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CAPÍTULO

7. O engajamento político Por fim, sugere Zeichner, que os professores transcendam os limites de suas atividades in loco dentro da escola participando,

3.4.4. Intelectuais hegemônicos

Existe uma estrita articulação entre intelectuais hegemônicos e os interesses de suas afiliações a partir do perfil técnico-subalterno que desempenham, pois não

apenas reproduzem as orientações da classe dominante como se esforçam por conduzir os níveis de tensão da sociedade política sob o crivo reducionista de representações morais. Alimentam, concatenadamente, a compreensão da história como uma narrativa linear, despolitizando a tarefa da ciência de maneira velada ou explícita. Assumir parcerias espúrias com grupos de interesses é um modo relativamente cômodo de manter o meio termo do discurso crítico, de manter inalterado à apropriação desigual das relações de poder. As práticas de linguagem numa mesma proporção que o lugar social dos sujeitos, constitui situações concretas tanto por introduzir termos específicos como modos de vida (GIROUX, 1988, p. 43). Os significados incidem na maneira como o poder funciona, em alguns casos, sob as situações como os desdobramentos de estruturas retrógradas se desenvolvem.

Esses intelectuais favorecem a prática de violências simbólicas contra a sociedade, construindo uma sofisticada retórica acerca da noção estática da cultura, da transmissão do conhecimento ou da formatação de crenças e abordagens antiplurais, seja a partir das diferenças de classe, sexo, raça ou até mesmos graus de idades. A cultura é apresentada como impermeável algo que transcende os conflitos, dicotomizando as relações assimétricas de poder e subordinando às lutas sociais a um plano secundário de infra-importância. Como ideólogos desviam do caminho os ideais da emancipação. Sob dupla modalidade esses intelectuais são cooptados na esfera pública: a) primeiro pelo pragmático apoio acadêmico com relação às formas de liderança moral e intelectual que colocam à disposição dos grupos dominantes; b) segundo pela colaboração das condições de seu trabalho quanto à preservação da ordem existente (GIROUX, 1988, p. 38). Não é difícil, denuncia Giroux (idem), encontrar nas listas de consultoria (fundações,

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congregações, universidades) esses sujeitos ocupando proeminentes postos nos vários níveis de ensino.

Esse tipo de intercruzamento somente é possível devido à presença de uma unidade esmagadora que atua nos modos de pensar, consumir e organizar relações de poder. A sobreposição de interesses a favor de grupos ou classes dominantes, presos à égide dos intelectuais hegemônicos, produz, performaticamente, um ambiente que agrega sob reflexo de práticas simbólicas, a racialização da sociedade. Embora não se encontre acordo uníssimos nesse seguimento, há toda uma maneira de definir relações entre os diferentes grupos, e isto cria uma espécie de cadeia cíclica com relação ao modo nalvadamente alegórico de preservar mentiras contraproducentes; de subverter as vozes dissonantes (de negros, indígenas, sem-terra, migrantes, desempregados, mulheres, favelados, homossexuais, refugiados políticos, poetas e artistas da resistência, meninos de rua, camponeses arruinados, prostitutas, lésbicas, ciganos, mendigos, trabalhadores subalternos) tecidas, lapidadamente, sob um odioso extremismo classe-racial. Essa condição - dada como pós-moderna - propositadamente dissemina o desarranjo das identidades sociais, promovendo descontinuidades no campo das diferenças culturais. A ampla tipificação que envolve tal abordagem revela também, o quanto ainda preside, contraditoriamente, níveis não consensuais.

Nos embates outorgados de forma parcial, os intelectuais hegemônicos, confundem privilégio com política da tradição. Reacender essa discussão traz para o debate aberto uma pretensão alternativa, expressa no modo de se chegar a formulações estratégicas, daquilo que Bhabha chama “representações ou aquisição de poder” – empowerment - (BHABHA, 2005, p. 20). Sendo servidores da elite, decantam o silêncio dos excluídos como norma e crêem ser possível uma natural

interdependência daquilo que é público transmigrado em privado, mas também como resistência à assimilação da ideologia dominante. Essa posição antagônica não admite ser representada. Nada que ponha em xeque seu equilíbrio é aceito e, refuta- se qualquer tentativa contrária. A unificação desse credo presume a existência de uma maneira seleta de compor os interesses dos que representam à ínfima minoria, desconsiderando as aspirações e necessidades da maioria.

