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Estudos Literários Infanto-juvenis em Portugal e na Alemanha – alguns percursos

Tanto em Portugal como na Alemanha, os Estudos Literários Infanto-juvenis só começam verdadeiramente a emergir e a afirmar-se como uma disciplina autónoma por volta dos anos oitenta do século passado, ainda que percorrendo caminhos dificilmente comparáveis, dadas as diferenças históricas, políticas, económicas e sociais que separam as duas realidades culturais em que se têm vindo a desenvolver, a portuguesa e a alemã.

Paul Hazard, no capítulo “De la Superiorité du Nord sur le Midi” da sua obra Les Enfants

et Les Hommes (já atrás citada), estabelece o confronto entre as mentalidades dos países do

Norte e do Sul da Europa, os seus conceitos de «criança» e as respectivas tradições literárias infantis. Embora sejam questionáveis algumas das posições assumidas por este estudioso, ele levanta uma questão que irá revelar-se de grande importância para o estudo comparativo das literaturas infantis e/ou juvenis: o associar diferentes tradições literárias a diferentes mentalidades e, consequentemente, a diferentes conceções de «criança». Neste sentido, se quisermos compreender os diferentes percursos e estádios de desenvolvimento dos Estudos Literários Infanto-juvenis em Portugal e na Alemanha, temos que ter em conta os diferentes desenvolvimentos das literaturas sobre as quais estes incidem14, e estes só serão entendíveis se forem analisados à luz dos fatores históricos, políticos, económicos e sociais que marcaram, de modo desigual, as mentalidades e que, consequentemente, determinaram diferentes conceções de «criança», nos dois países. Por isso, não posso deixar de referir, ainda que de forma sucinta, alguns fenómenos que, em termos sociopolíticos, influenciaram profundamente o fenómeno cultural em geral e, particularmente, a literatura infanto-juvenil, em Portugal e na Alemanha, nas últimas décadas do século XX.

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Para o estudo da história da literatura infantil e juvenil em Portugal, recorri à obra Breve História da

Literatura para Crianças em Portugal (2001), de Natércia Rocha, e para o caso alemão, à obra Geschichte der deutschen Kinder- und Jugendliteratur (2008) de Reiner Wild (Hrsg.).

31 Em Portugal, as alterações políticas trazidas pelo 25 de Abril de 1974 tiveram repercussões profundas na vida social e cultural portuguesa, que acabaram por se refletir na produção e difusão do livro para os mais novos. De facto, grande parte dos estudiosos desta área comungam da opinião de que foram fatores determinantes do interesse crescente por este tipo de literatura, as alterações político-ideológicas, sociais e económicas verificadas no Portugal do pós-25 de Abril, cujos reflexos só verdadeiramente se começaram a sentir em finais dos anos setenta, com o surgimento de “uma produção literária para crianças e jovens liberta de uma ideologia restritiva e aberta às correntes modernas” (Blockeel, 2001: 56).

Verifica-se, assim, que é a partir de finais dos anos setenta que se assiste, no panorama literário português, a um aumento crescente de publicações de obras especificamente produzidas tendo em vista um público jovem. Não significa isto, que não se publicassem anteriormente livros para a infância e a juventude. De facto, já antes, autores como Sophia de Mello Breyner Andresen, Matilde Rosa Araújo, Luísa Ducla Soares, António Torrado, Ilse Lose, Manuel António Pina, Alice Vieira, Maria Alberta Menères, entre outros, se dedicavam à escrita de uma literatura destinada a um público jovem. Contudo, é sobretudo a partir desta data que a literatura infanto-juvenil adquire uma visibilidade indubitável, com o aparecimento de novos autores a escreverem para este público-alvo, com a reedição de algumas obras já anteriormente publicadas, com a realização de diversas atividades a nível das escolas, das bibliotecas escolares e locais, das autarquias e de outras instituições, destinadas a promover nos mais novos o gosto pela leitura. Também o aparecimento de diversos prémios literários, tais como o prémio «O Ambiente na Literatura Juvenil» da Secretaria de Estado do Ambiente, em 1976, o «Prémio do Teatro Infantil», da Secretaria de Estado da Cultura, em 1978, o «Prémio Calouste Gulbenkian», iniciado em 1980, bem como o de diversos prémios de ilustração e de tradução, “contribuíram igualmente para consolidação do papel e importância do livro para crianças no nosso panorama cultural” (Glória Bastos, 1999: 46).

