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A realização de entrevistas preliminares estimulou a busca de novos materiais teóricos – como os relacionados às lutas contra a dominação e contra a exploração, ou seja, de submissão de subjetividade, sobre o processo de governar, admitindo aí o governo das famílias e das comunidades, como lembrados por Foucault (2008). Aproximou-me de diálogos entre autores, impulsionando pesquisas temáticas mais abrangentes na literatura especializada, servindo à revisão de questões antigas e à discussão de paradigmas vigentes, como foi o caso do desmonte de Goffman por Ignatief, abrindo novas perspectivas de pesquisa. Conceitos novos surgiram, caso dos estudos de gênero, por exemplo, como os de “cultura feminina”, “saúde reprodutiva” e “maternidade transferida”, importante para as mulheres isoladas compulsoriamente, que tiveram os filhos criados por outras pessoas. Também visitei autores inicialmente desconsiderados, como M. Löwy e L. Wacquant, H. Eco e G. Vigarello. Assim, o corpus teórico se adensou durante todo o processo de elaboração do estudo, abarcando novos conceitos e novas categorias de análise ao longo do trajeto da pesquisa.

O método da história oral me permitiu fazer o registro de histórias de vida dos indivíduos com resgate de memórias pessoais; ao mesmo tempo em que construiu trajetórias biográficas, permitiu uma aproximação com a história comum ao grupo social dos isolados compulsoriamente e da sociedade a que pertencem (MONTENEGRO & FERNANDES, 2001; FERREIRA, FERNANDES & ALBERTI, 2000). Lembro que a história oral não se limita apenas a uma

50 entrevista áudio gravada; ela compreende um conjunto de atividades anteriores e posteriores à gravação dos depoimentos, pois para a preparação dos roteiros das entrevistas exige-se, antes, a pesquisa e o levantamento preliminar de dados (CPDOC-FGV, 2011).

Meu interesse pelas histórias de vida de indivíduos comuns se deve à expectativa de obter dados em geral distantes dos próprios protagonistas da história em foco. Como indicado em um trabalho sobre história de vida de idosos hansenianos, nosso interesse pela história de idosos deve-se ao fato de suas vidas cobrirem o período de tempo sob exame, tendo assim uma aproximação mais íntima dos fatos de interesse da pesquisa; eles ofereceriam “a perspectiva dos sujeitos que os vivenciaram, em geral diferente daquela que nos é passada pelos documentos oficiais” (CASTRO & WATANABE, 2009, p. 450).

Nessa perspectiva exploratória, conversei, aleatoriamente, com cerca de nove moradores, entre internos trabalhadores (que recebem pela folha de pagamento do Estado) e trabalhadores não internos (assistentes sociais, enfermeiras/os) funcionários do hospital sobre suas experiências com o isolamento compulsório, em tempo de observação estimado em cerca de três horas semanais, no primeiro semestre, e cinco no segundo durante o período de um ano. Também nesse movimento tive a intenção de me tornar “uma pessoa conhecida” entre eles, evitando ser vista como uma forasteira. De fato, passei a ser reconhecida naquela comunidade, auxiliando assim, os desdobramentos dessa fase exploratória. O planejamento dessa fase da pesquisa teve também o objetivo de mapear fontes de informação sobre a história daquele lugar e de levantar dados para conformar o perfil dos entrevistados em potencial, já estabelecendo com eles um relacionamento amistoso. Esse primeiro contato foi necessário para melhor conhecer o funcionamento da Colônia, suas características e, com base no conhecimento de modo geral da comunidade, decidir sobre aspectos da abordagem inicial a serem aprofundados. Essa estratégia serviu também para repensar o roteiro de entrevistas, previamente preparado, adaptado segundo esses achados.