A luta contra a formação de um enciclopedismo confortável requer, entre outras coisas, superar formas desviantes ou memoricistas de se pensar o conhecimento; de rejeitar a mera performatividade escolar e ir além dos modelos de análise baseados positivamente em leis estatísticas, objetividade, controle físico e previsão. Se a “natural” factualidade da ciência se pautar à sombra de pedandismos tradicionalistas, torna estéril a tarefa da critica radical, isto é, de reconceber necessidades plurais quanto ao desenvolvimento de um outro princípio pedagógico- gnoseológico educacional. Não obstante, toma como inapropriado às representações e exposições particulares que os grupos populares dão as suas vidas. A questão de forjar uma teoria educacional alternativa ou libertária (MAKARENKO, PISTRAK, FREIRE) não é tarefa de mera substituição pedagogicista, pois tem a ver também com a maneira como são construidos os conceitos e se responde à versão elitista da realidade social. Gramsci já problematizava em 1916 essa situação, dizendo:

Devemos romper com o hábito de pensar que a cultura é conhecimento enciclopédico, através do qual o homem é concebido como mero recipiente para despejar e conservar dados empíricos ou fatos brutos e desconexos que subseqüentemente ele terá que distribuir em seu cérebro como nas colunas de um dicionário de forma a ser capaz de no futuro responder aos diversos estímulos do mundo externo. Essa forma de cultura é realmente prejudicial, especialmente para o proletariado. Ela só serve para criar desajustados, pessoas que se acreditam superiores ao resto da

humanidade porque acumularam em sua memória uma certa quantidade de fatos e datas que vomitam em toda a oportunidade a ponto de quase levantar uma barreira entre elas e os outros (cit., GIROUX, 1997; p. 237).

Gramsci rejeita, incondicionalmente, a transmissão do conhecimento pautada num sujeito vazio, desmobilizado por dentro. Conhecer em Gramsci é mediar, construir resistência contra-hegemônica, rearticular a consciência ou questionar a velha hegemonia de imposições espalhadas em quase todos os estratos da vida pública. Tal prerrogativa, por um lado, insiste que as ideologia devem ser combatidas e “des-reificadas”; mas também, por outro, compreende que “as práticas hegemônicas estão sedimentadas nas relações sociais (personalidades e estruturas de necessidades) e ambos devem ser transformados através de formulações sociais concretas que permitam comunicação e ação crítica (GIROUX, idem, p. 240).

Tal cenário multeferencial não invalida os níveis de contradição que estão submetidos os intelectuais transformadores/as. Sabe-se que há um fosso real entre o “discurso da crítica e o discurso da possibilidade”. As práticas de linguagem tendem se constituir em ferramentas heurísticas e podem provocar transformações radicais ou venham a se render a formas repetitivas de cooptação de poder na sociedade. Não há, porquanto, nessa concepção, um design único e performático que seja capaz de abarcar toda a complexidade das lutas sociais.

O discurso utilizado por Giroux da “possibilidade”, afirma que “se as necessidades (que não são estáveis) podem ser construídas, podem também ser desfeitas e reconstruídas de acordo com as preocupações emancipatórias” (op. cit., p. 44). A produção e legitimação das relações sociais devem ser tomadas de maneira crítica, através de projetos coletivos que não somente seja possível recriar

velhas estruturas, como torme-se realmente exeqüível a realização de uma vida qualitativamente melhor entre todas as pessoas.