Autores como Glória Bastos (1999: 46) e Natércia Rocha (2001: 131) indicam o Ano Nacional da Criança (1979) como um dos fatores que mais contribuiram para o florescimento em Portugal de uma literatura para crianças, manifestado não apenas no aumento do volume de obras publicadas e na mudança dos seus conteúdos, mas também

32 nas alterações verificadas nos próprios Programas de Ensino, onde é referida, pela primeira vez, a importância de «criar laços de afecto com o acto de ler» (Natércia Rocha, 2001: 117).

Também nos meios académicos começa a despertar o interesse pela investigação no âmbito da literatura infanto-juvenil, com o aparecimento de teses de mestrado e de doutoramento nesta área, bem como com a ocorrência, cada vez mais frequente, de eventos em que os resultados dessa investigação são apresentados e debatidos (jornadas, conferências, seminários).

Constata-se, no entanto, que há ainda pouca bibliografia sobre a literatura infanto-juvenil portuguesa contemporânea, muito especialmente sobre a literatura juvenil, fenómeno de que se dá conta Blockeel (2001), quando refere a pouca atenção de que esta é alvo comparativamente com a que é dada à literatura para crianças, o que não é de estranhar pois, como nos diz a autora, “até aos anos 90 quase não havia narrativas portuguesas destinadas a jovens leitores maiores de 14 anos, sendo estes orientados para a leitura dos clássicos da literatura portuguesa: Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Júlio Dinis, etc.” (Blockeel, 2001: 19). Relativamente à produção literária juvenil em Portugal antes do 25 de Abril, Blockeel assinala ainda que

há muito poucas obras originais para jovens antes de 1974 que não sejam contos ou histórias pequenas, sendo o conto certamente o género predilecto. Isso acompanha o facto de se escrever sobretudo para uma faixa etária que não ultrapassa os doze anos. Para os mais crescidos, os pré-adolescentes e mais velhos, a produção que havia era pouca e de fraca qualidade literária, tanto no plano da língua como no dos conteúdos. (Blockeel, 2001: 54).

Passo agora a apresentar alguma bibliografia nesta área que consegui identificar e/ou coligir: Literatura Infantil e Juvenil (1999), de Glória Bastos; Breve História da Literatura

para Crianças em Portugal (2001), de Natércia Rocha; Literatura Juvenil Portuguesa Contemporânea: Identidade e Alteridade (2001), deFrancesca Blockeel (baseada na sua tese de Doutoramento, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Lovaina, que incide essencialmente sobre a literatura juvenil produzida nos vinte anos que se seguiram ao 25 de Abril); Pontes e Fronteiras. Da literatura tradicional à literatura contemporânea (2005), deMaria da Natividade Pires, (com um capítulo dedicado às relações intertextuais entre a literatura tradicional portuguesa e a literatura infantil atual), Encontros e

33 Gostaria de realçar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por Fernando Azevedo, Professor do Instituto de Educação da Universidade do Minho, no campo da lecionação e da investigação da literatura infanto-juvenil, com especial incidência sobre as suas potencialidades didáticas e pedagógicas. Este investigador tem diversos artigos e obras publicados sobre esta temática, de entre os quais destaco: Infância, Memória e Imaginário.

Ensaios sobre Literatura Infantil e Juvenil, de que é coordenador, Poder, Desejo e Utopia. Estudos em Literatura Infantil e Juvenil (2011) e Globalização na Literatura Infantil, Vozes, Rostos e Imagens (2011), publicação coordenada por Fernando Azevedo, Armindo

Mesquita, Ângela Balça e Sara Reis da Silva.

Deve ainda salientar-se o trabalho levado a cabo por Maria Gabriela Fragoso, Professora da Universidade Nova de Lisboa, que integra o estudo da Literatura Infanto-Juvenil nas suas diversas áreas de investigação, com textos sobre esta temática publicados em revistas da especialidade e em obras, como é o caso de Literatura para a Infância, Infância na

Literatura (2013), que inclui alguns estudos seus e de cuja coordenação é responsável.

Ainda no âmbito desta sua atividade investigativa, Gabriela Fragoso organizou o colóquio internacional “Sociedade e Ambiente na Literatura Infanto-Juvenil Portuguesa e Alemã”, ocorrido no ano de 2010, na Universidade Católica de Lisboa, e foi responsável pela coordenação das secções sobre literatura infanto-juvenil nos 8º e 9º Congressos Alemães de Lusitanistas, que tiveram lugar em Munique e Viena, em 2009 e 2011, respectivamente.

