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Anexo 9.18. Estilos parentais paternos: Índice Total de Psicopatologia (regressão hierárquica múltipla)

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1.4. Dificuldades de leitura

1.4.3. Estudos genéticos

Embora se saiba muito pouco acerca das características biológicas e bioquímicas da leitura, os dados de vários estudos genéticos indicam que as perturbações da leitura têm uma forte componente hereditária (Habib, 2000a 2000b; Bates, Castles, Coltheart, Gillespie & Martin, 2004; Olson, 2005; Fisher & Francks, 2006).

Fisher e Francks (2006) defendem que as características genéticas do sujeito influenciam a sua habilidade para adquirir competências de leitura e soletramento, de uma forma independente do restante desempenho cognitivo, sendo que, a história familiar de dislexia acresce um risco adicional para o desenvolvimento problemas de leitura.

Olson (2005) reconhece que a crítica não aceita com facilidade que diferenças individuais num comportamento humano complexo e culturalmente dependente, como é a leitura, possam ser atribuídas a aspetos genéticos. A este propósito, recorda: “Por exemplo, um revisor de um dos nossos artigos que foi recentemente submetido a um jornal europeu respeitado, fez o seguinte comentário: «consigo entender os estudos de

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hereditariedade no peso dos porcos, ou produção de leite nas vacas ou na altura dos humanos, mas o que representa esta estranha dupla-soma normalizada que se possa relacionar diretamente com processos biológicos?»” (Olson, 2005, p.694)

Segundo Vellutino e colaboradores (2004), o estado atual do conhecimento parece indicar que os sujeitos não nascem com dislexia, mas antes suscetíveis a esta perturbação, requerendo uma instrução mais acentuada.

Para Galaburda (2006), o desenvolvimento anómalo que leva à dislexia começa in

utero e os defeitos genéticos levam à disrupção do processo de migração neuronal,

causando nichos de neurónios e glias no neocórtex, especialmente no córtex perisylviano esquerdo. De acordo com o autor, os disléxicos registam também anomalias talâmicas implicadas nos défices sensoriais que parecem ser secundárias às malformações corticais.

Os pequenos estudos iniciais sobre a hereditariedade da leitura utilizavam como critério de inclusão uma diferença de 1.5 desvios padrões relativamente à média e os seus resultados sugeriam pouca hereditariedade, sobretudo para a leitura lexical, mas a pesquisa subsequente indicou elevados substratos hereditários (Bates et al., 2004).

Segundo Vellutino e colaboradores (2004), o risco de dislexia parece ser cerca de 8 vezes mais elevado em famílias com história familiar de dificuldades de leitura, havendo vários estudos que referem que 25% a 60% dos pais de crianças disléxicas também revelam dificuldades de leitura. Em estudos com gémeos, as taxas de concordância encontram-se geralmente acima dos 80% em condições monozigóticas e abaixo dos 50% em situações dizigóticas (Vellutino et al., 2004). Manier (2006) concorda que a dislexia apresente uma base genética, confirmando uma co-ocorrência significativamente maior em gémeos homozigóticos do que em dizigóticos.

Rui Manuel Carreteiro 65 Para Vellutino e colaboradores (2004), cerca de 50% a 60% da variância na aquisição da leitura e respetivas capacidades podem ser explicadas por fatores genéticos, revelando-se os fatores ambientais importantes numa magnitude muito inferior.

Num estudo com crianças provenientes de famílias com risco de dislexia, Snowling, Gallagher e Frith (2003) verificam que 60% dos participantes desenvolveram dificuldades literárias. Mesmo os participantes que foram classificados como leitores normais aos 8 anos de idade registaram resultados pobres no soletramento, leitura de pseudopalavras e compreensão, revelando alguns dos sintomas clássicos de dislexia.

Segundo Meng e colaboradores (2005), os estudos clínicos durante os últimos 30 anos demonstram que mais de 50% das crianças de pais disléxicos apresentavam alguma perturbação na leitura. A estimativa do papel da hereditariedade varia de 44% a 75%.

Um estudo baseado na entrevista de 120 famílias citado por Démonet, Taylor e Chaix (2004) confirma que as alterações da leitura têm uma natureza familiar e postula que a sua hereditariedade é autossómica dominante.

