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2.5 COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA

2.5.2 Comitês de Ética em Pesquisa: levantamento da literatura nacional

2.5.2.1 Estudos sobre o papel dos Comitês de Ética em Pesquisa

Na categoria Estudos sobre o papel dos Comitês de Ética em Pesquisa, foram identificados 116 artigos, que representam 27,2% do total pesquisado. Desses 16 são estudos nacionais e 100 são estrangeiros. Os dados são apresentados na Figura 2.

Figura 2 - Estudos sobre o papel dos Comitês de Ética em Pesquisa _________________________________________________________________ Fonte: pesquisa da autora, 2012.

Os resultados indicam grande diferença entre o número de artigos estrangeiros e o de artigos nacionais. O período de menor número de publicações é o anterior a 1996, tanto para artigos nacionais, como estrangeiros, enquanto o período com maior número variou nos dois grupos.

Embora o levantamento tenha apontado a ausência de publicações nacionais antes de 1996, a Resolução CNS n. 01/88 já assinalava a necessidade de aprovação, pelos comitês de ética, das pesquisas realizadas pelas instituições de saúde (75). A publicação dessa Resolução não estimulou a publicação de artigos sobre o tema, como indicado anteriormente, ela não repercutiu nas atividades de pesquisa. Por outro lado, o período que apresentou maior número de publicações nacionais foi o de 1996 a 1999, o que pode ser atribuído ao

0 20 40 60 80 100 120 140 1996 2000 2004 2008 Antes de a a a a 1996 1999 2003 2007 2012 Total N úmero de A rt igo s Período de publicação

momento de divulgação das diretrizes e da implantação dos comitês de ética nacionais.

A leitura dos estudos nacionais identificou que os escritos eram, principalmente, de autores que têm estudado a Bioética e participaram da criação do sistema CEP-CONEP. Essas publicações divulgavam a necessidade de adaptação dos comitês às diretrizes éticas internacionais e nacionais, destacando a recém-criada Resolução CNS n. 196/96. Os textos tinham o propósito de difundir o conhecimento das diretrizes nacionais, refletir sobre as questões éticas, na perspectiva do trabalho dos comitês, bem como ressaltar a necessidade da avaliação das pesquisas no âmbito de seus aspectos éticos (137, 144).

O papel dos CEPs também é discutido com base em teorias morais, sendo os comitês de ética considerados corresponsáveis, do ponto de vista moral, pelas pesquisas que aprovam. Todavia, são destacados como espaço de argumentação crítica, o que possibilita a promoção de novos diálogos sobre a atividade científica e não instância de imposição de regras e inviabilização de projetos (145, 146). Já em outra direção, há manifestação que questiona a própria existência dos comitês de ética em pesquisa, considerados como aqueles que tutelam a ação moral dos pesquisadores (147).

Freitas e Hossne (144) caracterizam o papel dos CEPs na proteção de sujeitos que participam de pesquisas, com base no controle social, e na ênfase na humanização das pesquisas envolvendo seres humanos. Reforçam o papel consultivo e educativo dos comitês de ética e não o de fiscal do cumprimento das disposições da Resolução CNS n. 196/96. Por fim, os autores enfatizam a importância do trabalho interdisciplinar, da liberdade de ação dos membros do CEP e da ausência de conflitos de interesses em relação às pesquisas que avaliam.

Em publicação destinada ao treinamento de ética em pesquisa em países sul-africanos, Dhai (148) apresenta quatro princípios para atuação de um CEP: competência, independência, transparência e pluralismo. A autora tece considerações sobre aspectos do trabalho de avaliação no que diz respeito à análise de riscos e benefícios, induções, confidencialidade, conflitos de interesses e estudos multicêntricos.

Além de identificarem as características dos comitês de ética, Zoboli e Spinetti (149) discutem pontos sobre seu aprimoramento destacando os CEPs:

como fóruns de discussão, reflexão e deliberação éticas que visam o respeito à dignidade do ser humano. Entendê-lo como mera instância administrativo-burocrática só implica o entrave da pesquisa, do contrário, contribui para seu aprimoramento e avanço, com ética e solidez (p. 195).

Melo e Lima (150) discorrem de modo didático sobre os aspectos gerais dos CEPs, articulando suas considerações às diretrizes éticas nacionais e internacionais. Destacam os autores a importância dos CEPs e da CONEP na discussão sobre bioética, além de atuarem como obstáculos às transgressões éticas que atingem principalmente a parte mais fraca, o sujeito de pesquisa.

Ressalta-se que os artigos nacionais têm sido importantes para a mudança de paradigma sobre a necessidade de diretrizes éticas para as pesquisas e a consolidação, junto à sociedade brasileira e, em particular, junto à comunidade acadêmica, da compreensão de que as pesquisas éticas vão além das próprias concepções dos pesquisadores. Sejam pesquisas de pequeno ou grande porte, de baixo ou elevado custo, com poucos ou muitos participantes, existem compromissos que transcendem a responsabilidade do pesquisador e envolvem as instituições promotoras, por exemplo. De modo geral, os artigos desta categoria tomaram como referencial teórico a bioética principialista, que se constitui no eixo norteador das diretrizes éticas nacionais.