Por sua vez, a receção de obras de autores estrangeiros em Portugal tem merecido especial atenção por parte de Maria Teresa Cortez, Professora da Universidade de Aveiro, cuja investigação neste campo tem incidido sobretudo na obra dos irmãos Grimm. Assim o demonstram algumas das suas publicações, como é o caso da obra Os contos de Grimm em

Portugal: a recepção dos Kinder- und Hausmärchen entre 1837 e 1910, publicada em

2001, ou dos artigos “Teófilo Braga e Adolfo Coelho – Duas posições face aos Irmãos Grimm e à colecção Kinder- und Hausmärchen”, incluído na publicação ELO. Revista de

Estudos de Literatura Oral (2001/2002).

É ainda de destacar o trabalho desenvolvido por José António Gomes, tanto no campo da investigação e da crítica literária infanto-juvenil, como da produção de um vasto leque de obras para os mais novos, quer em verso quer em prosa, algumas destas publicadas com o heterónimo de João Pedro Mésseder. Deve ainda ser referido o trabalho desenvolvido por

34 José António Gomes como diretor e colaborador da Revista Malasartes – Cadernos de

Literatura para a Infância e a Juventude, dedicada ao estudo do livro para crianças e

jovens. Trata-se de uma revista que resulta de um trabalho de colaboração entre Portugal e a Galiza, com artigos apresentados em ambos os idiomas e com uma periodicidade de dois números por ano. No entanto, no texto editorial da sua última publicação, que remonta a Novembro de 2011, informava-se os leitores das dificuldades económicas por que a revista estava a passar, tudo levando a crer que a mesma tenha sido suspensa por tempo indeterminado, o que é de lamentar, dado o seu importante papel no âmbito da produção, divulgação e estudo da literatura infanto-juvenil.

Apesar de não ser ainda vasta a bibliografia existente em Portugal sobre a literatura infanto-juvenil, tudo leva a crer que a escassa bibliografia atrás mencionada esteja muito aquém da que existe hoje ou venha a existir em breve, dada a investigação sobre esta área do saber que está, atualmente, a ser desenvolvida em algumas Universidades e Institutos Superiores portugueses. De facto, a minha participação recente em alguns eventos académicos (colóquios, conferências, etc.), permitiu-me constatar que estão a ser elaboradas, ou foram recentemente defendidas, teses de mestrado e doutoramento sobre diversas temáticas respeitantes à literatura infanto-juvenil em geral e, muito especialmente, à literatura infantil, pelo que é de prever que possa estar em curso ou para breve o aparecimento de publicações de muitos desses trabalhos.

Quanto à bibliografia literária infanto-juvenil alemã contemporânea, ainda que não seja viável um conhecimento exaustivo sobre a mesma, a pesquisa que efectuei – especialmente no âmbito da literatura juvenil – levou-me a deduzir que o volume de obras publicadas na Alemanha é, proporcionalmente, muito mais elevado do que em Portugal, não apenas devido à existência de um mercado livreiro muito mais forte, mas também ao interesse que este tipo de literatura tradicionalmente sempre mereceu neste país, mesmo por parte de um público adulto.

Reiner Wild, num artigo que publica na obra Geschichte der deutschen Kinder- und

Jugendliteratur (História da Literatura Infanto-Juvenil Alemã) (2008), de que é editor,

situa o aumento do interesse pela literatura infanto-juvenil na Alemanha (Ocidental) – visível na expansão do mercado editorial e livreiro –, nos anos 70, e associa-o às profundas transformações sociais e culturais ocorridas na sequência do movimento estudantil de

35 1968. Outros autores, em outras áreas do saber, chamam a atenção para o impacto, na vida social e cultural alemã, do “Studentenbewegung” (movimento estudantil), um movimento que, “na sequência do Maio revolucionário de 1968 em França, não deixou de mudar a mentalidade duma geração inteira.” (Opitz et al, 1998: 372). Segundo estes estudiosos, trata-se de um movimento que se insere numa mudança cultural e que ultrapassa, em larga medida, o domínio político e económico, pois “o que está em causa é, sobretudo, uma mentalidade que já não se deixa dominar pelo passado e que quer uma vida diferente.” (ibid.).

