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3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE:

3.1 Estudos de Ciência Tecnologia e Sociedade na América Latina

O Pensamento Latino-Americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PLACTS) surgiu na década de 1960 influenciado pelos movimentos sociais ocorridos entre 1960 e 1970 – a favor dos direitos civis, meio ambiente, melhores condições de trabalho, críticas à pesquisa genética e à energia nuclear, etc. – e pelo descontentamento em relação às recomendações traçadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), as quais foram marcadamente influenciadas pela visão linear do processo científico-tecnológico do Relatório Bush (DIAS, 2008).

A origem desse movimento se deu em decorrência da reflexão sobre C&T como uma competência das políticas públicas, entretanto, sem pertencer a uma comunidade identificada como CTS, mas que se configurava como um pensamento latino-americano crítico frente às questões científicas pertinentes ao contexto da região (VACCAREZZA, 1998).

Os pensadores que formavam o PLACTS eram oriundos, em sua maioria, das ciências duras e da engenharia e circulavam principalmente na América Latina, o que não os isolaram de outros aportes teóricos, mas possibilitaram uma autonomia do pensamento dos

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Texto original: Esta problemática ocupa un lugar central en nuestra realidad, ya que los problemas económicos y sociales que enfrentan los países subdesarrollados son tan graves que las utopías políticas y científicas de resolverlos están llamadas a conformar un paradigma que haga realidad las esperanzas de nuestros pueblos.

países desenvolvidos (DIAS, 2008). Entre eles, pode-se citar Jorge Sábato, Amílcar Herrera, César Varsavsky, Miguel Wionseck, Máximo Halty, Francisco Sagasti, Osvaldo Sunkel, Marcel Roche, José Leite Lopes (VACCAREZZA, 1998), em especial em países como Argentina, Brasil, Peru e Uruguai (JIMÉNEZ BECERRA, 2010).

Os trabalhos desenvolvidos pelo PLACTS, escritos principalmente por cientistas e engenheiros, estavam focados na busca de caminhos e instrumentos para o desenvolvimento local do conhecimento científico e tecnológico, de modo a satisfazer as necessidades da região. O objetivo daquela geração de pensadores, que foi parcialmente alcançado, consistiu em tornar a ciência e tecnologia um objeto de estudo público, um tópico ligado a estratégias de desenvolvimento social e econômico. (von LINSINGEN, 2007, p. 7)

Entre as décadas de 1950 e 1960, órgãos internacionais como Unesco e OEA contribuíram grandemente para a institucionalização e introdução de políticas científicas na América Latina, entretanto, baseando-se na mera transposição de experiências da Europa e EUA, bem como o ingresso de capital estrangeiro na mesma época promoveu a transferência de tecnologia internacional, em detrimento da ciência e tecnologia latino-americanas (VACCAREZZA, 1998).

O PLACTS via o processo científico-tecnológico como dependente do contexto social em que está inserido, partindo das perspectivas da não neutralidade e não universalidade, o que se tornou um contrassenso, uma vez que o contexto latino-americano é único, mas a C&T feita aqui segue o modelo dos países industrializados e que não fez reflexões sobre a neutralidade e o determinismo da ciência e da tecnologia (von LINSINGEN, 2007).

Entretanto, o PLACTS contribui para a reflexão sobre o contexto da produção científica face à má distribuição de renda e às relações de dependência internas e externas porque passam os países latino-americanos, em prol da formulação de um projeto nacional para o desenvolvimento:

Em última instância, o PLACTS propõe que se faça uma inversão da cadeia linear de inovação, movida por uma lógica ofertista. A construção de um projeto nacional estaria na base da constituição de uma demanda social por conhecimento, o que puxaria o avanço científico e tecnológico possibilitando, dessa forma, o desenvolvimento econômico e social dos países da América Latina. (DIAS, 2008, p. 4)

Alguns projetos do PLACTS se destacaram, como o Science and Technology Policy Instruments (STPI), que pretendia analisar várias formas de política de ciência e tecnologia no intuito de contribuir com o planejamento científico dos países latino-americanos. O trabalho impulsionou a ênfase na região, como forma de integrar ciência e tecnologia ao caráter social e estrutural da formulação da Política de Ciência e Tecnologia (PCT) no Uruguai (JIMÉNEZ BECERRA, 2010).

Segundo Vaccareza (1998), o conceito CTS nos países periféricos se converteu em identidade para uma gama de investigadores e especialistas de várias áreas do conhecimento, entretanto, sem integração plena entre todos os membros, assim como nos países centrais, em especial os tomadores de decisão em política e gestão de ciência e tecnologia. Se, em um primeiro momento o movimento CTS se embasava em um discurso teórico-metodológico e estava nas mãos de cientistas naturais, na década de 1990 a área passou para a esfera acadêmica e foi ‘tomada’ por cientistas sociais, com uma transposição do compromisso militante da década de 1970 para o ethos acadêmico.

Como sínteses das mudanças do movimento CTS Vaccarezza (1998) indica: a) complexidade temática; b) profissionalização dos investigadores e das instituições de produção CTS e dos meios de comunicação; c) constituição mais integrada de uma comunidade intelectual de CTS; d) maior dependência intelectual das correntes de pensamento internacional sobre o tema, pela teorização e propostas de intervenção política e administrativa; e) menor potencial de propostas sobre o papel da ciência e tecnologia para resolução de problemas regionais.

Vaccarezza (1998) chama a atenção para as características das pesquisas CTS na América Latina, como a predominância de estudos aplicados sobre os teóricos, estudos de caso sobre os de âmbitos corporativos ou nacionais, estudos micro em detrimento dos macro e estudos administrativos sobre os políticos, sociológicos e éticos, sendo que o Estado, movimentos sociais, partidos políticos e corporações empresariais e científicas são atores ausentes nesse cenário.

Um projeto de destaque entre 1974 e 1976 foi o Projeto Bariloche, que visava a discutir o modelo do clube de Roma, modelos de desenvolvimento científico não dependentes, projetos nacionais, etc. (JIMÉNEZ BECERRA, 2010).