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CAPÍTULO

3. Estudos Culturais, Pós-Colonialismo Crítico e Formação de Professores/as para Diversidade (Eixo Pedagógico: Interculturalidade)

3.1. Os Estudos Culturais no campo da formação de professores/as indígenas para diversidade

Há, como vimos implicitamente na análise precedente, uma reconceptualização hernenêutica ainda em construção, situada a partir de uma

metodologia que quer ser alternativa, isto é, que tome como ponto de partida, um novo vigor teórico e vá avançando cada vez mais sobre o sentido das práticas culturais da vida cotidiana. Essa pluri-face pedagógico-teórica abre condições necessárias para que diferentes educadores/as exerçam provocativamente papéis “políticos e éticos” como intelectuais públicos mergulhados na precípua tarefa de ajudar a educar os/as estudantes para uma – autoconsciente – cidadania responsável e crítica (GIROUX, 2002). Existe, entretanto, uma singular diferença ao se tratar os/as estudantes de minorias étnicas: deva se compreender as especificidades de suas diferenças culturais (lingüísticas, religiosas, econômicas, políticas), como “portadores/as de memórias sociais diversificadas”, ou seja, tendo o direito de falar e representar a si próprios/as na busca de aprendizagem e de autodeterminação (GIROUX, 2002; SANTOS, 2003; SILVA, 1999).

Essa prerrogativa reafirma o lócus social das histórias, experiências e memórias culturais entre segmentos sulbaternizados, como espaço de produção crítica, face ao modo dominante de se referendar as histórias eurocêntricas e patriarcais, tradicionalmente consensualizadas. Objetiva-se, a partir dessa vereda, provocar um sugestivo engajamento entre educadores/as, educandos/as através de práticas desestabilizadoras, compreendedo a educação como um “local de luta e contestação contínuas”, oferecendo aos estudantes variadas oportunidades para estudar e perceber questões sociais mais amplas, através de uma perspectiva multidisciplinar (GIROUX, idem, pp. 86-7). Há, por conseguinte, ocorrências de resistência aos EC, que, entre outras situações, se deve, segundo Giroux, ao fato de que eles reafirmam a importância de se compreender a escolarização como um mecanismo de política imerso em relações de poder, negociação e contestação. Ao oferecer aos educadores/as uma linguagem crítica através da qual se podem

examinar os interesses conservadores de reforma, tais como os programas nacionais de avalição, um currículo nacional padronizado e modelos eficientistas e produtivistas, os Estudos Culturais são vistos com má vontade pelos/as educadores/as conservadores/as e convencionais, os/as quais, com freqüência, silenciam sobre os interesses políticos que estão subjacentes a suas práticas e agendas de reforma (GIROUX, op. cit., p. 87).

Para uma perspectiva pedagógica-crítica, perspectiva radical da teoria e da prática educacionais (SHAPIRO, 1993); da transformação pedagógica na dialética da crítica e da posibilidade (GIROUX, 1999) à teorização crítica em educação – componentes analíticos, intervenção na realidade (SILVA, 1993), os EC se esforçam por aferir à produção de conhecimento uma preocupação transdisciplinar a fim de não se reduzir (ou padronizar) a nenhum deles especificamente. No tratamento multimetodológico das práticas em educação escolar para diversidade63, os educadores/as indígenas, não poderão ignorar como têm sido artificializadas as questões da interculturalidade e do multiculturalismo; da identidade étinica, da profissionalização, da organização escolar, da produção dos conhecimentos “válidos”; das relações de poder etc. Nessa direção são convocados a otimizar, radical e profundamente, tanto os significados como os propósitos de cada uma dessas questões, trazendo-as para dentro do universo escolar, podendo ser utilizadas para orientar projetos pedagógicos alternativos e multireferenciais. Será válido aplicar referêciais teóricos orinundos dos EC a esse tipo de proposição, porém, sabendo-se que hoje está cada vez mais difícil às chamadas disciplinas isoladas darem conta da inensa heterogeneidade dos fenômenos culturais, políticos

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Afirma José Batista Neto (2007, p. 172), que se a “diversidade encontra-se hoje na ordem do dia deve-se, antes de tudo, ao fato dos movimentos sociais de luta contra exclusão, de diferentes motivações, a terem posto na agenda política”.

e sociais que tão caracteristicamente marcam nosso mundo pós-industrial. Um dos desafios é colocar novos significados ao conceito de universalidade, como sinônimo de cultura ou identidade nacional (ocidental).

Como vimos, na primeira parte desse trabalho, o desleal enfrentamento de povos, gerou a produção de uma complexa organização social: de uma cultura de excluídos, afirmando e consolidando valores alienígenas, ao quase não desenvolvimento da consciência na luta de classes.

Ajudados pela religião católica, à burguesia colonialista imobliza as massas e promovem uma espécie de pulverização do psiquismo nativo. Cresce uma dicotomia absurda que divide o mundo de brancos, índios, negros e mestiços pobres, num processo que dura até hoje, de involução da consciência nacional. Um projeto que se faz moldar pela violência ininterrupta (loucura sanguinária), subjugando seres humanos através do embrutecimento, da exploração e da fadiga; esse momento intervalar da história colonial, “mundo maniqueísta” (na expressão de FANON, 1979), assinala ainda muitas tensões não resolvidas. Grupos etnicamente diferenciados podem, por conseguinte, tomar a direção narrativa de lutas e histórias como suas, desafiando o legado monocultural em favor de uma sociedade “genuinamente multicultural e multiracial” (GIROUX, idem, p. 90). Esses/as educadores/as também são impelidos a desmistificar o poder dos meios de comunicação de massa, fazendo surgir às múltiplas conexões da dinâmica do poder, do maniqueísmo social, revelados na vida em sociedade.

