultural se apresenta neste trabalho.

É necessário salientar que a abordagem e leitura deste trabalho a partir dos ECs se fazem devido ao entendimento de que os espaços formativos — como faculdades, escolas e o próprio currículo — podem possibilitar uma formação crítica voltada às questões culturais que compõem a sociedade. Silva corrobora essa posição nos dizendo que

As análises feitas nos Estudos Culturais não pretendem nunca ser neutras ou imparciais. Na crítica que fazem das relações de poder numa situação cultural ou social determinada, os estudos culturais tomam claramente o partido dos grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos Culturais pretendem que suas análises funcionem como uma intervenção na vida política e social (2003, p. 134).

Pretendem ainda, que suas análises possibilitem a superação de uma prática pedagógica que tem como característica restringir à reprodução de conhecimento, viabilizem o rompimento com aspectos disciplinares tradicionais e apostem em um trabalho mais amplo, dinâmico e democrático culturalmente; um trabalho em que, segundo COSTA, SILVEIRA e SOMMER (2003, p.54), “questões como cultura, identidade, discurso e representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena pedagógica”.

Nesse caso, os ECs promovem um olhar diferenciado, crítico em relação ao contexto em que a educação se concretiza, em que não somente a escola e o professor são responsáveis pela educação, uma vez que podem ser considerados, nesse processo, outros mecanismos que estão presentes no nosso cotidiano e que contribuem para a nossa formação.

Uma leitura crítica da organização escolar nos possibilita perceber o envolvimento histórico entre a escola e o currículo como instrumentos de materialização das ideologias hegemônicas. Para os ECs, tanto aquela quanto este currículo são elementos indispensáveis para a análise dos processos de formação dos sujeitos e dos fenômenos culturais.

As reflexões propostas pelos ECs em relação à produção do conhecimento nas universidades e o papel da escola na formação dos indivíduos são fundamentais para se questionar como a dinâmica do poder etnocêntrico e a monocultura se legitimam na sociedade. Diante disso, Giroux (2003) apresenta algumas

considerações a respeito do trabalho que pode ser desenvolvido pelas faculdades de educação e pelas escolas, segundo a abordagem teórica dos ECs.

Essas considerações possibilitam uma nova perspectiva cultural para a educação, particularmente na formação de professores. Por meio do currículo, esse campo se fundamenta numa prática educativa democrática e social, valorizando as diferenças e as novas possibilidades de construção de conhecimento através delas, ressignificando o papel da educação e, consequentemente, o da atividade docente (este último como mediador entre o aluno e a sociedade), direcionando para que se coloque à prova as relações entre cultura e poder, assim como os discursos presentes nos artefatos culturais. Nessa direção, a educação é um ato político, em que as diferenças culturais são ressaltadas na formação das identidades dos professores e dos educandos, modificando o estar deles no mundo e na sociedade.

No entanto, centrar as questões de formação educativa nos fenômenos culturais não implica reduzir tudo à cultura, mas assumir que “a cultura é uma das condições constitutivas de existências de toda prática social, que toda prática social tem uma dimensão cultural. Não que haja nada além do discurso, mas que toda prática social tem seu caráter discursivo”. (Hall, 2006, p.33). Discurso neste caso, entendido como manifestações que estruturam a maneira como uma coisa é pensada e a maneira como atuamos baseados no que pensamos, sendo um conhecimento particular sobre o mundo e como as coisas são feitas nele.