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5 DISCUSSÃO

5.2 Superioridade do modelo de decisões tecnocráticas

Se o poder da C&T é reforçado como salvacionista, é porque esse é superior aos demais. Assim, reforça-se a crença na superioridade do conhecimento científico, em detrimento de outros saberes.

Na matéria Por que algumas plantas não têm sementes?, publicada na edição 209 de 2010, é explicada a ausência de sementes na samambaia e sua reprodução através de esporos. De acordo com a matéria, na Idade Média pensava-se que a samambaia possuía sementes, mas que essa só poderia ser vista à noite e quem a coletasse poderia ficar invisível. “Esse é mais um mito que a ciência tratou de explicar” (CIÊNCIA..., 2010, n. 209, p. 12).

A reportagem publicada na edição 216 de 2010, Desvendando os mistérios da matéria, fala sobre o funcionamento do acelerador de partículas e sua capacidade de permitir o estudo das partículas elementares, desde 1930, época de sua criação. A reportagem mostra fotos e figura dessa “maravilha da ciência”, enfatizando os benefícios do seu uso para estudar a constituição da matéria.

Com os aceleradores de partículas, os cientistas conseguiram, por exemplo, tirar energia da matéria, investigar o corpo humano em detalhe e saber o que acontece em galáxias muito distantes. Tudo isso só foi possível porque

compreendem cada vez melhor do que são feitas as coisas. (CIÊNCIA,

2010, n. 216, p. 17, grifo nosso)

Se é possível conhecer cada vez melhor a constituição das coisas, é porque a ciência seria a forma mais realística não apenas de observação dos fenômenos, mas também a forma mais veraz de sua descrição. O interesse, aqui, é reduzido à curiosidade do cientista em saber da constituição de cada elemento da natureza, sendo que o autor não cita, por exemplo, os interesses militares que impulsionaram as pesquisas sobre os aceleradores de partículas:

Há muito tempo os cientistas tentam descobrir de que é feito o mundo. Estão sempre a estudar cada partezinha das coisas: cada rocha que forma o solo, cada célula que forma um ser vivo, cada gota d’água... Dividindo tudo em partes cada vez menores, eles foram descobrindo do que é feito o mundo – e ficam cada vez mais curiosos com tudo o que ainda há para descobrir. (CIÊNCIA, 2010, n. 216, p. 17, grifo nosso)

Em Como funcionam as sondas espaciais?, matéria da edição 216 de 2010 que fala do funcionamento das sondas espaciais, há ênfase em seus usos: “Por conta dos avanços da ciência e da tecnologia, hoje podemos organizar missões espaciais para estudar o Sistema Solar” (CIÊNCIA..., 2010, n. 216, p. 28). O objetivo destacado no texto é puramente científico, sem aparecer questões econômicas, políticas, sociais, etc.

As sondas Voyager, tanto a 1 quanto a 2, foram lançadas em 1977. As espaçonaves conseguiram um extraordinário resultado científico [...] Por isso, a missão inicial de quatro anos foi estendida para doze anos; e, depois, para vinte e cinco anos, continuando até os dias de hoje. (CIÊNCIA..., 2010, n. 216, p. 28)

A reportagem Um relógio sem ponteiro nem bateria, publicada na edição 200 de 2009, explica o que é relógio biológico, destacando o ciclo circadiano dos insetos e a importância desse tipo de estudo para evitar a transmissão de doenças, quando da picada de um inseto: “depois desses exemplos, podemos entender por que o estudo dos ritmos circadianos de insetos vetores de doenças é importante. Não é à toa que cada vez existem mais cientistas dedicando-se a isso” (CIÊNCIA..., 2009, n. 200, p. 15).

Assim, percebe-se a valorização de uma atividade científica altruísta: é apenas a possibilidade de prevenir ou tratar doenças transmitidas pelos insetos que movem o cientista a pesquisar o ciclo circadiano, como se não existissem outros interesses inerentes ao jogo científico, como o reconhecimento e a acumulação de capital científico, como discutido por Bourdieu (2004).

Em Por que devemos nos preocupar com a extinção das espécies?, matéria publicada na edição 206 de 2009, fala-se sobre a importância de preservar a biodiversidade, e, apesar de afirmar que a ciência sabe pouco, acaba por sugerir que o conhecimento científico seria capaz de dizer como é a natureza e como ela deve funcionar:

A ciência está longe de saber tudo sobre a biodiversidade, isto é, sobre o conjunto de espécies e ecossistemas que existe em nosso planeta. Mesmo sabendo relativamente pouco, as informações que os cientistas têm mostram, cada vez mais, o quanto nós dependemos da natureza em equilíbrio. (CIÊNCIA..., 2009, n. 206. p. 7)

Na seção Quando crescer vou ser...18 da edição 203 de 2009, ao falar da profissão de astrônomo, a autora explica a importância dessa profissão e chama a atenção para necessidade

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de especialização dentro da área e para a importância de cursar pós-graduação para quem deseja ser pesquisador, além do gosto pelo desafio. Ao final do texto, ao inserir a fala de um astrônomo, reforça a ideia de eficiência, de ciência a bem da resolução de problemas; entretanto, insere a noção de que a explicação passa pela definição de uma resposta dentre as possíveis; aqui aparece a ideia de ciência como interpretação:

“Afinal, pesquisar é resolver problemas, definir qual explicação se pode dar”, explica Gilson Vieira. “Além disso, quem opta por astronomia sabe que o destino será estudar.” Mas quem disse que isso é sacrifício? “O ponto positivo da profissão é justamente o prazer de resolver problemas e de ensinar o que é a astronomia”, conta entusiasmado. (CIÊNCIA..., 2009, n. 203, p. 23)

Em Quando crescer vou ser...virologista, é ressaltada a importância desse profissional para a cura de doenças; o conhecimento gerado dessa atividade é tido como o correto e capaz de nortear os rumos da sociedade frente a uma epidemia, portanto, superior:

Quem não ouviu falar da gripe suína, a mais recente virose a ganhar os noticiários? Pois o virologista é quem vai investigar o agente causador, analisar os hospedeiros, para descobrir as formas de transmissão e passar

informações corretas à população sobre como evitar a contaminação.

(CIÊNCIA..., 2009, n. 206, p. 23, grifo nosso)