Snowling, Gallagher e Frith (2003) concordam que a dislexia tenha uma base hereditária, citando análises genético-comportamentais que revelam que as capacidades fonológicas e ortográficas partilham factores hereditários com os processos de reconhecimento de palavras.

Estudos sobre o risco familiar parecem indicar que a dislexia é uma perturbação multifatorial na qual vulnerabilidades constitucionais, i.e., genéticas – sobretudo nas capacidades fonológicas – interagem com outras capacidades cognitivas e fatores ambientais, produzindo um risco aumentado de dislexia. Quando este risco atinge

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determinados níveis, surge o perfil clássico de dislexia, que apresenta, todavia, vários graus infra clínicos (Snowling, Gallagher & Frith, 2003; Vellutino et al., 2004).

Durante a década passada, os avanços da genética molecular humana permitiram aos investigadores encontrar locais (loci) cromossomáticos que poderão estar associados com a predisposição para a dislexia (Fisher & Francks, 2006). Para os autores, se conseguirmos decifrar os mecanismos genéticos que contribuem para a suscetibilidade à dislexia, conheceremos melhor a arquitetura cognitiva subjacente à leitura, bem como para o diagnóstico e intervenção na dislexia.

Durante cerca de duas décadas, os geneticistas procuraram correlações entre a variabilidade genética e a suscetibilidade à dislexia. Segundo Fisher e Francks (2006), a primeira hipótese envolvia uma variação em torno do centrómero do cromossoma 15. Esta hipótese não obteve suporte posterior mas outras regiões do cromossoma 15 têm sido posteriormente implicadas, particularmente a 15q15-21, habitualmente denominada como loci DYX1 (dyslexia-susceptibility-1, ou suspectibilidade-para-a-dislexia-1)1. No entanto, a localização exata tem sido controversa já que, enquanto alguns estudos o localizam no 15q15.1, outras apontam para o 15q21, no mínimo a 8 milhões de nucleótidos de distância (Fisher & Francks, 2006).

Vários estudos revelam influência a dos cromossomas 6 e 15, enquanto outros, embora não replicados, sugerem marcadores nos cromossomas 1 e 2 (Vellutino et al., 2004). Para Manier (2006), uma vez que a leitura é uma capacidade complexa, é natural que mais do que um gene participe na causa da dislexia. Todavia, a maioria dos académicos concorda que o gene responsável pela dislexia está localizado no cromossoma 15 e alguns concordam que o gene DYX1C1 parece desempenhar um papel importante.

1 Durante a pesquisa de factores genéticos de risco, um intervalo cromossómico claramente associado pela investigação, pode

Rui Manuel Carreteiro 67 Démonet, Taylor e Chaix (2004) defendem que a dislexia é um traço genético heterogéneo e complexo que não revela a hereditariedade mendeliana clássica. Análises de ligação (genetic linking analyses) confirmam esta complexidade, revelando diversas regiões nos cromossomas 1, 2, 3, 6, 15 e 18 como contendo genes responsáveis pelas perturbações da leitura.

De acordo com Démonet, Taylor e Chaix (2004), vários fatores contribuem para a complexidade da correlação genotipo-fenotipo: heterogeneidade genética (loci distintos em famílias diferentes), fenocópias (variação não hereditária), ou oligogenicidade (variantes alélicos e múltiplos loci contribuem para um aumento do risco). A ausência de consenso na definição e natureza da dislexia pode contribuir para a variabilidade dos critérios de inclusão ao longo de vários estudos levando a resultados contraditórios.

Num estudo realizado por Napola-Hemmi e colaboradores (cit in Fisher & Francks, 2006) verificou-se a existência de uma translocação envolvendo os cromossomas 15 e 2. O ponto de quebra do cromossoma 15, em 15q21 (Fig. 1.13.), causou um gene batizado como DYXC1 (dyslexia-susceptibility-1, candidate-1). A proteína codificada pelo DYX1C1 é encontrada em vários tecidos, incluindo uma minoria de neurónios corticais e glia (Fisher & Francks, 2006).