É dentro dessa esfera dialética que o político se revela pedagógico, caracterizando-se num movimento/envolvimento vivo, engajado, responsável; expressão plural do desejo democrático em face da redefinição das relações de poder75. A projeção teórica dessa perspectiva - no campo educacional - procura revelar a conectividade do papel ideológico da educação, secionando as “formas sociais mais amplas”, reconhecendo, por sua vez, o potencial de resistência dos professores/as, alunos/as e comunidade escolar, sem ignorar ”as relações entre cultura e poder “ou as implicações“ da escola na reprodução de ideologias e práticas sociais opressivas” (GIROUX, idem, p. 75-79). Assim, o primado do político está enviesado numa concreta posição de luta política, que incorpora o respeito pela dignidade humana em seu sentido pleno, na constituição de uma sociedade livre, verdadeiramente justa e democrática.

O não reconhecimento da diferença cultural se faz porque evoca sorateiramente, o imperativo da falta que é então construída por condições discursivas e posicionalidades. A “articulação sintagmática” - códigos, conotações e associações culturais - (BHABHA, idem, p. 173), nas ciscunstâncias de nossa discurssão, com uma série de outros saberes e posicionalidades diferenciais, gera formas de saber, modos de difenciação, lugares de poder e, diz respeito, à invenção de “novas cidadanias” (SANTOS, 2000, p. 63), no imbricado terreno da igualdade e da diferença; tornam-se condições fundantes para a afirmação de políticas

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Nossa compreensão de poder se assemelha, nesse contexto, aquela delineada por Giroux (1988, p. 58), qual seja: “O poder entendido como um conjunto concreto de práticas que produzem formas sociais, por meio das quais diferentes padrões de experiências e modos de subjetividades são construídas. Nesse sentido, o poder inclui (...), a exigência de mudança institucional ou de distribuição de recursos econômicos, pois significa também um nível de conflito e luta que desenrola em torno do intercâmbio do discurso e das experiências que tal discurso produz, medeia e legitima”.

emancipatórias ou como opção provocadora de uma outra ordem de valores que vá muito além do rasteiro limite de pensar oposições, polaridades binárias, da diferença cultural, a partir de um não-senso ou senso-incomum central.

Averiguamos que os membros da COPIPE se auxiliam tanto de um discurso pedagógico no sentido micro, como de um discurso político no sentido macro. Significa que o lugar dos sujeitos da EEI não é pré-fixado e inalterável. A combinação de um sujeito pedagógico com um sujeito social não paralisa a qualidade da práxis constituída. Embora concentrando esforços na esfera educacional, a COPIPE também procura atuar sob uma perspectiva que leva em apreço à correção das desigualdades de um modo geral e as situações de anacronismos estruturais, especificamente. Criando, por sua vez, condições para um diálogo intercultural a base da tolerância e do respeito.

Defendemos, por sua vez, que os professores/as e lideranças da COPIPE dispõem realmente de um perfil de intelectuais públicos transformadores/as, pois desafiam o status quo através de um trabalho organizado, oferecendo a sociedade envolvente à crítica sobre seus problemas estruturais e também procedimentais, como maneira de garantir seus projetos coletivos.

Creio que a apropriação do modo de ver-partilhar-e-viver no mundo; de compreender-analisar-e-reagir às diferentes formas de opressão, constróem visões, fortalecem a resistência cultural, faz emergir identidades e cria mobilização em torno da justiça e da igualdade. Faz-nos pensar também em termos de um modo particular de reeducação da cultura política e essa, autodefinindo-se pedagogicamente; compondo, assim, um outro pensamento de cultura, educação e política. Certamente para compreender melhor os sujeitos (seus direitos culturais ligados aos direitos políticos, à cidadania), não haja melhor maneira do que nos aproximar deles, ir em

direção. As “lições” dos Estudos Culturais oferecem essa opção: uma perspectiva de análise crítica social, de estar junto. É o que faremos com a análise do próximo capítulo.

CAPÍTULO IV

4. DAS RETOMADAS DE TERRAS ÀS “RETOMADAS” DAS ESCOLAS: Esboço