Sem um questinoamento incisivo acerca dos conteúdos históricos/culturais a partir de contextos específicos, fazendo-os emergir no interior das questões sociais, limitar-se-á a compreesão dos educadores/as, dos/as estudantes, com relação aos

problemas concernentes às lutas coletivas, a consciência étnica; as representações do passado; ao senso de responsabilidade comunal; ao engajamento ético, aos valores essenciais de um futuro possível e, até mesmo, as emergentes formas de conhecimento64. Quanto maior domínio tiver os sujeitos fornadores/as da educação indígena, com relação às dificuldades inerentes da discussão sobre a interculturalidade, dentro e fora do ambiente escolar, poderão corroborar, propositivamente, na solução de problemas – em diferentes espaços coletivos – isto é, no interior de arenas específicas. Sobre esse tratamento fronteiriço, Giroux oferece como exemplo, lições de educação “cívica”, estimuladas de maneira crítica. Diz o autor:

A relação entre racismo e escolarização pode ser ensinada através de formas de educação anti-racista65 conduzida por grupos diversos na comunidade mais ampla. Os/as estudantes podem se encontrar com esses grupos a fim de compreender como diferentes visões de justiça racial se relacionam com a questão do racismo, bem como refletir sobre a forma como essas visões podem orientar sua formação histórica e social como professores/as e as pedagogias que utilizam em suas salas de aula (GIROUX, op. cit., pp. 91-92).

Ver os educandos como partícipes de sua autoformação e os educadores/as como intelectuais públicos, afasta, propositalmente, os EC do discurso fechado em si mesmo, do elitismo profissional. A tese aqui defendida a partir dos nos EC, propõe a compreensão do conhecimento como conseqüência histórica através da relação que diferentes discursos estabelecem como o poder, devendo, por sua vez, ser analiticamente mensurado pela intersecção tanto com as “condições de sua construção quanto com seus efeitos sociais” (WEST, 1999, cit., GIROUX, 2002, p.

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92). Os professores/as indígenas com formação para diversidade 66 são instigados pela especificidade do trabalho desenvolvido em cada área limítrofe, a se responsabilizar com os problemas que sua comunidade historicamente enfreta. A maneira como lidam com o conhecimento socialmente produzido, tem a ver com a formação escolar recebida – assimilada e desconstruída67 – e com os signos culturais que o grupo étnico socialmente foi definindo. Esse é um tratamento que pode ser mais ou menos autoconsciente, irá depender dos efeitos que a “cultura comunitária” e a cultura pública mais ampla estabelecem, congruentemente. Embora seja dado um destaque nos EC para os conhecimentos produzidos na universalidade a fim de “aprofundar a vida pública democrática” (GIROUX, idem, ibidem), é importante assegurar que os povos indígenas do Brasil dispõem juridicamente da produção de seus próprios bens culturais, representados pela literatura, artes, música, danças, costumes, formas de auto-governo, línguas etc., garantindo-lhes o direito sobre eles.

Malgrado os contínuos esforços que primam articular políticas públicas no campo da diversidade sob a retórica da eficiência e pelo êxito da qualificação técnica, os EC têm se posicionado de maneira problemática, rejeitando, energicamente, esses imperativos conservadores. Como sabemos, há muita pressão advinda do “mercado econômico da educação” sobre o perfil das instituições públicas, particularmente as universidades, fetichizando-as por ideologias transnacionais. Nessa arena complexa os professores/as indígenas são

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Para um tratamento excepcional sobre essa questão, ver Fanon, 1983.

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Compreendemos que nem todoas/as os/as professores/as indígenas, ainda que tenham uma formação para diversidade, desenvolvem, na prática, atitudes monoculturais em sala de aula.

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O termo desconstrução, conforme Costa (2002, p. 140) vem sendo utilizado para referir-se àqueles procedimentos da análise do discurso (nos moldes adatados pelos filósofos Jacques Derrida e Michel Foucaut, entre outros) que estão implicados na formualção de narrativas tomadas como verdades, em geral, tidas como universais e inquestionáveis. A desconstrução tem possibilitado vislunbrar com nitidez as relações entre os

estimulados/as, através de suas organizações de base, a melhor compreender como diferentes matrizes culturais e antagônicas forças econômicas vêm desenvolvendo projetos contrários aos seus interesses. O caráter combativo da organização entre professores/as indígenas de Pernambuco (COPIPE, por exemplo), tende a otimizar e fornecer novas inferências no domínio de suas lutas sociais. Porém, uma matriz teórica capaz de colocar a frente do trabalho escolar e das lutas das comunidades professores/as e estudantes indígenas não é sinônimo de corporalização.

Educadores/as incapazes de politizar seus educandos, esclarecer melhor sua comunidade e elevar seu nível de engajamento, dificilmente farão um trabalho interdisciplinar relevante. No caso da prática pedagógica se faz assim necessário, avaliar, ponderadamente, as atividades entre doscentes e discentes nas comunidades indígenas, considerando aqueles elementos teóricos e práticos que ajudem a dar forma aos conteúdos dos projetos pedagógicos e, por conseguinte, examine o modelo de escola intercultural vivenciada. Na perspectiva dos EC, Giroux (2002) discute diferentes questões relativas à reforma das escolas e faculdades de educação, aqui resumidas em favor da formação para diversidade. O autor lista seis considerações, numa tentativa de desenhar o perfil de uma formação voltada para os desdobramentos das diferenças culturais. Além delas iremos comparar as posições de Zeichner (1993) permitindo-nos melhor estabelecer o emprego e articulação dessa discussão. Queremos, assim, considerar a complexidade das práticas coletivas a constructos teóricos enredados aos diversos processos formativos.