O papel que o movimento estudantil de 68 teve na sociedade e na cultura da República Federal Alemã é igualmente apontado na Deutsche Literaturgeschichte (1984), obra cuja tradução em português foi publicada em 199415. Como consta na referida obra, “estes acontecimentos do estrangeiro [o Maio de 68 em Paris], as formas de acção e luta, são recebidos em comentários e análises e integrados na acção prática do movimento estudantil e da oposição extraparlamentar.” (1994: 486), sendo dito, mais adiante, que se pode considerar

o ano de 1968 com razão um ano de grandes transformações políticas e culturais na Alemanha Federal: nele convergem linhas de evolução, chocam-se contradições cujas tensões tinha sido possível equilibrar nos anos anteriores. Mas agora são anuladas certas regras e convenções político-sociais, tradições, também culturais, revelam estar ultrapassadas, decaem, são substituídas por novas formas subculturais de relacionamento. (História da Literatura Alemã, 1994: 489)

O Maio de 68 não teve, no entanto, em Portugal, o mesmo impacto que teve na Alemanha e em outros pontos da Europa, dada a situação de atraso e fechamento a quaisquer novidades provenientes do exterior em que o país vivia. Subjugado a um regime ditatorial, com uma forte censura aliada a um elevado índice de analfabetismo, Portugal não era, de modo algum, um terreno propício para a propagação das ideias saídas do Maio de 68, embora estas tenham tido algumas repercussões no meio universitário, ao qual tinha acesso apenas uma pequena percentagem da população portuguesa. Como acentua Eduarda Dionísio (2009), num texto que acompanhou uma exposição de cartazes sobre Maio de 68 na Alemanha e que esteve patente no Goethe-Institut em Lisboa,

Seria preciso esperar seis anos para a súbita mudança do regime fazer o país inteiro viver um tempo que teve semelhanças (ampliadas) com as formas de libertação, de

15

36 desconstrução e construção que o(s) Maio(s) de 68 tinha(m) experimentado (com outras razões e resultados) noutros lugares: perder o medo (…), tomar o destino nas suas próprias mãos, tomar a palavra e ter voz, ocupar o espaço público (sem o desligar do espaço privado), transformar o quotidiano, inverter as hierarquias, viver a vida com o outro (independentemente da classe social e do sexo).16

De facto, só com a queda do regime, a 25 de Abril de 1974, foi possível assistir-se em Portugal a uma alteração profunda das estruturas políticas, económicas e sociais, com repercussões na produção artística e literária em geral, e muito particularmente na literatura destinada às camadas mais jovens da população.

Voltando à situação da literatura infanto-juvenil na Alemanha Federal, além do movimento estudantil de 68, Reiner Wild (2008) aponta ainda, como fatores determinantes das alterações registadas, as mudanças ocorridas no sistema educativo e a transformação acelerada da estrutura familiar, a partir dos anos 70 do século XX, fatores esses que, por sua vez, estão intimamente associados a alterações na própria conceção de infância e de juventude. Assiste-se, assim, a uma revalorização notória da literatura infantil e juvenil na sociedade alemã, que levará ao despertar do interesse pelo seu estudo nos meios académicos. Como nos assinala o referido autor,

Nos anos 70 a literatura infanto-juvenil torna-se, numa dimensão até então desconhecida, objeto de pesquisa e de ensino mesmo dos Estudos Literários; isto origina também, especialmente, um estudo intenso da história desta área da literatura.”17

(Wild, 2008: 345), (tradução minha).

Pode, pois, dizer-se que é a partir de finais dos anos setenta que se verifica, na Alemanha, um crescente desenvolvimento da investigação na área da literatura infanto-juvenil, com muitos investigadores a dedicar-se ao estudo da sua história, ao estabelecimento dos seus fundamentos teóricos e metodológicos e à formulação de uma terminologia própria, contribuindo assim para que uma área da literatura, até então ignorada ou encarada como menor, começasse a consolidar-se como disciplina autónoma. Carsten Gansel (2010a: 11) assinala o final dos anos oitenta como um marco importante na investigação da literatura

16Excerto de um texto retirado do blogue “pimenta negra”, que consultei a 27 de Janeiro de 2013,

http://pimentanegra.blogspot.pt/2009/01/o-maio-de-68-em-portugal-texto-de.html.

17„In den 70er wird die Kinder- und Jugendliteratur in zuvor nicht gekannten Ausmaβ zum Gegenstand

universitärer Forschung und Lehre auch in der Literaturwissenschaft; dies führt insbesondere auch zu einer intensiven Erforschung der Geschichte dieses literarischen Teilbereichs.“ (Wild, 2008: 345).