Após analisar o DYX1C1, Taipale e colegas (cit in Fisher & Francks, 2006), verificam duas alterações raras, -3G-to-A e 1249G-toT, presentes em casos de dislexia. Alguns indivíduos tinham simultaneamente alterações -3A e 1249T. No entanto, estudos posteriores, citados por Fisher e Francks (2006), não confirmam a predisposição destes alelos para problemas de leitura.

Segundo Fisher e Francks, 2006, as implicações do braço curto do cromossoma 6, mais concretamente a região 6p23-21.3, denominada por DYX2, surgem entre os resultados mais replicados. O DYX2 (Fig. 1.14) parece influenciar algumas medidas

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relacionadas com a leitura mas revela-se independente da inteligência geral, nomeadamente do QI. De acordo com os autores, os estudos parecem sugerir a implicação de dois genes: KIAA0319 e DCDC2.

Figura 1.13.

Cromossoma 15 e DYX1C1

Figura 1.14.

Cromossoma 6 e DCDC2

O KIAA0319 expressa-se essencialmente no tecido nervoso e codifica uma proteína que parece funcionar à superfície das células regulando interações e adesões entre neurónios adjacentes.

Rui Manuel Carreteiro 69 Segundo Fisher e Francks (2006) atualmente existem argumentos igualmente fortes a favor destes dois genes. Por outro lado, não está ainda demonstrado que a função destes genes esteja efetivamente alterada em sujeitos com dislexia.

Outros estudos associam uma região específica do cromossoma 3 a situações de dislexia: DYX5. Pistas úteis advêm da constatação de uma translocação envolvendo o cromossoma 3 e 8 num sujeito com dislexia. Hannula-Jouppi e colaboradores (cit in Fisher & Francks, 2006) terão descoberto que o ponto de quebra do cromossoma 3 gera um intrão de ROBO1 (Fig. 1.15). Esta versão oriunda do ROBO1, denominada por

robô, codifica um recetor transmembranar envolvido na transdução do sinal que auxilia

a regulação da orientação axónio/dendrite.

Fig. 1.15.

Cromossoma 3 e ROBÔ1

Apesar de todos estes factos, Fisher e Francks (2006) concluem que nenhum destes genes candidatos podem ser adequadamente descritos como um “gene da leitura”, ou seja, um gene cuja função predominante seja suportar o desempenho e aquisição da leitura. Genes individuais não especificam comportamentos nem capacidades cognitivas nem tão pouco circuitos neuronais. Os genes influenciam o desenvolvimento cerebral, condicionando processos como a proliferação ou migração de neurónios, programando a

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morte celular, direção axonal, conectividade, níveis de transmissores/receptores, etc. Para Fisher e Francks (2006), as regiões DYXC1, KIAA0319 e DCD2 estão implicadas na migração neuronal e o ROBO1 poderá afetar o cruzamento axonal e desenvolvimento dendrítico cortical, mas estas funções não são exclusivas aos processos de leitura.

De acordo com Raskind, Igo Jr., Chapman, Berbinger, Thomson, Matsushita, Brkamac, Holzman, Brown e Wijsman (2005), as análises genéticas têm localizado genes que contribuem para a leitura, nomeadamente: 1p34-36 (DYX8), 2p16-15 (DYX3), 3p12-q13 (DYX5), 6p21.3 (DYX2), 6q13-16.2 (DYX4), 11p15.5 (DYX7), 15q21 (DYX1) e 18p11 (DYX6).

A partir de estudos experimentais, Raskind e colaboradores (2005) concluem que o loci 12q se encontra associado com a dislexia. Este resultado não havia sido encontrado em estudos anteriores, por outro lado, os autores não encontraram confirmação para outras localizações anteriormente citadas por outros autores, nomeadamente 1p34-36 (DYX8), 2p16-15 (DYX3), 6p21.3 (DYX2), 11p15.5 (DYX7), 15q21 (DYX1) e 18p11 (DYX6).

Segundo Raskind e colaboradores (2005), esta falta de replicação não invalida necessariamente os estudos anteriores já que determinadas famílias poderão exibir a influência de genes particulares na dislexia. Cada subconjunto observado é, ele próprio, um fenótipo complexo que depende de outros processos e alterações num destes processos básicos, podendo contribuir mais para o fenótipo de uma população do que para o de outra.

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