Na medida em que eu progredia nos contatos diretos com pessoas no interior da colônia, refletia sobre o que estava sendo evidenciado nesse trabalho de observação participante. Registrava tudo no diário de campo e novas questões surgidas foram agregadas. Após esse primeiro contato, já mais confiante, surgiu a necessidade de localizar muitas das personagens- chave para o estudo – pessoas que foram citadas no decorrer das entrevistas iam sendo

51 reconhecidas por sua atuação na luta pelos direitos de portadores de hanseníase e militância na área. O que realmente interessa é a trajetória da pessoa sob o impacto de hanseníase. Lembro que na vida do poeta Manuel Bandeira (PORTO, 1999) foi possível, por exemplo, conhecer seus planos antes de contrair tuberculose e verificar como a doença os afetou. Assim, o que importa conhecer é esse sentimento em relação ao acontecimento da doença em sua vida. Nem sempre depoimento sobre outros fatos esclarecem sentimentos e comportamentos. Aqui o interesse não recai sobre a “verdade” pura e absoluta, mas sobre a diversidade daquilo que, para o entrevistado, no caso, o portador de hanseníase, define como sua experiência e que dá significados à sua existência.

As entrevistas foram as fontes principais desta pesquisa; a história oral, mas segundo técnica mista – história de vida e questões temáticas é uma abordagem capaz de preencher a escassez de documentação nos arquivos institucionais e de assegurar que sujeitos interrogados possam dissertar livremente sobre suas experiências pessoais com relação a temas de interesse comum. Essa orientação é extremamente rica, pois permite cruzar a fonte oral com outros documentos, num procedimento intertextual.

Fazem parte do roteiro de entrevista os seguintes dados: sobre a própria entrevista (local, data e tempo de duração); identificação do entrevistado (nome, data de nascimento, local do nascimento, sexo, idade, data da internação, idade no momento da internação). Inicialmente, peço que o entrevistado fale sobre sua vida antes da internação e de como foi o processo e a descoberta do adoecimento; a família, os filhos; a infância, a adolescência, a maturidade; formação e locais de estudo; trajetória e atuação profissional, cargos ocupados, realização; estratégias de socialização; como se vê e como é percebido pelos outros; se seu aspecto físico o impede de realizar alguma coisa, se participa ou participou de movimentos, lutas, liderança; de que maneira a segregação invadiu sua privacidade e atingiu seus direitos individuais em favor da proteção à sociedade e como reagiu; lembrança de algum diretor, médico, presidente do país que marcou a vida dos hansenianos; os cuidados que recebeu; conjuntura da época; as lutas contra as formas de dominação/exploração/submissão às regras impostas; os ressentimentos... Qual sua primeira atitude após o fim do isolamento compulsório; o que o levou a continuar morando na ex-colônia tanto tempo depois do consentimento em abandoná-la; havia privilégio ou tratamento

52 diferenciado para homens ou mulheres nas relações estabelecidas dentro da colônia e nas relações de trabalho quanto ao fato de moradia na colônia etc. A partir dessas narrativas extraí questões temáticas: relações sociais, gênero, maternidade, discriminação, trabalho etc.

Tomando como parâmetro 01h30min a 2h o tempo aplicado a cada entrevista, sem contar sua transcrição e análise, estimo em cerca de 49h30min o total de tempo aplicado para 34 entrevistas, desde 15 de junho de 2009 até dezembro de 2012. Alguns dados levantados nessas entrevistas indicaram acontecimentos sigilosos nunca obtidos de outras fontes. Certamente, tais informes merecem um estudo mais aprofundado, que poderá ser útil para pesquisas posteriores.

Todas as entrevistas foram realizadas nas dependências da Colônia, no ambulatório, nos pavilhões femininos e masculinos, nas enfermarias femininas e masculinas e em residências, exceto a do político, que foi realizada em seu gabinete no Centro de Itaboraí.

3.5.1 Revisões bibliográficas

Os estudos exploratórios também reencaminharam a revisão bibliográfica do projeto de pesquisa, agora associadas a questões levantadas nas entrevistas preliminares. Com isso, realizamos uma sucinta história da CTM para contextualizar a instituição na qual os entrevistados foram internados. Não foge ao objetivo dessa pesquisa a historicização das colônias em geral e da Colônia Tavares de Macedo em especial, bastante importante para o estudo, além de contribuir para a reflexão sobre políticas sociais no Brasil, criadas no período selecionado para a pesquisa.

Enfim, debates e reflexões marcaram aproximações com a temática porque trouxeram novos aportes. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina/Hospital Universitário Antônio Pedro – HUAP da Universidade Federal Fluminense, nos termos da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e devidamente registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP – nº 026/2010, CAAE nº 0862.0.000.258-10.