37 infanto-juvenil neste país, graças aos importantes contributos de alguns investigadores, tanto no campo da teoria como da história, de entre os quais destaca Hans-Heino Ewers, Maria Lypp, Emer O’Sullivan, Rüdiger Steinlein, Inge und Rainer Wild, Bettina Hürrelmann, Gisela Wilkending, Wilhelm Steffens. Penso que é de acrescentar a esta lista o próprio Carsten Gansel, cuja investigação tem incidido sobretudo na literatura juvenil e, muito especialmente, no «Adoleszenzroman»18.

É ainda de acrescentar que, como assinala Reiner Wild (2008), a viragem política de 1989/90, na Alemanha, não irá ter um grande impacto na literatura infanto-juvenil, pois, ainda que se assista ao fim da literatura praticada na RDA, mantêm-se, no país reunificado, as tendências e linhas de desenvolvimento já existentes na República Federal. Segundo este autor (2008), “Na verdade, os acontecimentos de 1989, os seus fundamentos, causas e consequências tornaram-se tema da literatura infantil e juvenil. Contudo, como um sistema no seu todo, este permaneceu quase totalmente incólume.”19 (Wild, 2008: 346) (tradução minha).

Os aspetos atrás referidos no que respeita à investigação desenvolvida no âmbito da literatura infanto-juvenil, em Portugal e na Alemanha, permitem-me concluir que foi sobretudo nas décadas de setenta e oitenta do século passado que a literatura infanto- juvenil começou a ser encarada como objeto de estudo e reflexão e se consolidou como ciência autónoma, dotada de uma base teórica e de instrumentos metodológicos próprios. No entanto, o contacto com a bibliografia consultada e o conhecimento que obtive acerca do trabalho desenvolvido por alguns dos investigadores mais destacados nesta área, em ambos os países, levaram-me igualmente a concluir que a investigação não só está mais desenvolvida na Alemanha, como é mais aprofundada e abrangente a sua incidência, com preocupações de ordem conceptual, teórica, metodológica e terminológica que se prendem com os próprios princípios fundamentais de uma disciplina em construção.

18

Ao subgénero literário «Adoleszenzroman» (romance adolescente) me reportarei, pormenorizadamente, mais adiante.

19„Zwar sind die Ereignisse um 1989, ihre Hintergründe, Ursachen und Folgen zu Themen der Kinder- und

Jugendliteratur geworden; als Gesamtsystem blieb diese davon jedoch weitgehend unberührt.“ (Wild, 2008: 346).

38 Constata-se ainda que a investigação sobre a literatura infanto-juvenil levada a cabo nos dois países tem incidido especialmente sobre a sua evolução histórica (Glória Bastos, Natércia Rocha, Maria da Natividade Pires, em Portugal; Rainer Wild, na Alemanha), sobre aspetos teóricos e metodológicos (Hans-Heino Ewers, Carsten Gansel, Emer O’Sullivan, Günter Lange, Annete Wagner), sobre questões temáticas (Fernando Azevedo, Gabriela Fragoso, José António Gomes, Sara Reis da Silva, em Portugal; Hans-Heino Ewers, Carsten Gansel, Bettina Hürrelmann, na Alemanha), sobre questões de identidade (Francesca Blockeel, em Portugal; Petra Büker & Clemens Klammer, na Alemanha). Verifica-se ainda que alguns autores fazem incidir a sua reflexão sobre as potencialidades didáticas e pedagógicas deste tipo de literatura, como se verifica em Literatura Infantil e

Juvenil (1999), de Glória Bastos (que contém propostas de atividades a desenvolver pelos

professores em contexto de sala de aula), em Erwachsen werden. Jugendliterarische

Adoleszenzromane im Deutschunterricht, de Günter Lange, ou ainda em Moderne Kinder- und Jugendliteratur – Vorschläge für einen kompetenzorientierten Unterricht (2010a), de

Carsten Gansel. São ainda de referir algumas obras em que são coligidos textos de vários autores, que abordam aspetos diversos da literatura infanto-juvenil, sob diferentes perspectivas. De entre estas, destaco, a título de exemplo, a obra em dois volumes

Taschenbuch der Kinder- und Jugendliteratur (2005), editada por Günter Lange, na

Alemanha e Infância, Memória e Imaginário (2010), cuja coordenação é da responsabilidade de Fernando Azevedo ou Literatura para a Infância. Infância na

Literatura, (2013), coordenada por Maria Gabriela Cardoso, em Portugal.