Em relação aos estudos estrangeiros, o número encontrado (100 artigos) é muito superior quando comparado aos nacionais. Os estudos anteriores a 1996 são principalmente dos EUA, o que pode ser explicado pelo fato de o país ser o primeiro a efetivar comitês de ética em pesquisa, na segunda metade dos anos de 1960. Esses comitês foram criados em instituições que realizam pesquisas patrocinadas por órgãos federais (151). Entre as temáticas exploradas, os artigos iniciais discutiram o papel e o impacto dos comitês de ética nas pesquisas, a aceitação pela comunidade científica, os desafios que se apresentaram para sua constituição e os prazos de avaliação (152, 153).

Posteriormente, foram publicados artigos que analisavam os comitês de ética à luz das diretrizes éticas e das especificidades desses comitês. É o caso dos artigos sobre avaliação das pesquisas clínicas multicêntricas e os aspectos legais relacionados a esses comitês. Destacaram-se o maior número de trabalhos de estadunidenses, seguido por algumas publicações europeias e latino-

americanas e muito poucas asiáticas e africanas. Como esperado, sobressaíram- se publicações dos países do Hemisfério Norte, os centrais, em relação aos do Hemisfério Sul, os periféricos ou emergentes. Esses artigos apontaram o mérito da avaliação ética, analisaram diferenças no trabalho dos comitês e inconsistências na avaliação ética, além do impacto na comunidade acadêmica e de gestores. Outros artigos trabalharam aspectos específicos da atuação dos comitês: conflitos de interesse, a efetividade na proteção dos sujeitos, burocracia e excesso de tempo na avaliação. Um aspecto discutido em artigos dos EUA foi a existência de comitês de ética comerciais, destinados à avaliação de pesquisas clínicas, o que não é encontrado no Brasil (154, 155, 156). Esse tipo de comitê pode apresentar conflito de interesses na atuação de seus membros pelo fato de atenderem a instituições e laboratórios que realizam pesquisas envolvendo altos valores financeiros.

Os artigos dos Estados Unidos e da Europa também apresentaram discussões acerca das finalidades e do impacto da implantação dos comitês de ética na avaliação. Diferentes da maioria dos artigos nacionais, que buscavam reforçar o papel dos Comitês de Ética em Pesquisa, nos internacionais havia muitos questionamentos sobre a finalidade dos comitês de ética e sua efetividade de ação. Alguns fatos podem explicar esses questionamentos, sendo um deles a obrigatoriedade legal dos pesquisadores estadunidenses de submeter pesquisas de saúde à avaliação dos Institutional Review Boards (IRBs). Outro fato seria o tempo demasiado de avaliação, o que comprometeria os cronogramas de pesquisas, sendo este um questionamento recorrente em artigos de vários países.

Destacam-se dois textos de países emergentes, um do Paquistão e outro do Peru, com o intuito de se comparar as reflexões destes autores no panorama internacional de discussão sobre o papel dos Comitês de Ética em Pesquisa. O primeiro apontou os méritos dos comitês de ética na proteção dos participantes em pesquisas financiadas pela indústria farmacêutica. Como demérito, ressaltou a burocracia e a ingerência nas pesquisas. O trabalho peruano tinha um caráter teórico-prático, pontuando as diferenças entre os contextos dos países centrais (Hemisfério Norte) e os dos países latino-americanos (Hemisfério Sul), nos quais a proteção deve ser prioritariamente no sentido de evitar a exploração de sujeitos de pesquisa. Acrescenta-se a isso contribuições de como se proceder na criação

de comitês de ética. Percebe-se que as duas publicações trataram do tema de forma diferente. Enquanto a primeira assemelha sua argumentação aos artigos dos países do Hemisfério Norte, a segunda representa as posições defendidas por bioeticistas latino-americanos. O trabalho peruano tinha o propósito político de problematizar a finalidade dos comitês de ética no contexto de sua criação, ressaltando as diferenças entre os dois grupos de países e a exploração dos subdesenvolvidos (157, 158).

No Brasil, o número de artigos foi semelhante nos dois últimos períodos pesquisados, enquanto nas publicações internacionais houve queda acentuada na sua publicação.

No decorrer dos 15 anos da publicação das diretrizes éticas nacionais, outros questionamentos, como se verá adiante, passaram a nortear as discussões sobre o trabalho que os comitês têm realizado e os impasses e dilemas que se apresentam às atividades dos CEPs. No caso das publicações dos países desenvolvidos, as discussões estavam mais fortalecidas na atuação dos Comitês de Ética em Pesquisa, e foi baixa a produção acadêmica sobre este tema nos países do Hemisfério Sul.